EUA admitem que erraram no ataque ao hospital dos Médicos Sem Fronteiras

Pentágono já tinha mudado a sua versão sobre o ataque que matou 22 pessoas, mas é a primeira vez que admite responsabilidade. ONU permite que seja Washington a investigar o sucedido.

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O hospital de Kunduz era o único no Nordeste do Afeganistão com condições para tratar ferimentos graves Reuters

O general John Campbell disse ao Comité dos Serviços Armados que o ataque foi pedido pelos militares afegãos no terreno, mas admitiu que a validação foi dada pelos serviços especiais dos Estados Unidos. O “hospital foi atingido por erro”, disse. “Mesmo que tenham sido os afegãos a pedirem o apoio, este teve que passar por um rigoroso procedimento norte-americano.”

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O general John Campbell disse ao Comité dos Serviços Armados que o ataque foi pedido pelos militares afegãos no terreno, mas admitiu que a validação foi dada pelos serviços especiais dos Estados Unidos. O “hospital foi atingido por erro”, disse. “Mesmo que tenham sido os afegãos a pedirem o apoio, este teve que passar por um rigoroso procedimento norte-americano.”

É uma versão diferente daquela que foi dada durante o fim-de-semana e a primeira que admite responsabilidade de Washington. Pouco depois do ataque, o exército norte-americano disse que o bombardeamento ao hospital em Kunduz aconteceu para salvar militares dos Estados Unidos em combate com os taliban que conquistaram a cidade no final de Setembro. Numa conferência de imprensa na segunda-feira, porém, John Campbell admitiu que não havia soldados norte-americanos em perigo e que o bombardeamento fora pedido por Cabul. Mas não esclareceu qual fora o papel do seu exército na aprovação do alvo.

Agora em testemunho ao Congresso, o general indicou que as forças norte-americanas no terreno vão fazer um treino aprofundado para evitar situações semelhantes no futuro. Os Estados Unidos têm dez mil militares numa força de 12 mil homens da NATO. A sua missão é a de aconselhar e treinar as forças afegãs, embora se reserve o direito de intervir directamente em casos específicos, como a pedido do exército de Cabul, em casos de autoprotecção e no combate a líderes taliban. Mas mesmo nestes casos, o mais habitual é que os americanos ajudem sobretudo a determinar alvos para ataques aéreos, sem entrarem em combate directo.

Mas há ainda perguntas por responder. O exército norte-americano não explicou ainda como é que foi possível que um avião de ataque preciso, um AC-130, bombardeasse durante mais de 30 minutos um edifício que, segundo os Médicos Sem Fronteiras (MSF), era conhecido do Pentágono. Isto com uma equipa das forças especiais a assistir militares afegãos nas imediações do hospital e apesar de várias chamadas de funcionários dos MSF em Cabul e Kunduz para responsáveis norte-americanos.

A organização humanitária encerrou o hospital atingido, o único com condições para tratar ferimentos graves no Nordeste do Afeganistão e uma estrutura de cuidados crucial para uma cidade que ainda está a ser reconquistada aos taliban – os extremistas já foram quase totalmente retirados da cidade, mas este foi o seu grande primeiro avanço desde a invasão norte-americana de 2001.

Os Médicos Sem Fronteiras não aceitaram as justificações de segunda-feira dos Estados Unidos, a quem acusaram de “tentarem agora atirar as responsabilidades para o Governo afegão”. Lê-se num comunicado da organização: “A realidade é que os Estados Unidos largaram aquelas bombas. Os Estados Unidos atingiram um hospital enorme cheio de feridos e de funcionários dos MSF. O exército norte-americano é ainda o responsável pelos alvos que atinge.”

Os responsáveis afegãos continuam a dizer que havia combatentes taliban na parte Sul do edifício atingido, embora os MSF garantam que, à altura do ataque aéreo, não havia sinal de combates. Barack Obama prometeu no domingo um “inquérito completo” ao incidente. A organização humanitária, no entanto, diz que o que é necessário é uma investigação independente, já que pode estar em causa um “crime de guerra”.

As Nações Unidas disseram na segunda-feira que iriam esperar pelo resultado das investigações norte-americana e afegã e só depois decidirá se avança com um inquérito seu. Para Christopher Stokes, o director-geral dos Médicos Sem Fronteiras, esse é um passo imprescindível. “Com discrepâncias tão constantes nos relatos dos Estados Unidos e Afeganistão sobre o que se passou, a necessidade de uma investigação completa, independente e transparente é cada vez mais crítica”, escreveu Stokes no site da organização.