Portugueses nunca tiveram tanto dinheiro em depósitos à ordem

Poupanças aplicadas nos Certificados do Estado, onde as taxas são mais altas, aumentam mas estão longe dos 36 mil milhões depositados pelos particulares nas contas à ordem. Depósitos valem 60% dos activos da banca.

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O valor das contas à ordem, onde a movimentação de depósitos pode ser feita a qualquer altura, cresceu 10% em Julho em termos homólogos Pedro Cunha/Arquivo

De Junho para Julho, houve um reforço de quase dois mil milhões de euros (1921 milhões) nos depósitos à vista, em linha com o aumento registado no período homólogo. Os 36.051 milhões de euros em depósitos à vista são o valor mais alto em 26 anos (desde 1989, o primeiro ano em que o BdP tem registo destes dados).

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De Junho para Julho, houve um reforço de quase dois mil milhões de euros (1921 milhões) nos depósitos à vista, em linha com o aumento registado no período homólogo. Os 36.051 milhões de euros em depósitos à vista são o valor mais alto em 26 anos (desde 1989, o primeiro ano em que o BdP tem registo destes dados).

Apesar de os portugueses estarem a canalizar dinheiro para os produtos de poupança do Estado a um ritmo mais acelerado, o valor ainda é baixo face ao montante associado aos depósitos à vista, que permitem a movimentações do dinheiro  em qualquer altura. Entre Certificados de Aforro e Certificados do Tesouro, em Julho estavam aplicados nestes instrumentos de poupança 19.770 milhões. Este valor é pouco mais de metade do montante dos depósitos à ordem e quase sete vezes menos do que o valor dos depósitos totais dos particulares, que ascendem a 137.836 milhões.

Embora a larga maioria dos clientes bancários continue a canalizar poupanças para os depósitos a prazo, as contas de depósito à vista têm registado crescimentos muito superiores nos últimos meses. A taxa anual de crescimento dos depósitos a prazo, de 3,1%, compara com os 10,8% da modalidade à ordem.

Ao mesmo tempo, as poupanças aplicadas pelos portugueses nos certificados do Estado têm vindo a crescer, e a preferência vai claramente para os Certificados do Tesouro Poupança Mais (CTPM), que apresentam uma taxa de juro incomparavelmente mais alta que a média dos depósitos a prazo. Ainda assim, o valor aplicado nos produtos do Estado não tem comparação com os 36 mil milhões de euros “estacionados” em Julho nas contas à ordem dos portugueses, boa parte com remuneração zero, ou muito perto disso.

Juros baixos ajudam
Os dados do BdP - neste caso, relativos já a Agosto - revelam que os portugueses aplicaram 169 milhões de euros no último mês, mais 11,1% que os 152 milhões de euros de Julho. A clara preferência nas aplicações confiadas ao Estado vai para os CTPM, em detrimento dos tradicionais Certificados de Aforro (CA), que que apenas captaram cinco milhões de euros de novas entradas de dinheiro.

A diferença entre a atractividade dos dois produtos é explicada pelas taxas de remuneração oferecidas. Os CTPM oferecem uma taxa de juro mais elevada, que se situa, em média, em 2,25%, para uma aplicação a cinco anos. A taxa dos CA, que está associada à evolução da Euribor a três meses, actualmente em terreno negativo, está em 0,971% brutos.

Apesar do corte na remuneração dos produtos do Estado, decidida no início do ano, a remuneração destes produtos, especialmente dos CTPM, está acima dos depósitos. A média dos depósitos bancários a 12 meses, para um montante de cinco mil euros, fica-se pelos 0,3% líquidos.

A diferença de rentabilidades torna mais difícil de explicar o montante elevado de depósitos a prazo, e muito mais ainda o montante aplicado nas contas à ordem, boa parte dele sem qualquer remuneração. A média dos depósitos à ordem situava-se em 0,04% em Julho, mas muitas instituições só pagam alguns juros a partir de certo montante. Isto significa que boa parte desse dinheiro representa um empréstimo dos particulares aos bancos a taxa zero. Mas, afinal, o que explica um montante tão elevado de dinheiro depositado à ordem? “Como as taxas estão muito baixas, parece haver uma menor apetência por parte dos particulares para colocar o dinheiro nos depósitos a prazo”, enquadra Teresa Gil Pinheiro, do departamento de estudos económicos e financeiros do BPI.

António Ribeiro, economista da Deco Proteste, não tem dúvidas de que “são as baixas taxas de juro dos depósitos a prazo, mas também muita inércia e falta de informação”. Perante juros tão baixos nos depósitos a prazo “é natural que muitas pessoas não se sintam motivadas para aplicar o dinheiro a prazo”, sustenta António Ribeiro, que considera esta decisão prejudicial por duas razões: o facto de, embora actualmente em valor ser muito baixo, a inflação ser positiva e, portanto, “roubar” valor aos depósitos; e o facto de o dinheiro estar disponível, sendo mais fácil de usar. Além da inércia que caracteriza a relação dos portugueses com o sector bancário, e que é visível na fraca predisposição para comparar ofertas para procurar melhores alternativas, o economista da Deco Proteste também destaca a falta de informação sobre aplicações mais atractivas, como são os produtos do Estado e campanhas promocionais para captar novos clientes ou novos depósitos, que oferecem taxas de remuneração muito superiores.

Numa análise recente publicada pelo BPI, Teresa Gil Pinheiro lembrava que os depósitos continuam a ser a principal fonte de financiamento da banca portuguesa, “representando cerca de 60% dos activos totais”. Os depósitos dos particulares, notava a economista, representam cerca de metade dos depósitos totais em Portugal, bem acima da média da zona euro onde o valor é de apenas 38%.