No seu 70.º aniversário, ONU lança roteiro para o mundo perfeito
Cimeira das Nações Unidas vai aprovar uma agenda com 17 objectivos e 169 metas de desenvolvimento sustentável até 2030.
É este o mundo idílico que as Nações Unidas aspiram atingir dentro de apenas 15 anos. Está tudo numa ambiciosa agenda para o planeta até 2030, que será adoptada numa cimeira mundial que começa esta sexta-feira em Nova Iorque e que coincide com o 70º aniversário das Nações Unidas. É uma nova e ampla lista de intenções rumo ao desenvolvimento sustentável. Mas há muitos obstáculos para que esta cartilha seja cumprida.
Os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável vão substituir os oito Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, adoptados em 2000 e que expiram este ano, com resultados mistos. Houve inegáveis avanços. A parcela da população mundial que vive com menos de 1,25 dólares (1,11 euros) por dia caiu de 47% para 14%, segundo um balanço feito este ano pela ONU. Nos países em desenvolvimento, a subnutrição diminuiu de 23% para 13%, o número de crianças na escola primária subiu de 83% para 91%, e a população que vive em bairros de lata reduziu-se de 39% para 30%.
Mesmo assim, hoje o mundo ainda tem 800 milhões de pessoas em pobreza extrema, 160 milhões de crianças que passam fome, milhões de mulheres que são discriminadas e quatro vezes mais refugiados do que há apenas cinco anos.
Os novos objectivos da ONU não procuram apenas emendar o que ainda não foi resolvido – como a fome e a pobreza. Vão mais além e tocam em mais domínios da actividade humana e de uma forma mais detalhada. O resultado é um roteiro pós-2015 com 17 objectivos e 169 metas, que vão das energias renováveis às mortes nas estradas, do trabalho infantil à regulação da banca, dos desastres naturais aos subsídios à pesca.
“É ambicioso, quase beirando a utopia, mas realizável”, afirma Pedro Krupenski, presidente da Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento. “Nunca a agenda do combate à pobreza esteve tão ligada às boas práticas de desenvolvimento sustentável. Esta é a grande novidade”, avalia.
A nova agenda é diferente da anterior noutro aspecto: agora o foco são todos os países, quando antes a atenção estava voltada sobretudo para a melhoria das condições de vida nas nações mais pobres. Temas como a desigualdade de rendimentos, a protecção dos ecossistemas ou a adaptação às alterações climáticas aplicam-se também ao mundo industrializado. Garantir padrões sustentáveis de produção e consumo também. “É um dos grandes desafios para os países desenvolvidos: conseguir produzir com menos recursos”, afirma o secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, que vai intervir, domingo, numa das sessões da conferência das Nações Unidas.
Os novos objectivos da ONU são mais um ponto num processo com quatro décadas, desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em 1972, em Estocolmo. O conceito do desenvolvimento sustentável ganhou força na Cimeira da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro. Mas duas avaliações realizadas dez e vinte depois concluíram que ainda havia muito a fazer. Foi na segunda avaliação, em 2012, também no Rio de Janeiro, que se lançou formalmente a ideia dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável para o pós-2015.
Em três anos, chegou-se a um consenso, o que contrasta com as negociações para um novo tratado internacional para as alterações climáticas, que se arrastam há uma década. A explicação está sobretudo no formato daquilo que será adoptado: uma declaração política, que não obriga os países a cumprir as metas. Esta é uma das fraquezas da iniciativa, segundo Pedro Krupenski. “Falta um elemento mais vinculativo. Deveria ser eventualmente um tratado internacional”, explica. “A verificação vai ficar um bocado ao critério dos mecanismos da sociedade civil”.
O ex-secretário de Estado do Ambiente Carlos Pimenta, que tem acompanhado a questão do desenvolvimento sustentável desde Estocolmo, aponta outro problema. “As instituições que gerem os global commons [bens globais comuns] estão muito enfraquecidas. Nunca foi tão grande a destruição das florestas ou a degradação dos oceanos”, afirma. “Estou pessimista ao nível da governança global”, completa.
Portugal foi um dos países que se bateu pela inclusão dos bens comuns globais na primeira linha da agenda do desenvolvimento pós-2015. “Termos um objectivo específico para os oceanos foi uma grande conquista”, diz Ana Paula Laborinho, presidente do Camões-Instituto da Cooperação e da Língua – que coordenou a participação portuguesa nas negociações.
Outro grande obstáculo está no facto de muitas das 169 metas serem de difícil monitorização. Um grupo de trabalho da ONU identificou um conjunto de quase 300 indicadores para todas elas. Mas concluiu que apenas 50 (17%) são de facto viáveis neste momento.
A maior parte das metas, na verdade, não tem valores precisos a cumprir. Muitas apontam, por exemplo, para a redução ou aumento “substancial” de determinados parâmetros até 2030, sem dizer quanto.
Mesmo assim, acredita-se que os novos objectivos terão um efeito positivo, tal como os seus antecessores. “Com os Objectivos do Milénio chegaram-se a patamares que de outra forma não teriam sido atingidos”, interpreta Ana Paula Laborinho.
Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU, espera que esta cimeira crie uma atmosfera que ajude a desatar o nó para a adopção de um novo tratado climático no final do ano em Paris. “Este pacote dá mais margem para as Nações Unidas terem mais força nas negociações climáticas”, avalia Francisco Ferreira, da associação ambientalista Quercus.
A questão do clima possivelmente estará na intervenção que o Papa Francisco, em visita aos Estados Unidos, fará nas Nações Unidas, esta sexta-feira, antes do início da cimeira.
A reunião de Nova Iorque, a conferência de Paris e outra sobre o financiamento ao desenvolvimento, realizada em Agosto em Adis Abeba, fazem de 2015 um ano fulcral para o lançamento de um roteiro até 2030 fortemente centrado na sustentabilidade. “Cada vez mais sabemos que de nada vale erradicar a pobreza se não tivermos mais planeta”, resume Ana Paula Laborinho.
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É este o mundo idílico que as Nações Unidas aspiram atingir dentro de apenas 15 anos. Está tudo numa ambiciosa agenda para o planeta até 2030, que será adoptada numa cimeira mundial que começa esta sexta-feira em Nova Iorque e que coincide com o 70º aniversário das Nações Unidas. É uma nova e ampla lista de intenções rumo ao desenvolvimento sustentável. Mas há muitos obstáculos para que esta cartilha seja cumprida.
Os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável vão substituir os oito Objectivos do Desenvolvimento do Milénio, adoptados em 2000 e que expiram este ano, com resultados mistos. Houve inegáveis avanços. A parcela da população mundial que vive com menos de 1,25 dólares (1,11 euros) por dia caiu de 47% para 14%, segundo um balanço feito este ano pela ONU. Nos países em desenvolvimento, a subnutrição diminuiu de 23% para 13%, o número de crianças na escola primária subiu de 83% para 91%, e a população que vive em bairros de lata reduziu-se de 39% para 30%.
Mesmo assim, hoje o mundo ainda tem 800 milhões de pessoas em pobreza extrema, 160 milhões de crianças que passam fome, milhões de mulheres que são discriminadas e quatro vezes mais refugiados do que há apenas cinco anos.
Os novos objectivos da ONU não procuram apenas emendar o que ainda não foi resolvido – como a fome e a pobreza. Vão mais além e tocam em mais domínios da actividade humana e de uma forma mais detalhada. O resultado é um roteiro pós-2015 com 17 objectivos e 169 metas, que vão das energias renováveis às mortes nas estradas, do trabalho infantil à regulação da banca, dos desastres naturais aos subsídios à pesca.
“É ambicioso, quase beirando a utopia, mas realizável”, afirma Pedro Krupenski, presidente da Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento. “Nunca a agenda do combate à pobreza esteve tão ligada às boas práticas de desenvolvimento sustentável. Esta é a grande novidade”, avalia.
A nova agenda é diferente da anterior noutro aspecto: agora o foco são todos os países, quando antes a atenção estava voltada sobretudo para a melhoria das condições de vida nas nações mais pobres. Temas como a desigualdade de rendimentos, a protecção dos ecossistemas ou a adaptação às alterações climáticas aplicam-se também ao mundo industrializado. Garantir padrões sustentáveis de produção e consumo também. “É um dos grandes desafios para os países desenvolvidos: conseguir produzir com menos recursos”, afirma o secretário de Estado do Ambiente, Paulo Lemos, que vai intervir, domingo, numa das sessões da conferência das Nações Unidas.
Os novos objectivos da ONU são mais um ponto num processo com quatro décadas, desde a Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em 1972, em Estocolmo. O conceito do desenvolvimento sustentável ganhou força na Cimeira da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro. Mas duas avaliações realizadas dez e vinte depois concluíram que ainda havia muito a fazer. Foi na segunda avaliação, em 2012, também no Rio de Janeiro, que se lançou formalmente a ideia dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável para o pós-2015.
Em três anos, chegou-se a um consenso, o que contrasta com as negociações para um novo tratado internacional para as alterações climáticas, que se arrastam há uma década. A explicação está sobretudo no formato daquilo que será adoptado: uma declaração política, que não obriga os países a cumprir as metas. Esta é uma das fraquezas da iniciativa, segundo Pedro Krupenski. “Falta um elemento mais vinculativo. Deveria ser eventualmente um tratado internacional”, explica. “A verificação vai ficar um bocado ao critério dos mecanismos da sociedade civil”.
O ex-secretário de Estado do Ambiente Carlos Pimenta, que tem acompanhado a questão do desenvolvimento sustentável desde Estocolmo, aponta outro problema. “As instituições que gerem os global commons [bens globais comuns] estão muito enfraquecidas. Nunca foi tão grande a destruição das florestas ou a degradação dos oceanos”, afirma. “Estou pessimista ao nível da governança global”, completa.
Portugal foi um dos países que se bateu pela inclusão dos bens comuns globais na primeira linha da agenda do desenvolvimento pós-2015. “Termos um objectivo específico para os oceanos foi uma grande conquista”, diz Ana Paula Laborinho, presidente do Camões-Instituto da Cooperação e da Língua – que coordenou a participação portuguesa nas negociações.
Outro grande obstáculo está no facto de muitas das 169 metas serem de difícil monitorização. Um grupo de trabalho da ONU identificou um conjunto de quase 300 indicadores para todas elas. Mas concluiu que apenas 50 (17%) são de facto viáveis neste momento.
A maior parte das metas, na verdade, não tem valores precisos a cumprir. Muitas apontam, por exemplo, para a redução ou aumento “substancial” de determinados parâmetros até 2030, sem dizer quanto.
Mesmo assim, acredita-se que os novos objectivos terão um efeito positivo, tal como os seus antecessores. “Com os Objectivos do Milénio chegaram-se a patamares que de outra forma não teriam sido atingidos”, interpreta Ana Paula Laborinho.
Ban Ki-moon, o secretário-geral da ONU, espera que esta cimeira crie uma atmosfera que ajude a desatar o nó para a adopção de um novo tratado climático no final do ano em Paris. “Este pacote dá mais margem para as Nações Unidas terem mais força nas negociações climáticas”, avalia Francisco Ferreira, da associação ambientalista Quercus.
A questão do clima possivelmente estará na intervenção que o Papa Francisco, em visita aos Estados Unidos, fará nas Nações Unidas, esta sexta-feira, antes do início da cimeira.
A reunião de Nova Iorque, a conferência de Paris e outra sobre o financiamento ao desenvolvimento, realizada em Agosto em Adis Abeba, fazem de 2015 um ano fulcral para o lançamento de um roteiro até 2030 fortemente centrado na sustentabilidade. “Cada vez mais sabemos que de nada vale erradicar a pobreza se não tivermos mais planeta”, resume Ana Paula Laborinho.