Rajoy perdeu, Mas não ganhou e o Cidadãos afirma-se como alternativa
As eleições-plebiscito permitem duas leituras conforme se olhe o número de deputados ou de votos. A independência não pode assentar num voto minoritário
Sendo formalmente umas eleições legislativas autonómicas, foram transformadas num “plebiscito” sobre a independência, o que permite a dupla leitura dos resultados. Se olharmos o número de deputados, o conjunto das duas formações independentistas venceu com maioria absoluta, somando 72 mandatos (em 135 deputados). Se as lermos em termos de “plebiscito” sobre a secessão, o desfecho indica um desaire de Mas e dos separatistas, cujo total de votos, 47,7%, ficou abaixo dos sufrágios anti-independência que somaram 50,6.
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Sendo formalmente umas eleições legislativas autonómicas, foram transformadas num “plebiscito” sobre a independência, o que permite a dupla leitura dos resultados. Se olharmos o número de deputados, o conjunto das duas formações independentistas venceu com maioria absoluta, somando 72 mandatos (em 135 deputados). Se as lermos em termos de “plebiscito” sobre a secessão, o desfecho indica um desaire de Mas e dos separatistas, cujo total de votos, 47,7%, ficou abaixo dos sufrágios anti-independência que somaram 50,6.
A leitura em termos plebiscitários foi imposta por Mas e pela aliança Juntos pelo Sim. “Estas eleições serão lidas como um plebiscito”, reafirmou Mas no próprio dia do voto. Também António Baños, cabeça de lista da Candidatura de Unidade Popular (CUP, independentista e anticapitalista), acrescentou que eram necessários “pelo menos 50%, porque estas eleições são um plebiscito”.
O carácter plebiscitário das eleições visava legitimar a aceleração do processo de independência e tornar possível lançá-lo com uma maioria parlamentar tangencial e até com menos votos do que os dos anti-independentistas. A Convergência, de Artur Mas, a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), de Oriol Junqueras, e associações nacionalistas, como a Assembleia Nacional Catalã e a Òmnium Cultural, formaram a aliança Juntos pelo Sim. Segundo o “roteiro” de Mas e Junqueras, se obtivessem a maioria absoluta (68 mandatos), o parlament de Barcelona aprovaria dentro de seis meses uma Declaração Unilateral de Independência (DUI), começaria a construção das futuras instituições estatais, elaboraria uma Constituição e completaria a secessão através de um referendo no prazo de 18 meses.
A derrota em número de votos põe em causa a legitimidade deste “processo” de independência.
A derrota de Mas
O presidente catalão perde em várias frentes. Em primeiro lugar, a Convergência e a ERC somavam 72 mandatos no anterior parlamento. Agora somam apenas 62, o que os torna dependentes da CUP, uma formação nacionalista e anticapitalista que passou de 3 para 10 deputados e que não parece querer ir a reboque de Mas.
A CUP contesta o nome de Mas para presidir ao próximo governo — tal como de qualquer figura ligada à “política de austeridade ou à corrupção” — e contesta o calendário político do presidente: “Não podemos fazer a DUI porque não ganhámos o plebiscito.” É preciso vencer em mandatos e votos. O seu cabeça de lista, Antonio Baños, reafirmou que “o independentismo na Catalunha é a opção maioritária e o caminho a seguir”, apelando à desobediência às leis espanholas “em colisão com a soberania popular catalã”.
Explicou há dias o nacionalista Josep Ramoneda: “O bloco independentista deve ter consciência da relação de forças. Deve saber que não dispõe de suficiente capacidade legal e de coerção para impor uma ruptura unilateral. Deverá pensar em ganhar apoios porque a sua força consiste em alcançar uma maioria indiscutível. Neste caminho, o referendo é a aposta mais adesão gera na sociedade catalã.”
Artur Mas apostava ontem numa fuga para a frente, prometendo uma rápida aprovação da DUI. Mas começará por ser complicada a constituição do governo. Está refém do radicalismo da CUP. A ingovernabilidade ameaça a Catalunha. Alguns prevêem que a pressão nacionalista na rua regresse em força, sob impulso da ANC.
Contados os votos, “há vencedores e vencidos”, observava ontem o escritor Jorge Reverte. “E, sobretudo, há legitimidades e legitimidades que não desapareceram. Legitimidades e sensibilidades. Temos um conflito na Catalunha para muito tempo.”
Enric Juliana, director adjunto do La Vanguardia, de Barcelona, interpreta as eleições como uma desaire de Mas e uma manifestação de força do soberanismo catalão que, no entanto, ainda não tem “massa crítica suficiente” para fazer a DUI. “A grande maioria desta sociedade quer mudanças em relação ao poder central, sem apostar tudo numa ruptura imediata. O Governo de Espanha tem um problema.”
A alternativa Cidadãos
Nada será como dantes, assinalam analistas. O velho sistema político catalão está a desmoronar-se. A maciça afluência às urnas é uma das grandes novidades, significando o novo empenhamento dos eleitores nascidos fora da Catalunha e que agora exigem ter uma palavra a dizer. A dinâmica política na Catalunha está a mudar.
A estratégia de Rajoy, a pensar nas eleições legislativas e no voto “espanhol”, assegurando o papel de guardião da unidade nacional, sofreu um colapso. O Partido Popular caiu a pique (desceu de 19 para 11 lugares). Quem hegemonizou a mobilização anti-nacionalista não foi o PP. Foi o partido Cidadãos, de Albert Rivera, que passa a ser a segunda força no parlament com 25 deputados. Sublinha Juliana: “Defendem a unidade de Espanha e reformas liberais. Ganhou mais do dobro do número de mandatos do PP numas eleições cruciais. Para muitos espanhóis, o defensor mais moderno da unidade de Espanha é este jovem partido. (...) É uma má notícia para Rajoy. Muito má.” O presidente do Governo falou ontem aos espanhóis mas nada disse de novo. Pablo Casado, porta-voz do PP, não foi mais brilhante: “Evidentemente, na Catalunha tudo continua na mesma.”
O 27-S não é o fim da partida. Marca a entrada na campanha eleitoral espanhola. Os seus efeitos são ainda desconhecidos. Dez presidentes regionais apelaram ontem à abertura do diálogo entre Madrid e Barcelona. Todos os olhares se voltam para as legislativas, depois das quais será inevitável reabrir o debate constitucional.