E quando, um museu para a arquitectura portuguesa?
Há, em Portugal, vários museus de artes e de ciências, e também do design, do teatro, das marionetas, do cinema, dos coches, da imprensa… Para quando um Museu Nacional da Arquitectura?
A Casa-atelier José Marques da Silva, no Porto, reabriu no penúltimo fim-de-semana, depois de (quase) terminadas as obras de reabilitação assinadas por Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez (Atelier 15), e a fundação de que é sede continua a recolher espólios e arquivos de alguns nomes fundamentais da arquitectura na cidade; a Casa da Arquitectura, em Matosinhos, viu finalmente iniciadas as obras de transformação da antiga fábrica da Real Companhia Vinícola, que virá a acolher aquela instituição, depois que foi posto de parte o projecto que Siza realizou há uma década para a construção de um edifício de raiz; o Sistema de Informação para o Património Arquitectónico (SIPA), com sede no forte de Sacavém e que detém o mais extenso espólio português do sector, passou em Junho a ficar na dependência da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), em vez do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana; as fundações Centro Cultural de Belém (CCB), Gulbenkian e Serralves integram a arquitectura nas suas colecções e programação; o arquitecto Pedro Gadanho iniciou este mês o seu mandato à frente do projecto do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), que a Fundação EDP vai construir junto à Central Tejo…
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A Casa-atelier José Marques da Silva, no Porto, reabriu no penúltimo fim-de-semana, depois de (quase) terminadas as obras de reabilitação assinadas por Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez (Atelier 15), e a fundação de que é sede continua a recolher espólios e arquivos de alguns nomes fundamentais da arquitectura na cidade; a Casa da Arquitectura, em Matosinhos, viu finalmente iniciadas as obras de transformação da antiga fábrica da Real Companhia Vinícola, que virá a acolher aquela instituição, depois que foi posto de parte o projecto que Siza realizou há uma década para a construção de um edifício de raiz; o Sistema de Informação para o Património Arquitectónico (SIPA), com sede no forte de Sacavém e que detém o mais extenso espólio português do sector, passou em Junho a ficar na dependência da Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), em vez do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana; as fundações Centro Cultural de Belém (CCB), Gulbenkian e Serralves integram a arquitectura nas suas colecções e programação; o arquitecto Pedro Gadanho iniciou este mês o seu mandato à frente do projecto do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT), que a Fundação EDP vai construir junto à Central Tejo…
É sobre esta radiografia que esta segunda-feira, Dia Mundial da Arquitectura, o PÚBLICO aborda a questão da não existência em Portugal de um museu nacional para esta disciplina, sendo um dos raros países da Europa onde isso acontece. O que não significa que não se fale – e não se trabalhe – nesse projecto, em diferentes lugares, com diferentes ambições e sortes…
O arquitecto João Luís Carrilho do Graça – que actualmente mostra os seus trabalhos para Lisboa numa exposição no CCB – lembra que, após a Expo’98, foi dos primeiros a sugerir a transformação do Pavilhão de Portugal num museu da arquitectura. “Disse na altura – e continuo a achar isso – que é o espaço ideal para o efeito”, refere, lembrando não apenas a assinatura de Siza, mas também a contribuição que o edifício – que entretanto passou a ser gerido pela Universidade de Lisboa –, transformado em museu, poderia trazer para aumentar a ressonância internacional da arquitectura portuguesa.
O próprio Álvaro Siza fez há uma década um projecto para a Casa da Arquitectura (CA), em Matosinhos, que aspirava em transformar-se na referência nacional para o sector. O preço anunciado do projecto – cerca de 40 milhões de euros – e a crise económica foram as justificações invocadas pela autarquia para o adiamento da construção, que entretanto foi substituída pela instalação da CA na velha fábrica da Real Companhia Vinícola, com obras actualmente já em curso.
Nuno Sampaio, director executivo da CA, diz que Matosinhos não desistiu de vir a ter “um projecto de um Siza maduro” nesta que é a terra natal do arquitecto, e onde ele realizou as suas primeiras obras mais mediáticas, como a Casa de Chá da Boa Nova e a Piscina das Marés de Leça da Palmeira. Mas, agora, é nas futuras instalações da Real Vinícola que Sampaio projecta, a partir de 2017, a instalação dos acervos que já estão à guarda da instituição – entre os quais se encontram as citadas obras de Siza, maquetas e desenhos de Eduardo Souto de Moura e o projecto do Museu dos Coches, do arquitecto brasileiro Paulo Mendes da Rocha.
“A CA distingue-se de todas as outras entidades existentes em Portugal por se ocupar de três eixos fundamentais: conservar e tratar os acervos documentais; organizar o acesso a essas obras; programar actividades que celebrem a arquitectura”, diz Sampaio, insistindo em que a CA só cumprirá verdadeiramente o seu desígnio “se for uma instituição nacional” que esteja em rede com outras entidades do sector.
Eduardo Souto de Moura, que no início deste ano depositou parte do seu arquivo na instituição de Matosinhos, justificou na altura ao PÚBLICO a decisão por achar que a CA é “o embrião certo” para “uma instituição concreta e especializada” para esta disciplina que “passou a fazer parte da cultura portuguesa, e é apreciada lá fora”, principalmente a partir da obra de Siza, que “é o motor” desse reconhecimento.
“Eu optei pela Casa da Arquitectura. Tenho alguma experiência de arquivos internacionais, e há uma espécie de recomendação para que não se façam depósitos nas universidades – é como as bibliotecas, onde as obras completas do Júlio Dinis e do Sá de Miranda ficam cheias de pó”, diz o prémio Pritzker 2011.
José Mateus, presidente da Trienal de Lisboa, vê também na CA a instituição que, “neste momento, está mais empenhada, com actos concretos, em criar um Museu Nacional de Arquitectura”. Mas, considerando que a ausência desta instituição nacional “só pode ser resultado de uma lamentável falta de visão”, Mateus vê-a – "necessariamente apoiada pelo Estado" – como “um museu-arquivo com várias ‘entradas’”, e o resultado da “parceria entre entidades com actividade complementar”. “Deve constituir uma colecção e possuir espaços próprios de partilha ou mediação com investigadores e com a população não especializada”, acrescenta.
Uma instituição incontornável para essa mediação será o SIPA, em Sacavém, que desde Junho depende da DGPC. Reúne arquivos, documentação e maquetas de milhares de obras nas áreas da arquitectura, urbanismo, paisagem, turismo e até pintura mural. Nas mais de três dezenas de acervos de arquitectura, tem nomes como Cottinelli Telmo, Carlos Chambers Ramos, Pardal Monteiro e Nuno Teotónio Pereira.
João Carlos Santos, subdirector da DGPC, faz notar que ao SIPA “não compete substituir-se a um possível museu”, mas assegura que este serviço está disponível para apoiar todas as iniciativas que visem “divulgar a qualidade da arquitectura portuguesa”, que será “o património do futuro”.
Outra instituição já no terreno há alguns anos, e com trabalho reconhecido nesta área, é a Fundação Instituto Marques da Silva (FIMS), pertencente à Universidade do Porto (UP). No penúltimo fim-de-semana, a fundação apresentou aos portuenses a obra feita de reabilitação da que foi a casa-atelier do arquitecto da Estação de São Bento e do Teatro São João, e que foi dirigida por Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandez.
No decorrer de uma visita guiada à moradia, paredes meias com o palacete da família de Marques da Silva, também património da FIMS, Alves Costa disse ao PÚBLICO que a reabilitação teve como preocupação primeira manter a integridade do projecto original, adaptando o edifício simultaneamente ao funcionamento como centro de documentação.
Registe-se que, para além dos espólios fundadores da família Marques da Silva (incluindo a sua filha, Maria José, e o genro, David Moreira da Silva), a FIMS guarda já arquivos de outros nomes maiores da Escola do Porto, como Fernando Távora, Alcino Soutinho e José Carlos Loureiro – os dois últimos resultantes de doações recentes, a que irão acrescentar-se as dos arquitectos João Queirós e Manuel Teles, e previsivelmente também o de Alfredo Matos Ferreira, recentemente desaparecido.
Maria de Fátima Marinho, presidente da FIMS, diz que a vocação da instituição é “continuar a recolher acervos, sobretudo ligados à Escola do Porto, com vista ao seu tratamento arquivístico, para que eles fiquem disponíveis para consulta e investigação”. Sobre a criação ou não de um Museu Nacional da Arquitectura, a professora da UP diz que isso passará mais pela colaboração entre várias instituições, como aquilo que, de resto, a FIMS está já a fazer com a CA ou com a Fundação Gulbenkian, nomeadamente, no caso desta, para a realização, em Paris, da grande exposição sobre os últimos 50 anos da arquitectura portuguesa, que ocorrerá na próxima Primavera.
A ideia de uma instituição única no país também não faz sentido para Alexandre Alves Costa, que nota que “o verdadeiro museu da arquitectura é a cidade, que, por natureza, é descentralizada”. Mas o arquitecto portuense vê a FIMS, na sequência até da sua associação orgânica com a UP (incluindo aqui a sua Faculdade de Arquitectura), como uma instituição que “tem um certo apelo” para os arquitectos, que “gostarão de ver os seus arquivos junto dos de Távora”, por exemplo. Lembrando que as obras de figuras como Manuel Marques, Viana de Lima, Januário Godinho, Arménio Losa ou Rogério de Azevedo estão já representadas nos arquivos da UP, Alves Costa vê com naturalidade que, no futuro, esses se associem aos que hoje se encontram na FIMS. “Seria o museu da arquitectura da Escola do Porto – e isso já me basta”, realça. Alves Costa nota, no entanto, que o crescimento dos acervos, e das actividades, na fundação obrigarão à construção de um edifício de raiz. “A fundação tem espaço para isso, e eu ficaria muito contente se o Siza fizesse para aqui um projecto”, acrescenta.
Por outro lado, Alves Costa vê com naturalidade que Lisboa centralize também numa instituição própria os testemunhos dos seus arquitectos, como Cassiano Branco, Manuel Vicente ou Raul Hestnes.
“Como vivo e trabalho em Lisboa, não me importava nada que [um futuro Museu Nacional da Arquitectura] fosse aqui”, responde Carrilho da Graça. “Mesmo se é verdade que o Porto é a capital da arquitectura”, acrescenta o arquitecto da Escola Superior de Música de Lisboa, relevando, no entanto, que “mais importante do que identificar um sítio seria apostar em vários sítios do país”. Para uma instituição a que prefere não chamar museu, “mas um centro que possa receber espólios e arquivos, organizar exposições e mostrar-se muito dinâmica”.
Já André Tavares, arquitecto, professor e editor, mostra-se pouco optimista quanto a concretização de um Museu Nacional de Arquitectura: “Há conteúdo, há público, há competência para o fazer. E até desconfio que haja condições económicas para viabilizar uma instituição com essa natureza. Mas não é fácil, e os fiascos sucessivos comprovam essa dificuldade”. “Será que faz sentido construir novas instituições, um futuro novo, quando nem sequer as que temos somos capazes de preservar? Não sei responder”, diz o vencedor do Prémio Távora 2015, que esta segunda-feira realiza, na Câmara de Matosinhos, a conferência decorrente da sua viagem ao Livro da Arquitectura.