Os passos para um novo governo: clarificar à esquerda, negociar ao centro

Passos, Portas e Costa poderão estar obrigados a entender-se, mas a gestão do processo negocial não será fácil. Antes, António Costa precisa de clarificar as intenções do BE e do PCP.

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Passos Coelho e Paulo Portas esperam acordos com PS Daniel Rocha

É também clara a noção, quer na coligação, quer no PS, de que António Costa tem de delimitar à esquerda a fronteira das negociações, ou seja, tem de estabelecer linhas divisórias que deixem claro para a opinião pública até onde o BE e o PCP estão dispostos a ir nas cedências para negociarem com o PS.

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É também clara a noção, quer na coligação, quer no PS, de que António Costa tem de delimitar à esquerda a fronteira das negociações, ou seja, tem de estabelecer linhas divisórias que deixem claro para a opinião pública até onde o BE e o PCP estão dispostos a ir nas cedências para negociarem com o PS.

De acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, a expectativa da coligação é a de que António Costa não inviabilize nem o governo nem o primeiro OE. Os dirigentes da coligação contactados pelo PÚBLICO assumem que o acordo de legislatura que Pedro Passos Coelho e Paulo Portas disseram desejar com o PS não é concretizável à partida e que os socialistas não vão assinar um caderno de encargos para quatro anos.

A ideia, segundo responsáveis da coligação, é a de que o entendimento se vá fazendo, sessão legislativa a sessão legislativa, diploma a diploma. Mas há a noção exacta de que será ultrapassado uma espécie de cabo das tormentas, se o processo negocial com os socialistas tiver êxito e resultar num acordo que permita ao PS abster-se nas moções de rejeição do programa que o PCP e o BE já anunciaram ir apresentar e também no Orçamento do Estado.

Cientes das limitações de uma maioria relativa – um responsável da coligação ouvido pelo PÚBLICO afirmou mesmo que “em todas as negociações têm de haver cedências” –, o PSD e o CDS deverão estar disponíveis para abrir espaço no programa do governo para contemplar medidas caras aos socialistas, tendo em conta aquilo que são as linhas de demarcação expostas por António Costa na noite eleitoral. A saber: a defesa do Estado social, a criação de emprego, o investimento na ciência, inovação e cultura, o fim das políticas de austeridade.

Destas áreas, a coligação tratou já de incluir no acordo entre PSD-CDS para a formação de governo a inovação e simplificação dos procedimentos administrativos do Estado. Mas podem com facilidade ser encontrados consensos em áreas relativas ao Estado social, como a Educação e a Saúde. Já quanto à reforma da Segurança Social, os responsáveis da coligação ouvidos pelo PÚBLICO admitem que não seja sequer tentada no OE de 2016, visto que envolve uma negociação morosa.

Sobrevivência de Costa
Da parte do PS há a consciência de que o papel deste partido é fulcral para a estabilidade do governo na legislatura que agora começa. Mas há também, entre os dirigentes socialistas ouvidos pelo PÚBLICO, a noção de que a sobrevivência política de António Costa à frente do PS e a recuperação política do partido, depois da derrota eleitoral de domingo, dependem da habilidade negocial que seja demonstrada pelo secretário-geral socialista.

E há dirigentes do PS que asseguraram ao PÚBLICO que, se António Costa tiver êxito na tarefa que tem pela frente, dificilmente será desafiado por qualquer candidato consistente a secretário-geral que se apresente antes do congresso, cujo processo se inicia em Fevereiro. Há mesmo um responsável socialista que admite que Costa terá de ir de novo a eleições como líder do PS, se, claro, não optar por se demitir antes.

A percepção entre responsáveis socialistas é a de que o PS é o partido que faz a fronteira entre a esquerda e a direita, é de novo o “partido charneira” definido por Mário Soares. Assim, terá de conseguir assumir-se como partido responsável, que é fundador da adesão de Portugal à União Europeia e à zona euro. Nessa condição, terá de negociar com a coligação nas questões que considera essenciais para viabilizar a governação, dentro das condições ditadas por António Costa na noite eleitoral.

Alguns dirigentes do PS afirmaram ao PÚBLCO que a questão da estabilidade política no país não se resume à estabilidade governativa e à garantia de um acordo em que os socialistas viabilizem a governação do PSD-CDS. A direcção socialista considera que há uma elevada percentagem de votantes, cerca de 20%, que votam à sua esquerda.

Ora esse voto, que classificam como de protesto, não pode ser ignorado e compete ao PS mostrar ao país as reais intenções e os limites do que é a disponibilidade de comunistas e bloquistas para de facto viabilizarem um governo de esquerda, como foi expresso por Catarina Martins e por Jerónimo de Sousa.

Um dirigente socialista afirmou ao PÚBLICO que há “um cinismo da extrema-esquerda que é preciso desmontar” e que “António Costa tem a função histórica de o expor” – assim, “medir os limites” do PCP e do BE em relação à possibilidade de aceitarem um programa de governo que não defenda a renegociação da dívida nem a saída do euro.

O facto de não estar nas expectativas da direcção do PS que seja possível ou desejável a formação de um governo à esquerda com o BE e o PCP não impede que António Costa faça a clarificação necessária, antes o exige. Mas, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, isso não leva a que o PS, na legislatura que agora se inicia, fique preso à coligação. Pelo contrário – o PS poderá vir a apresentar na Assembleia diplomas sobre as alterações à lei do aborto, adopção por casais gay e aumento do salário mínimo.