Arquitectos Aires Mateus vencem concurso para museu suíço e batem três prémios Pritzker
Projecto de 85 milhões de euros para novo pólo cultural de Lausanne bate propostas assinadas por três prémios Pritzker.
“Desenhem-me dois museus” foi o pedido do Cantão de Vaud, cuja capital é Lausanne. “Um museu, dois museus, um espaço” foi a resposta da dupla Aires Mateus, que com a sua proposta deixou para trás no concurso três arquitectos que já receberam o prémio Pritzker: o japonês Shigeru Ban, a dupla japonesa Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa (do atelier Sanaa) e o francês Jean Nouvel.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
“Desenhem-me dois museus” foi o pedido do Cantão de Vaud, cuja capital é Lausanne. “Um museu, dois museus, um espaço” foi a resposta da dupla Aires Mateus, que com a sua proposta deixou para trás no concurso três arquitectos que já receberam o prémio Pritzker: o japonês Shigeru Ban, a dupla japonesa Kazuyo Sejima e Ryue Nishizawa (do atelier Sanaa) e o francês Jean Nouvel.
A escolha do atelier português foi unânime, lê-se no texto de apresentação do projecto vencedor assinado por Olivier Steimer, presidente do júri, que classifica a ideia dos arquitectos como “fabulosa”. Um único edifício, “maravilhosamente engenhoso”, composto por duas partes, uma dedicada à fotografia e outra ao design e à arte contemporânea. “Cada uma no seu espaço, unidas por uma formidável área de recepção e ponto de encontro, formando uma extensão natural” ao espaço público, lê-se no documento apresentado pelo júri que, no outro extremo de uma grande praça, albergará o também futuro museu Museu do Cantão de Belas-Artes (MCBA).
O projecto, com data prevista de construção para 2017, foi apresentado esta segunda-feira em Lausanne. O valor da obra está estimado em 85 milhões de euros (90 milhões de francos suíços). “É o nosso maior projecto, em termos de valor e de qualidade do programa”, confirmou ao PÚBLICO Francisco Aires Mateus, lembrando que “os programas culturais são bastante interessantes e para nós são particularmente estimulantes”, disse sobre um dos tipos de equipamentos que a dupla portuguesa mais gosta de projectar.
"O projecto é bastante compacto", descreve o arquitecto português, ao telefone a partir de Lausanne, "situa-se ao fundo de uma grande praça urbana com o MCBA ao fundo". A disposição do espaço nesta antiga zona de armazéns ferroviários "gera uma praça muito comprida" e o museu dois-em-um dos Aires Mateus fica num dos extremos, no que até agora é uma espécie de beco, um cul-de-sac. E o edifício único desenhado pelos portugueses vive "entre dois mundos: um museu de fotografia, com menor necessidade de luz e que portanto ficará no nível -1, e o museu de arte contemporânea que ficará no piso 1". No meio há um grande vazio e o tecto e chão do edifício "são desenhados como se de uma topografia se tratasse, não são sempre planos". Essa zona será "um espaço polivalente" que albergará desde lojas a cafetarias, e que ao mesmo tempo "recolhe as pessoas e as distribui para cada um dos museus. A ideia é prolongar para dentro dos dois museus a cidade".
O concurso para a construção destes dois museus abriu no início do ano. Foram recebidas 150 propostas (uma ficou imediatamente pelo caminho por não cumprir todos os requisitos), das quais apenas 21 foram seleccionadas para a fase final. Além dos arquitectos-estrela a concurso, entre os finalistas figurava uma colaboração entre o suíço Local Architecture e o português Camilo Rebelo (um dos autores do Museu do Côa). Os restantes projectos vinham de países de todo o mundo, sendo o país mais representado a Suíça, com seis propostas a concurso. Seis chegaram a uma finalíssima e a escolha dos Aires Mateus para a construção do edifício que será a casa do Musée de l’Elysée e do Mudac é, para as directoras de ambas as instituições, “o primeiro passo para a criação de um complexo museológico de reputação internacional em Lausanne”, lê-se na declaração conjunta de Tatyana Franck, directora do Musée de l’Elysée, e Chantal Prod’Hom, directora do Mudac.
Valorização da arquitectura" made in Portugal
O projecto português integra-se então na segunda fase do futuro pólo museológico da gare de Lausanne, um “antigo território ferroviário, desactivado”, ilustra Francisco Aires Mateus, que integra os dois museus. A primeira fase disse respeito ao MCBA, cujo concurso escolheu o projecto dos catalães Barozzi-Veiga (foram os vencedores do último prémio Prémio Mies van der Rohe) - Fabrizio Barozzi integrou o júri que deu a vitória aos Aires Mateus, e a sua concretização está prevista para 2018. Dois anos depois, prevê-se então a inauguração do Mudac e do Museu de Fotografia da dupla portuguesa.
A articulação entre os projectos dos diferentes museus foi assegurada e planeada, em traços largos, por Barozzi, e foi tida em conta na escolha da proposta de Francisco e Manuel Aires Mateus. Na zona, em que "se andava e não havia uma ligação" com o resto da cidade, como um grande beco, nascerá agora o edifício que quer ser "não só um destino magnético ao fundo da praça, mas também criará escadas e percursos para atingir a cota mais alta da cidade. No fundo, quer ser não só um chamamento da vida urbana para o museu mas também permitir que as pessoas amplifiquem os seus circuitos na cidade", remata Francisco Aires Mateus, poucas horas depois do anúncio da vitória do seu projecto no ambicioso concurso.
O pólo cultural compreende 22.300m2 e tem um custo global estimado, de acordo com a imprensa suíça, de 164 milhões de euros (180 milhões de francos suíços), cujo financiamento será público e privado.
Para o crítico de arquitectura André Tavares, este novo projecto da dupla portuguesa é importante para o posicionamento dos profissionais pela importância das instituições que vão albergar, e não só pela "possibilidade de continuarem a construir, e a construir edifícios relevantes que abrem desafios na sua carreira, mas também por serem edifícios que são públicos - que criam espacialidade e transformam as cidades". Na carreira destes irmãos arquitectos, recorda o especialista, "que há muitos anos ensinam fora e têm audiência internacional, faltava-lhes obra internacional. Esta é mais uma confirmação, que o projecto da sede da EDP trouxe, de que os seus projectos são transponíveis para a escala urbana com mais-valias para a cidade. Foi uma porta extremamente importante para alcançarem estas encomendas" que agora surgem. André Tavares frisa ainda que esta vitória de um concurso internacional "é uma belíssima notícia para os arquitectos em Portugal, para a valorização da arquitectura" made in Portugal.
Os lisboetas Francisco (n. 1964) e Manuel Aires Mateus (n. 1963) formaram um dos mais conceituados ateliers de arquitectura portugueses em 1988, depois de anos de colaboração com Gonçalo Byrne. São autores de obras como a nova sede da EDP na zona ribeirinha de Lisboa, foram por duas vezes finalistas do prémio Mies Van Der Rohe e venceram o primeiro prémio da VIII Bienal Ibero Americana de Arquitectura em 2012. Leccionam na Suíça, em Mendrisio, desde 2001, na Academia di Architectura, e na Universidade Autónoma de Lisboa desde 1998. Têm em curso obras como Centro de Criação Contemporânea Olivier Debré, em Tours (França), cuja obra deve terminar em Fevereiro de 2016, segundo disseram ao PÚBLICO, e acaba de arrancar a obra da nova Faculdade de Arquitectura de Tournai, na Bélgica. "À espera", mas não cancelada, está a construção do Centro Muçulmano de Bordéus, em França. Até 1 de Novembro, e a propósito do seu projecto para o Centro Olivier Debré, encontra-se em Tours uma exposição sobre o trabalho dos irmãos Aires Mateus.
com Cláudia Lima Carvalho