Isto vai a penáltis

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Nem mão na bola nem bola na mão, isto continua a jogar-se muito mal e com os pés. A primeira mão do clássico do “centrão” foi um jogo viril, com ocasionais momentos de violência, mas é notório que o “jogo jogado” continua muito mastigado ali no miolo.

Esta semana, a coligação PàF surpreendeu ao entrar em campo com uma estratégia nova — aliás não assumida no briefing habitual com a imprensa — de “falsa social-democracia + falsa democracia-cristã”. Mas foi evidente no relvado que Passos Coelho lançava no ataque um ponta-de-lança supostamente especialista no “combate às desigualdades”. Isto depois de quatro épocas de tácticas neoliberais a apostar em cortes na educação, nas pensões e na saúde, substituídas pela entrega da bola aos grupos privados e superprivatizações dados a preço zero aos maiores clubes internacionais, com resultados muito discutíveis para as tesourarias. Além disso, os espectadores assistiram a uma verdadeira sangria no plantel dos jovens com talento formados nas academias portuguesas, que foram “chutados” a tentar a sua sorte em campeonatos lá fora, mais competitivos.

Não contente com o espectáculo, o mister da Pàf e os adjuntos Paulo Portas e Maria Luís (fizeram as pazes depois da chicotada psicológica de Vítor Gaspar, que foi treinar os americanos do FMI) reforçaram a táctica do “autocarro em frente da baliza”, a par de aumentos brutais no preço dos bilhetes. O resultado foram duras entradas de carrinho e pés em riste sobre os portugueses, não sancionadas pelo árbitro Aníbal Cavaco Silva, de Boliqueime, que não viu os lances ou fez que não viu.

O jogo arrastou-se pelo lado esquerdo e só animou depois de saltar do banco José Sócrates (n.º 44 em Évora e 33 em Lisboa). Não sendo titular absoluto de Passos Coelho, este falso líbero apareceu mais magro e com pitons novos nas chuteiras Prada, mas logo escorregou ao pisar pepperoni e extraqueijo. A substituição também falhou porque António Costa conseguiu anular momentaneamente um adversário que tão bem conhece (jogaram juntos no Rato) isolando-o à entrada da área. Passos Coelho enviou Sócrates mais cedo para o balneário, decisão que não agradou ao irascível atleta, que pontapeou o banco dos suplentes e até pôs uma fotografia no Twitter numa pândega com o retirado José Lello, antiga glória do jogo sarrafeiro. Mas é provável que Sócrates volte para disputar a segunda mão, pelo menos continua na lista dos pré-convocados das eleições.

A segunda parte foi bastante diferente, um filme com outras cores e com várias oportunidades para ambos os lados. Logo nos primeiros minutos, Passos Coelho ameaçou com o inesperado regresso da “bancarrota do PS” e lançou-se numa “alteração à lei do aborto”, jogada cometida em claro fora-de-jogo ideológico, mas que o juiz algarvio, mais uma vez, não castigou. Em campo entraram então, num decalque habitual da ficha de jogo, os avançados de esquerda Jerónimo de Sousa (do Atlético PCP) e Catarina Martins (do Bloco de Esquerda Vitória Clube) que somaram minutos de grande entrega contra a PàF. Até que, a meio do segundo tempo, se viraram desta vez contra o PS, tentando encostá-lo ao último reduto contrário. Costa tentou chutar para canto, mas os jogadores à sua esquerda lutaram como bravos contra a alternância no “centrão de direita” e a bipolarização do desporto-rei.

Ao minuto 64 entrou em campo uma mulher nua e grávida, de cara bonita e uma bandeira da Agir, obrigando à interrupção temporária da partida, para divertimento dos espectadores.

Depois, a surpresa Tsipras, mais um grego que dá cartas nos campeonatos europeus por ser ao mesmo tempo avançado, médio, defesa, extremo, lateral-esquerdo, lateral-direito, guarda-redes, árbitro, espectador e vendedor de queijadas de Sintra, sem nunca abandonar as quatro linhas.

O momento crucial da partida veio logo a seguir. Ferido por um vendaval de cartões amarelos das sondagens, que lhe enfraqueceram as defesas, António Costa arranjou forças para reagir à investida do adversário. Passos Coelho, de repente, já não tinha pernas para o défice real de 2014, (trocou o número 2,7 pelo 7,2%, um “mero reporte contabilístico”) e, ao cair do pano, Costa apontou a “armada” de submarinos alemães (as mais caras contratações de sempre no campeonato) para mandar a privatização do BES ao fundo. Com isto, o “olheiro” Paulo Portas, tão atrevido até então, sempre à espera do erro do adversário, encolheu-se um pouco nas covas.

Em resumo, um clássico incaracterístico e muito mal jogado, com os dois adversários alheados da partida e a meter autogolos caricatos. Por exemplo, o minuto em que se perderam mil milhões de euros em “condições de recurso” na Segurança Social (uma “rosca” de António Costa) e o instante em que Passos Coelho rompeu o menisco ao confundir pagamentos de dívida antigos com pagamentos antecipados ao FMI. Momentos indignos até para a Divisão de Honra ou para um jogo solteiros-casados. Mas esta é a I Liga que temos.

Como dizia o mestre Dinis Machado*: “O futebol tem uma grande vocação dos movimentos imprevisíveis, dos lances incomuns e da escolha do acaso que o retiram, inexoravelmente, do universo da lógica.”

Já a política tem a vocação dos movimentos estafados, dos lances do costume e da escolha das demagogias que a retiram, inexoravelmente, do universo da lógica, da verdade e do bom senso.

A bola é redonda, a política quadrada.

Numa coisa são iguais, mestre Dinis: a mortalidade.

Quanto ao futuro campeão e patrão da equipa de Portugal, só a final do próximo domingo tirará as dúvidas. Passos? Costa? Não, o mister de sempre: Angela Merkel.

* A Liberdade do Drible, Crónicas de Futebol (Quetzal, 2015)