Reinventar calçado militar com rendas e flores
A Cortebel, empresa de calçado de Cortegaça, Ovar, inspira-se no seu espólio vintage e cria novas colecções. Esqueleto do sapato mantém-se, mudam-se padrões, procuram-se materiais. Esta marca quer sair do anonimato e pisar as passarelas de Paris e Milão.
Arrancou com um cliente de peso. “Desde logo, a empresa distinguiu-se por fazer sapatos de uma forma mecanizada por contraponto com a forma artesanal até então dominante e, assim sendo, muito rapidamente teve capacidade para fornecer os maiores clientes como as Oficinas Gerais de Fardamento do Exército”, conta Paulo Albergaria, um dos proprietários da empresa. A fábrica começou por produzir a bota militar em lona e, mais tarde, a sapatilha branca de ginástica. “A nossa sapatilha distinguiu-se das restantes por ter uma biqueira que lhe conferia resistência acrescida. Foi criada por nós e ainda hoje não existe no mercado nada esteticamente semelhante”.
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Arrancou com um cliente de peso. “Desde logo, a empresa distinguiu-se por fazer sapatos de uma forma mecanizada por contraponto com a forma artesanal até então dominante e, assim sendo, muito rapidamente teve capacidade para fornecer os maiores clientes como as Oficinas Gerais de Fardamento do Exército”, conta Paulo Albergaria, um dos proprietários da empresa. A fábrica começou por produzir a bota militar em lona e, mais tarde, a sapatilha branca de ginástica. “A nossa sapatilha distinguiu-se das restantes por ter uma biqueira que lhe conferia resistência acrescida. Foi criada por nós e ainda hoje não existe no mercado nada esteticamente semelhante”.
A Cortebel continua a fornecer calçado militar para o exército português, não na mesma quantidade de outras épocas. Fabricou cerca de 2800 pares em 2014 e pouco mais de 2000 este ano. Os tempos foram mudando e a empresa de calçado percebeu que tinha de se adaptar rapidamente. “Com a descolonização, o consumo diminuiu bastante e lançámos, nessa altura, a gama Summer Time, caracterizada por cores exuberante à semelhança dos tempos alegres que se viviam. Foi um sucesso que durou décadas e que ainda hoje representa o nosso modelo mais vendido”, revela o responsável.
A Cortebel decide então usar o que tem à mão para criar colecções com marca própria. Inspira-se no espólio vintage, nas botas militares, na sapatilha de ginástica de biqueira resistente, mantém o formato do calçado e procura novos padrões e materiais para reinventar o seu produto. O burel de Manteigas, tecido de lã artesanal, já está a ser utilizado. Tem também botas e sapatos com flores, rendas, bordados, riscas. Esta nova gama está a superar as expectativas quer em quantidade, quer em termos de facturação.
Até Julho, foram fabricados 16.345 pares, quando os planos iniciais apontavam para 15.792. Os números do negócio não são revelados, mas o objectivo da empresa está definido: duplicar as vendas e triplicar a facturação. “Futuramente, prevemos alargar a colaboração com novos estilistas e designers, fazer sapatos com novos materiais, como o portuguesíssimo burel, e alargar a nossa participação às passarelas de Paris e Milão”, avança Paulo Albergaria.
Habituada a viver à sombra de outras marcas, algumas internacionais, e a produzir para clientes específicos, a Cortebel redefine a sua estratégia para sair do anonimato e conquistar o seu espaço. O calçado às riscas é a mais recente novidade, surgiu neste ano, e inspira-se nos toldos das barracas de praia. E sapatilha branca de ginástica nunca saiu da produção e tornou-se um modelo vintage. “Aqui consegue-se experimentar tudo, assume-se o risco das experiências e temos surpresas fantásticas”, adianta Artur Piano, director de projecto da Cortebel.
Está há cerca de dois anos na empresa para reposicionar a marca no mercado. Fez várias pesquisas, observou o calçado antigo, remexeu nos armários e estantes, decidiu dar uma nova roupagem ao modelo militar. A base mantém-se, ou seja, a estrutura da sola não sofre alterações. O aspecto da lona é que muda com padrões com flores, rendas, bordados, riscas, além do burel de Manteigas de várias cores que “vestiu” sapatos e botas. “O burel 100% natural é o que de melhor pode haver de acabamentos técnicos e de conforto”.
O formato do calçado que a fábrica produz não sofre, portanto, alterações. As cores e os materiais é que mudam. “Não fazemos nenhum modelo novo. Só com o património que temos de solas, de cortantes de modelos, podemos estar cinco anos sem criar”, garante o director de projecto. Artur Piano explica o plano. “Pretendemos reposicionar a gama de produtos tendo em conta a sua origem e o seu estatuto de modelo vintage, dando-lhes uma nova roupagem para introduzir no mercado com a nossa própria marca”. A ideia é, por enquanto, fazer pequenas edições e não propriamente colecções. Degrau a degrau, mas com propósitos ambiciosos. “O objectivo é fazer um produto que possa estar na mesma prateleira que as marcas mais fortes do mercado”, confessa Artur Piano que acredita que a empresa tem “uma gama de produtos que podem competir” ao mais alto nível.
A última palavra está sempre do lado dos consumidores e também aqui a Cortebel está focada. “Estamos a tentar chegar a públicos mais urbanos”. Neste momento, a nova gama da Cortebel está à venda em algumas lojas do Porto, Lisboa e Coimbra que valorizam o que é nacional e produtos que se aproximam do que é original – como o caso da Vida Portuguesa. Em Setembro de 2014, a Cortebel surgiu nos pés dos Buraka Som Sistema no vídeo Vuvuzela. Uma questão de oportunidade que a empresa de Cortegaça agarrou com 40 pares de sapatos cedidos à banda e figurantes. Uma maneira de dar a conhecer a marca através de um grupo que toca em palcos nacionais e internacionais.
Ameaças e oportunidades
A história da Cortebel tem cinco décadas, vários degraus, condicionalismos externos que obrigaram a empresa a reanalisar posturas e forma de estar no mercado. “A entrada de Portugal na CEE abriu os nossos horizontes, passando a quota de vendas para o estrangeiro a ser cada vez mais importante, chegando a ser de cerca de 70 por cento. Infelizmente muitas dessas vendas eram feitas a outras marcas, ficando o nome Cortebel no anonimato”, recorda Paulo Albergaria. “Da mesma forma que a entrada na CEE representou uma grande oportunidade, também a adesão da China à Organização Mundial do Comércio (OMC) representou uma enorme ameaça porque passaram a entrar no espaço comunitário produtos a muito baixo preço, muitas vezes com preço de venda inferior ao custo a peso das matérias-primas que compunham o sapato – ainda hoje se discute a questão do dumping nas exportações chinesas”. “Consequentemente os clientes passaram a comprar na Ásia a baixo preço e nós tivemos de nos virar novamente para o mercado interno, agora dominado pelas cadeias de supermercados e marcas estrangeiras”, acrescenta.
O mundo mudava rapidamente e a Cortebel, que tinha surgido com produção mecanizada para não falhar encomendas e respeitar prazos, percebeu que tinha de inovar para não ficar sem chão. A nova gama de calçado entra nessa estratégia, bem como a colaboração que mantém com a Universidade de Aveiro e o IPAM – The Marketing School. “Factores que, a par com a nossa reconhecida capacidade para inovar, acreditamos que nos podem levar ao objectivo de produzir apenas produtos com a marca Cortebel, tornando-a reconhecida a nível mundial”.
Para Paulo Albergaria, a mudança tem de ser sustentável, feita de passos firmes. Neste momento, a empresa exporta o que produz para França, Alemanha, Holanda, Inglaterra, Suécia, Estados Unidos, Japão, Angola, Cabo Verde, Emirados Árabes. “E queremos mais, a começar por Espanha e a terminar na China”.
“Claro que tudo tem medidas e, por vezes, uma história de sucesso esconde lágrimas e frustrações, sobretudo porque estamos num país em crise e de espírito burocratizado. Sentimos que noutras circunstâncias poderíamos ter ido mais longe, mas temos orgulho por nesta nova gama já termos superado, até ao fim de Julho, quer a facturação, quer a quantidade de pares produzidos”, conclui Paulo Albergaria.