As moções de censura destrutivas e construtivas
Faço votos para que a próxima AR não faça a política do faz-de-conta em que muitos dizem que querem avançar com medidas, mas depois arranjam subterfúgios para, à última da hora, não chegarem aos compromissos necessários.
Provável, pois, como disse António Costa na noite eleitoral, o PS não fará coligações negativas, apenas para deitar abaixo os governos e obstaculizar a governabilidade, sem ter uma alternativa de governo para apresentar. E o que é certo é que a falta de diálogo substantivo e real das esquerdas, no espaço privado - onde se conversa e negoceia efectivamente -, antes de se fazer no espaço público, não tem permitido chegar a plataformas de entendimento sobre questões fundamentais. Porém, a esquerda é agora maioritária no parlamento, o que quer dizer que poderá aprovar legislação relevante se for capaz de encontrar e construir consensos. Durante cerca de um ano, pelo menos, iremos ter um governo de direita, mas uma maioria legislativa de esquerda na Assembleia da República (AR). Há, assim, compromissos sobre políticas públicas, de geometria variável, que poderão ser alcançados. De qualquer modo, este ano deveria ser aproveitado para avançar com uma reforma do sistema político mais estrutural, tão alargada quanto possível. Paradoxalmente, ou talvez não, o facto de nenhum partido, ou bloco partidário, ter maioria absoluta permite que seja teoricamente mais fácil avançar com reformas de natureza institucional. A este nível dois dos temas especialmente relevantes são a introdução da moção de censura construtiva na Constituição, de que me ocuparei hoje, neste artigo, e a reforma do sistema eleitoral, que deixarei para um próximo texto.
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Provável, pois, como disse António Costa na noite eleitoral, o PS não fará coligações negativas, apenas para deitar abaixo os governos e obstaculizar a governabilidade, sem ter uma alternativa de governo para apresentar. E o que é certo é que a falta de diálogo substantivo e real das esquerdas, no espaço privado - onde se conversa e negoceia efectivamente -, antes de se fazer no espaço público, não tem permitido chegar a plataformas de entendimento sobre questões fundamentais. Porém, a esquerda é agora maioritária no parlamento, o que quer dizer que poderá aprovar legislação relevante se for capaz de encontrar e construir consensos. Durante cerca de um ano, pelo menos, iremos ter um governo de direita, mas uma maioria legislativa de esquerda na Assembleia da República (AR). Há, assim, compromissos sobre políticas públicas, de geometria variável, que poderão ser alcançados. De qualquer modo, este ano deveria ser aproveitado para avançar com uma reforma do sistema político mais estrutural, tão alargada quanto possível. Paradoxalmente, ou talvez não, o facto de nenhum partido, ou bloco partidário, ter maioria absoluta permite que seja teoricamente mais fácil avançar com reformas de natureza institucional. A este nível dois dos temas especialmente relevantes são a introdução da moção de censura construtiva na Constituição, de que me ocuparei hoje, neste artigo, e a reforma do sistema eleitoral, que deixarei para um próximo texto.
2. Aquilo que está inscrito na Constituição é apenas a possibilidade de moções de censura ao governo que, se aprovadas, levam à sua demissão. Como dizia Vital Moreira “entre nós há uma banalização das moções de censura, transformadas em simples instrumento de guerrilha parlamentar e de prova de vida da oposição” (PÚBLICO, 15/02/2011). Em 39 anos de Constituição, terão existido dezenas de moções de censura, mas apenas uma foi aprovada, precisamente aquela posta em 1987 pelo PRD contra o governo de Cavaco Silva, a qual conduziu a uma maioria absoluta. O balanço que é possível fazer do uso desta norma constitucional é, assim, de uma eficácia nula. Por um lado, porque alimenta a retórica de protesto, mas não de assumpção de responsabilidades por parte dos partidos de oposição. Por outro, porque, quando bem sucedida, pode levar a resultados opostos ao que era pretendido. Não podemos inferir de um acontecimento único, uma regularidade histórica pelo que quer PSD/CDS, por um lado, quer PS, PCP e BE, por outro, devem ser cautelosos com moções de censura e confiança. Se Cavaco Silva, nomear PSD/CDS para formar governo, a tentação de reiniciar a guerrilha parlamentar, com uma moção de censura “destrutiva” (leia-se apenas para derrubar o governo), é expectável mas seria prejudicial. Seria simultaneamente, por parte de PCP, PEV ou Bloco, uma corrida para ver qual, das esquerdas, é mais à esquerda, e, por outro lado, uma tentativa de “entalar” o PS que, sendo o último a pronunciar-se, ficaria refém ou de viabilizar o governo ou de derrubá-lo. Se as outras esquerdas querem iniciar o diálogo com o PS, e não jogar já com o tacticismo político e a confrontação política, seria bom absterem-se de tal iniciativa.
3. Aquilo que deveremos recomeçar a falar de forma insistente é na moção de censura construtiva inscrita em várias Constituições. Na alemã refere o artigo 67 a propósito do “Voto de Não Confiança”: “O Bundestag pode expressar a sua falta de confiança no Chanceler Federal apenas pela eleição de um sucessor pelo voto de uma maioria dos seus membros e requerendo ao Presidente Federal para demitir o Chanceler Federal. O Presidente Federal deve acatar essa decisão e nomear a pessoa eleita”. Assim acontece em democracias maduras onde se preza a estabilidade governativa. Em Portugal, a temática da moção de censura construtiva tem sido discutida. Desde logo no contexto de iniciativas do PS desde, pelo menos, 1989. O PSD chegou a colocar uma proposta, algo diferente, de moção de censura construtiva (MCC), mas acabou por retirá-la. Não sei se Cavaco Silva terá tido alguma influência nisso, pois obviamente que a MCC retira alguns poderes ao Presidente, tornando o regime um pouco mais parlamentar. Mas o relevante é que a MCC traria mais estabilidade à governação, acabaria a guerrilha parlamentar baseada em inócuas moções de censura, e criar-se-iam os incentivos correctos para se estabelecerem os diálogos necessários à criação de alternativas de governo, caso existam compromissos viáveis alternativos a partir dos resultados eleitorais. Embora por razões diferentes, quer a direita quer a esquerda teriam claras vantagens em que se avançasse com a MCC. Visto que iniciámos agora o ciclo das presidenciais, seria muito útil saber o que os candidatos pensam sobre uma revisão Constitucional que inclua a norma da MCC. Faço votos para que a próxima AR não faça a política do faz-de-conta em que muitos dizem que querem avançar com medidas, mas depois arranjam subterfúgios para, à última da hora, não chegarem aos compromissos necessários.
Professor do ISEG/ULisboa (recém-eleito deputado pelo PS)