Último acórdão sobre Sócrates tem quatro páginas quase iguais a decisão de 2010
Outros cinco parágrafos do acórdão da Relação de Lisboa, incluindo a citação do padre António Vieira, foram retirados de um texto científico de um professor universitário, mas aparecem sem aspas. Referências genéricas ao acórdão de 2010 e à apresentação de José Lobo Moutinho
O PÚBLICO detectou igualmente cinco parágrafos do acórdão praticamente iguais aos existentes num texto científico de um professor universitário, José Lobo Moutinho, que dá aulas na Universidade Católica, em Lisboa, e é um dos sócios da sociedade de advogados Sérvulo e Associados. A exposição em causa intitula-se A limitação temporal do segredo do processo relativamente ao arguido: o pós- Acórdão n° 428/08 do Tribunal Constitucional.
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O PÚBLICO detectou igualmente cinco parágrafos do acórdão praticamente iguais aos existentes num texto científico de um professor universitário, José Lobo Moutinho, que dá aulas na Universidade Católica, em Lisboa, e é um dos sócios da sociedade de advogados Sérvulo e Associados. A exposição em causa intitula-se A limitação temporal do segredo do processo relativamente ao arguido: o pós- Acórdão n° 428/08 do Tribunal Constitucional.
Entre os parágrafos semelhantes encontra-se a citação do padre António Vieira – “quem levanta muita caça e não segue nenhuma não é muito que se recolha com as mãos vazias” – que surge exactamente com a mesma frase introdutória: “como advertia o nosso Padre Antonio Vieira”. Esta frase foi amplamente citada pela comunicação social e interpretada como sendo um recado aos juízes da Relação de Lisboa, colegas de Rangel, que redigiram, em Março passado, um outro acórdão que manteve Sócrates em prisão preventiva. “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”, tinham escrito na decisão de Março.
As mais de uma dúzia e meia de parágrafos em questão não aparecem entre aspas, não havendo qualquer indicação de que as frases não são do juiz relator do acórdão, o desembargador Rui Rangel. Por vezes, nas decisões judiciais recorre-se aos itálicos para dar nota da reprodução de um texto de terceiros, mas, neste acórdão, os itálicos parecem apenas sublinhar algumas frases do relator.
Contactado pelo PÚBLICO, o juiz Rui Rangel, que também dá aulas na Universidade Autónoma, recusou-se a fazer qualquer comentário às questões colocadas. O PÚBLICO tentou através do Tribunal da Relação de Lisboa obter uma reacção do juiz adjunto Francisco Caramelo, que assina o acórdão com Rui Rangel, mas não recebeu qualquer resposta até ao fecho da edição. Igualmente contactado pelo PÚBLICO foi José Lobo Moutinho, que optou por não fazer qualquer comentário ao caso.
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Alexandre Dias Pereira, especializado em Direitos de Autor, diz ao PÚBLICO que há deficiências na forma como o juiz relator reproduz o acórdão da Relação de Coimbra e o texto de José Lobo Moutinho, lembrando que a colocação de aspas é regra nas citações e o modo de afastar qualquer dúvida sobre a apropriação ilegítima da obra de um terceiro.
O especialista, que é igualmente membro da direcção da Associação Portuguesa de Direito Intelectual, explica que as decisões judiciais não estão abarcadas por direitos de autor à luz do Código de Direitos de Autor e dos Direitos Conexos, contrariamente ao que acontece com os artigos científicos. “De todo o modo, o autor do texto-fonte tem o direito de reivindicar a sua autoria”, sustenta Alexandre Dias Pereira, que diz que o problema que se levanta neste caso é essencialmente uma questão ética e de deontologia.
No acórdão da Relação de Lisboa existe uma referência genérica à decisão da Relação de Coimbra, de 2010. A indicação surge entre parêntesis curvos depois de se terem transcrito mais de quatro páginas sem qualquer outra remissão. “vd. Acórdão da Relação de Coimbra, proc. n° 167/08.Ogaclb”, surge à cabeça de uma vasta lista de referências que inclui outros acórdãos e diversos artigos científicos publicados em revistas da especialidade. O mesmo acontece com o texto de José Lobo Moutinho, que também surge com uma referência do mesmo tipo depois de serem transcritos quase textualmente quatro parágrafos daquela obra.
As semelhanças entre as duas decisões surgem na segunda parte do acórdão de Setembro, nas 15 páginas dedicadas à questão do segredo de justiça. A análise jurídica do assunto, que parece escrita pelo juiz relator Rui Rangel, é praticamente igual à que existe no acórdão da Relação de Coimbra, com pequenos detalhes alterados.
Por exemplo, enquanto um dos parágrafos da decisão deste ano arranca com “como sabemos, a regra é, agora,”, no acórdão de 2010 a mesma frase começa com “deste modo a regra é, agora,”. Outra frase começa por um “ora” em vez de um “enquanto”.
Rui Rangel é presidente da Associação Juízes pela Cidadania e interveniente habitual em comentários televisivos, tendo sido convidado residente do programa da RTP Justiça Cega. O juiz desembargador foi candidato à presidência do Sport Lisboa e Benfica (SLB), em finais de 2012, uma situação que levou o Conselho Superior da Magistratura a recomendar-lhe que suspendesse as funções na judicatura.