No Elevador da Existência

O estado da arte de Woody Allen, versão século XXI: mais um filme “pequenino”, sintético e despachado como uma série B.

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Homem Irracional é mais um filme “pequenino”, rápido, sintético e despachado como uma série B. É a “série W(oody)”, podíamos chamar a estes filmes, e sobretudo ao modo de fazer que tem sido o de Allen desde, grosso modo, o Match Point de há uma dezena de anos. Isto não é dizer mal, porque embora Woody Allen tenha acumulado mais maus filmes neste período do que possivelmente em toda a sua obra anterior ocasiões também houve em que este modelo super-sintético e quase vago funcionou na perfeição como forma de adensar o abismo criado pelo filme — Vais Conhecer o Homem dos teus Sonhos, um dos filmes mais negros do cineasta, ocorre, aqui, à memória.

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Homem Irracional é mais um filme “pequenino”, rápido, sintético e despachado como uma série B. É a “série W(oody)”, podíamos chamar a estes filmes, e sobretudo ao modo de fazer que tem sido o de Allen desde, grosso modo, o Match Point de há uma dezena de anos. Isto não é dizer mal, porque embora Woody Allen tenha acumulado mais maus filmes neste período do que possivelmente em toda a sua obra anterior ocasiões também houve em que este modelo super-sintético e quase vago funcionou na perfeição como forma de adensar o abismo criado pelo filme — Vais Conhecer o Homem dos teus Sonhos, um dos filmes mais negros do cineasta, ocorre, aqui, à memória.

Por outro lado, esta escala tornou-se de facto um estilo, o estilo dele, como o de um dramaturgo que tivesse deixado de pensar nos grandes palcos da Broadway e escrevesse a pensar em teatrinhos de bairro, sem pompa nem circunstância. A farsa é um género que convém bastante a teatrinhos de bairro, e não deve haver melhor maneira de descrever Homem Irracional do que como uma farsa, uma farsa “filosofíca” ou “metafísica”. Homem Irracional, de resto, foi o título de um livro que, nos anos 50, “introduziu o existencialismo na língua inglesa” (é a Internet que o diz) e que provavelmente foi então lido pelo jovem Woody. É pelos existencialistas que o filme começa (uma tirada sobre a necessidade de “cair” para “agir”, frase que deve ficar na memória do espectador para tirar mais proveito do irónico desfecho), e depois não faltarão, através da personagem principal, o professor de Filosofia deprimido interpretado por Joaquin Phoenix, inúmeras citações e mini-discussões de filósofos “morais” como Kierkegaard ou Kant, antes de tudo ir parar (como no Match Point) a Dostoiévski e ao Crime e Castigo, de que este filme poderia ser, a partir da metade, uma variação alternativa com um Raskolnikov imune a sentimentos de culpa (é que o professor de Filosofia encontra uma fuga da depressão e um novo sentido para a vida através de um crime “altruísta”, sentimento que depois se converte num egoismo extremo à medida que o cerco da investigação se aperta sobre ele). 

É pena é que essa segunda metade seja também a mais frustrante, pálida versão do que Woody já filmou noutras ocasiões, e uma demasiado ligeira crítica do “homem racional”, que por excesso de fé na coerência racional cai no seu oposto, num total reverso da razão em todos os sentidos da palavra. Este desespero quase paradoxal merecia outro filme, mais complexo, mais implicado — há um desprendimento, também em relação às personagens, que limita o alcance do desespero, como se Woody se protegesse (a si próprio e ao espectador) para não deixar o riso gelar e tornar-se um esgar. Mas era isso que esta história pedia, que acabasse com um esgar, e não acaba.

Sobra o outro lado do filme, mais ligeiro, e portanto perfeitamente adequado à ligeireza do tom: a também muito woodyalleniana caricatura dos círculos intelectuais, dos meios universitários, dos homens e mulheres em estado de depressão quase congénita (para além de Phoenix há a personagem de Parker Posey, uma Bovary do campus, também muito boa). Tem graça, e tem a habitual fineza — de escrita, sobretudo — que Woody Allen raramente desmerece.