Avós ganham netos de capa e batina

Braga relança programa que permite a estudantes viverem em casas de idosos. Em Coimbra, projecto semelhante não tem parado de crescer.

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Ana Maria Coelho

Paula chegou a casa de Aurora há duas semanas. Depois de ultrapassada a “estranheza” dos primeiros dias, as duas já se dão como se fizessem parte da mesma família há muito tempo. “Acho que ela me dá mais beijinhos que os meus filhos e os meus netos. Nunca vai para a cama sem me dar um beijo de boa noite”, conta esta idosa bracarense. Está viúva há 19 anos e começava a sentir-se cada vez mais sozinha, sobretudo nas “noites tristes” como as que se avizinham no Inverno. Por isso, candidatou-se ao programa Avospedagem para passar a ter uma companhia em casa.

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Paula chegou a casa de Aurora há duas semanas. Depois de ultrapassada a “estranheza” dos primeiros dias, as duas já se dão como se fizessem parte da mesma família há muito tempo. “Acho que ela me dá mais beijinhos que os meus filhos e os meus netos. Nunca vai para a cama sem me dar um beijo de boa noite”, conta esta idosa bracarense. Está viúva há 19 anos e começava a sentir-se cada vez mais sozinha, sobretudo nas “noites tristes” como as que se avizinham no Inverno. Por isso, candidatou-se ao programa Avospedagem para passar a ter uma companhia em casa.

Já ganhou os beijinhos da nova inquilina e também elogios à sua “sopinha” de legumes. Paula Fong é estudante de Português e Espanhol na Universidade Católica de Braga. Este será o segundo ano em que vai ficar em casa de um idoso ao abrigo do Avospedagem  – a pessoa que a recebeu no ano passado passou a acolher uma neta e teve que abandonar o programa – e diz que a experiência tem sido “fantástica”.

Quando chegou a Portugal para estudar, no ano passado, Paula passou os primeiros seis meses em Lisboa a aprender a língua. Vivia então com outros jovens, alguns dos quais estudantes e outros trabalhadores. “Nunca” havia tempo “para conversar” com os colegas de apartamento, recorda. Agora, não passa um dia sem o ritual de se sentar à mesa com a idosa que a recebe em casa e conversar sobre o seu dia na universidade ou algum problema que a aflija. “Parece que os idosos têm mais paciência do que os jovens portugueses”, avalia. A estudante também valoriza o facto de poder aprender Português em casa e melhorar o uso de uma língua que vai ensinar nas escolas de Macau, quando acabar a sua formação em Braga.

O Avospedagem foi lançado em 2010 pela IPSS Fundo Social, em parceria com a Câmara de Braga, e relançado no final do mês passado, com uma campanha de comunicação e de sensibilização junto de paróquias e juntas de freguesia, com o objectivo de tentar combater algumas desconfiança que persiste entre algumas pessoas e assim contraria o défice de idosos interessados. O programa está aberto a qualquer aluno que seja originário de fora de Braga, mas que esteja na cidade a estudar na Universidade do Minho, na Universidade Católica ou numa escola secundário ou profissional.

O projecto de Braga não é, porém, caso único em Portugal. A Associação Académica de Coimbra (AAC) foi a primeira a lançar um programa deste género, que surgiu inicialmente para “responder a uma lacuna na oferta de alojamento para a comunidade estudantil”, explica o vice-presidente José Dias. Os estudantes com maiores dificuldades económicas tinham dificuldades em encontrar uma casa em Coimbra a preços que pudessem pagar, pelo que era necessário encontrar uma solução mais acessível. Na mesma altura, a IPSS Centro de Acolhimento João Paulo II estava a desenvolver um projecto de combate à solidão dos idosos conimbricenses e as duas necessidades acabaram por combinar-se.

Desde 2008, a iniciativa não tem parado de crescer. No primeiro ano foram menos de dez os participantes e, este ano, há 30 estudantes inscritos. Ao todo, cerca de 100 idosos e outros tantos alunos fizeram parte do Lado a Lado nestes oito anos. A oferta por parte dos idosos tem sido sempre superior à procura dos estudantes, um desequilíbrio que é ainda mais acentuado pelo facto de a AAC colocar “critérios muito rigorosos” na selecção dos alunos que podem ir viver com os idosos. Em primeiro lugar são privilegiados estudantes com carências económicas e, depois, é feita uma triagem dos candidatos, de maneira a escolher aqueles com o perfil ideal para o programa.

No caso de Coimbra, o programa Lado a lado tem a particularidade de não implicar qualquer tipo de custo para os estudantes. Em Braga, os alunos participantes pagam 20 euros por mês para comparticipar nas despesas de casa. Em ambos os casos há ainda o compromisso dos jovens de passarem tempo diariamente com os seus cicerones e ajudá-los em pequenas tarefas domésticas ou questões burocráticas. Para os “avós”, é como ganhar um novo “neto” de capa e batina – ou de tricórnio e bermudas, se o traje académico for o da Universidade do Minho.

No Porto, sobram estudantes e faltam idosos
Com cerca de 22 “integrações” já estabelecidas para este ano, o que os responsáveis pelo programa Aconchego, no Porto, gostariam de ter era mais idosos a aderir à iniciativa. “Temos lista de espera de estudantes e uma maior dificuldade em encontrar idosos, porque eles têm uma maior resistência em receber um estudante em casa que não conhecem”, explica ao PUBLICO Raquel Castello-Branco, administradora da Fundação Porto Social, que gere o programa.

O Aconchego nasceu em 2004, fruto de uma colaboração da fundação da Câmara do Porto, que está fase de extinção, e da Federação Académica do Porto (FAP). O conceito era simples: colocar estudantes do ensino superior a viver, gratuitamente, em casa de idosos. Os primeiros tinham a vantagem de um alojamento sem custos e os segundos da companhia de alguém mais jovem. O combate à solidão foi um dos motores essenciais do programa que, há cinco anos, foi mesmo premiado pela Comissão Europeia, pela integração que promovia.

Raquel Castello-Branco recorda que o primeiro ano de actividade do Aconchego não teve mais de “quatro ou cinco” participantes, mas que o número cresceu desde então. “Temos vindo a aumentar o número de participantes, quer a nível de estudantes, quer de idosos”, diz.

Enquanto a fundação selecciona os idosos, a FAP escolhe os estudantes e depois há um trabalho de conciliação entre uns e outros que é feito pelos técnicos da autarquia. As condições da casa são avaliadas – é necessário que o estudante tenha um quarto só para si, por exemplo – e ao longo do ano há um acompanhamento feito pelos técnicos municipais, para ver como está a correr o processo.

Se tudo correr bem, a partilha de casa prolonga-se pelos três anos do curso do estudante e Raquel Castello-Branco garante que, salvo raras excepções, é mesmo isso que tem acontecido. “Infelizmente, já aconteceu termos idosos no programa que tiveram necessidade de ser hospitalizados e, nesses casos, tivemos que encontrar outro sítio para o aluno. E também já aconteceu o aluno sair da cidade, mas em geral, ficam no Aconchego durante o ciclo de três anos. Por isso, este ano, há sete ou oito que já continuam de anos anteriores e temos mesmo uma idosa que está connosco desde o início do programa e que já recebeu vários estudantes”, diz.

As inscrições para o Aconchego estão abertas todo o ano e o único custo imputado ao estudante (“mas que muitas vezes os idosos nem querem”, diz a administradora) é comparticiparem até 25 euros mensais com géneros para a casa. Os primeiros idosos a integrar o programa foram da zona histórica, mas Castello-Branco diz que, neste momento, “há casas em todas as freguesias”.

Com a extinção definitiva da fundação, o Aconchego deverá transitar directamente para a Câmara do Porto, nos mesmos moldes. “O nosso objectivo é continuar a sinalizar casos e a conseguir termos mais idosos a participar”, diz a responsável.