O fim da Europa
Quando, há oito anos, saí do país, saí sozinho, sem que ninguém me impedisse, sem que ninguém me perguntasse o porquê, para quê
Ok, vamos lá a ver se nos entendemos. Quando, há oito anos, saí do país que é o nosso, tal só foi possível porque, ao sair, não encontrei na fronteira meia dúzia de idiotas armados até aos dentes mais centenas de quilómetros de muros e arame farpado a impedir-me o futuro e a matar-me de fome. Tal só foi possível porque, ao sair do país encontrei as fronteiras abertas no sentido da liberdade, da liberdade de escolha, da liberdade de movimento, de um país para outro, de um mundo para outro, na Europa da verdade. Apenas e porque, há trinta anos, os governantes de um continente inteiro tiveram o discernimento de confiar na boa vontade de centenas de milhões de europeus, assim abrindo as portas do amanhã, assim escancarando a pontapé as fronteiras da liberdade.
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Ok, vamos lá a ver se nos entendemos. Quando, há oito anos, saí do país que é o nosso, tal só foi possível porque, ao sair, não encontrei na fronteira meia dúzia de idiotas armados até aos dentes mais centenas de quilómetros de muros e arame farpado a impedir-me o futuro e a matar-me de fome. Tal só foi possível porque, ao sair do país encontrei as fronteiras abertas no sentido da liberdade, da liberdade de escolha, da liberdade de movimento, de um país para outro, de um mundo para outro, na Europa da verdade. Apenas e porque, há trinta anos, os governantes de um continente inteiro tiveram o discernimento de confiar na boa vontade de centenas de milhões de europeus, assim abrindo as portas do amanhã, assim escancarando a pontapé as fronteiras da liberdade.
Quando, há oito anos, saí do país, saí sozinho, sem que ninguém me impedisse, sem que ninguém me perguntasse o porquê, para quê. De então para cá, centenas de milhares de conterrâneos seguiram-me os passos, não necessariamente atrás de mim, mas à minha volta, a fugir do desemprego, a fugir de uma vida com as mãos a abanar. E nestes anos ninguém nos questionou, e nestes anos ninguém nos encostou à parede de arma em punho e de punho em riste. Até agora.
Entretanto, avisei muita gente: atenção, as fronteiras não vão estar abertas para sempre, o Reino Unido quer restringir a entrada a estrangeiros e agora até já vêm de referendo marcado, e agora até já têm o referendo antecipado, e quando lá chegarmos é que são elas. Eis senão quando aí vem ele, o destino, para nos trocar as voltas, para baralhar e voltar a dar outra vez, porque afinal já não é preciso referendo nenhum e nem sequer sair da União Europeia, ainda para mais quando um país soberano vem hoje dar o exemplo fechando as suas fronteiras a centenas de milhares de refugiados.
E porquê? Porque não podem as fronteiras continuar abertas? Porque quem hoje nos governa não tem nisso o mínimo interesse, assim desencadeando um efeito dominó com o único propósito de agrilhoar os movimentos, as liberdades e os modos de pensar de todos os cidadãos, de todos os países. Porque à custa de terem acolhido milhares de refugiados, os alemães já garantiram escravos suficientes para continuar a projectar a economia por mais uma geração.
No meu curto tempo de vida assisti ao nascer da Europa dos povos, assisti ao nascer da esperança. Afinal, fui enganado, de caminho entalaram-me o país e ainda me vi emigrado. Hoje assisto ao definhar de uma ideia que nunca o foi, e da qual tenho pena que nunca o seja. Isto porque, trinta anos volvidos, a livre circulação de pessoas e bens não foi, afinal, senão uma grande patranha com o objectivo único de alimentar as fornalhas dos países ditos ricos com o carvão vegetal que compõe essa mão de obra barata dos países ditos pobres. E se nós somos a carne de canhão, tal só nos foi permitido ser na medida das necessidades de quem, realmente, nos tem governado.
Trinta anos volvidos e as fronteiras fecharam-se. Uma vez mais damos de caras na fronteira com idiotas armados até aos dentes mais os muros de betão e o arame farpado. Trinta anos volvidos e já não podemos viver. Sem nada a perder, pegamos nas armas.