Quantos pensamentos cabem na cabeça de um homem?
Por muito que não se concorde com ele – ou por muito que nos assustemos com as ideologias de extrema-esquerda -, Žižek é um prato. Quem não o conhece, mal sabe o que perde.
Nem o escritor mais genial de todos poderia ter inventado uma personagem como Žižek. Ligeiramente estrábico, extremamente cicioso, dono de um inglês macarrónico, um cálice que anda aos tropeções transbordando sabedoria. Por muito que não se concorde com ele – ou por muito que nos assustemos com as ideologias de extrema-esquerda -, Žižek é um prato. Quem não o conhece, mal sabe o que perde.
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Nem o escritor mais genial de todos poderia ter inventado uma personagem como Žižek. Ligeiramente estrábico, extremamente cicioso, dono de um inglês macarrónico, um cálice que anda aos tropeções transbordando sabedoria. Por muito que não se concorde com ele – ou por muito que nos assustemos com as ideologias de extrema-esquerda -, Žižek é um prato. Quem não o conhece, mal sabe o que perde.
Nos meus saudosos tempos de faculdade, as melhores aulas eram aquelas em que um novo autor era introduzido à turma. No centro daquelas paredes, e muito graças ao saber dos professores Fernando Ilharco e Rogério Santos, descobri nomes brilhantes e plenos de ideias incríveis, entre os quais se contavam Canetti, Baudrillard, Husserl, McLuhan, entre muitos outros – enfim, tudo gente fascinante que o grande público, por mera infelicidade, desconhece. Depois de sair da universidade, esta curiosidade não me abandonou e o vício nos livros fez-me esbarrar em mais pessoas deste calibre que, de outro modo, nunca poderia encontrar.
Todavia, não me recordo ao certo do dia em que descobri Žižek. Deve ter sido um desses passeios por livrarias, uma curiosidade qualquer por um título provocador (terá sido A Monstruosidade de Cristo?, juro que não me lembro) e o livro comprou-se e leu-se em menos de nada. Depois disso, foi reunir-lhe a obra na biblioteca cá de casa e sorver-lhe as ideias como se não houvesse amanhã. Depois dos livros, os documentários – os que foram lançados em co-autoria, The Pervert’s Guide to Ideology e The Pervert’s Guide to Cinema, e o registo quase-biográfico sobre este peculiar homem, Zizek!. Žižek, filósofo e psicanalista, fala sobre tudo e mais alguma coisa. Uma curta visita à página do Zizekian Studies no YouTube demonstra isso mesmo: ora encontramos vídeos sobre o acto humano do amor, divagações sobre a metafísica contemporânea e a existência de deus ou mesmo sobre o debate a propósito de alimentos geneticamente alterados.
Mas é sempre nos livros que achamos as coisas mais mirabolantes. Senão, vejamos este exemplo: para Žižek, o ovo Kinder é o símbolo máximo do capitalismo e da ideologia consumista; interessa-nos comprar algo não pela coisa em si mas pelo excedente que representa. Compramos um par de calças não por precisarmos delas, mas pelo reconhecimento que nos é dado pelos outros, que nos acham mais bonitos dentro delas; compramos um DVD porque nos oferecem outros dois de borla; compramos um pedaço de chocolate porque nos é oferecido um brinquedo de plástico. À luz do que aconteceu nos últimos dias, podemos considerar-nos uns sortudos: há um novo Žižek nas livrarias. Lançado pela Bertrand pela primeira vez, Problemas no Paraíso é uma das obras mais recentes do homem que escreve em quatro línguas (esloveno, inglês, alemão e francês) e já editou mais de setenta obras.
Quem fala de Žižek poderia falar de outro autor qualquer. Afinal de contas, qualquer bibliófilo saberá do que falo: a paixão pela obra de um pensador/escritor faz-nos submergir em todos os seus pensamentos, criando um rito de iniciação após o qual sabemos que não seremos os mesmos do que nos tempos em que não o conhecíamos. Se a minha sugestão valer de alguma coisa, leiam este. Não têm de concordar com todas as ideias, mas far-vos-á pensar sobre questões variadas com uma perspectiva que dificilmente alcançariam de outro modo.