Labour desenterra o socialismo e prepara-se para eleger o irredutível Corbyn
Deputado da ala mais à esquerda deverá suceder a Ed Miliband. O seu discurso entusiasmou apoiantes mesmo que o seu programa seja demasiado radical para vencer eleições.
Os resultados das eleições para a liderança do Labour só são anunciados na manhã deste sábado e o complexo sistema de votação – os eleitores listam os candidatos por ordem de preferência – não exclui que possa haver surpresas: se Corbyn não tiver maioria logo ao início, tanto Andy Burnham como Yvette Cooper, ambos ex-ministros trabalhistas vindos da esquerda moderada do Labour, podem beneficiar com a distribuição das segundas e terceiras preferências.
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Os resultados das eleições para a liderança do Labour só são anunciados na manhã deste sábado e o complexo sistema de votação – os eleitores listam os candidatos por ordem de preferência – não exclui que possa haver surpresas: se Corbyn não tiver maioria logo ao início, tanto Andy Burnham como Yvette Cooper, ambos ex-ministros trabalhistas vindos da esquerda moderada do Labour, podem beneficiar com a distribuição das segundas e terceiras preferências.
Só que nos jornais escreve-se já sobre o enterro do New Labour que Tony Blair criou e, em privado, centristas e moderados admitem que a corrida foi perdida. Corbyn, que durante todo o Verão encheu auditórios, centros comunitários e igrejas como há muito não se via, disse “estar desejoso” de assumir a liderança. Para trás fica a confissão, numa entrevista ao jornal Guardian logo no início da campanha, que só tinha aceitado candidatar-se porque “infelizmente” era a sua vez de encabeçar a ala mais à esquerda do Labour e garantir que o debate não ficava limitado ao centro.
O facto de um candidato reticente e outsider se ter transformado em poucas semanas no favorito à vitória diz muito sobre o actual estado do Labour, um partido que desde a saída de Blair, em 2007, foi incapaz de decidir que espaço político quer ocupar. Mas é também revelador da ânsia que subsiste, no Reino Unido como noutros países europeus a braços com as políticas de austeridade, de uma verdadeira alternativa de esquerda – os críticos chamam ao fenómeno populismo; os apoiantes falam num regresso à ideologia.
“Penso que houve um desejo forte no partido para um regresso, não ao fundamentalismo do Velho Labour com toda a bagagem que isso implica, mas à alma trabalhista”, explicou ao Guardian o antigo ministro trabalhista Peter Hain. “Os nossos valores fundamentais, o nosso sentido de justiça e crença na igualdade, na democracia e nos direitos humanos perderam-se nos discursos tecnocráticos dos últimos 20 anos”.
Ortodoxia
Corbyn, deputado há 32 anos sem nunca ter ocupado qualquer cargo dirigente, provou ser o homem certo para este momento. Eleito em 1983 – ano em que o Labour foi arrasado por Margaret Thatcher, depois de o então líder Michael Foot se ter apresentado às eleições com um programa radical que viria a ser descrito como “a mais longa carta de suicídio da História” –, rejeitou a Terceira Via de Blair e manteve-se irredutível no socialismo. Rebelou-se mais de 500 vezes contra o sentido de voto imposto pela liderança do partido, mas só se tornou verdadeiramente conhecido fora do reduto a que os colegas de bancada votaram os socialistas quando, em 2001, encabeçou a coligação contra a participação britânica na guerra do Iraque. Foi o culminar de um pacifismo que o levou, mal foi eleito, a manifestar-se contra apartheid na África do Sul e a levar ao Parlamento Gerry Adams, líder do então "tóxico" Sinn Féin. Ou a insistir desde sempre na defesa de um Reino Unido sem armas nucleares e na saída do país da NATO.
As propostas que apresentou na campanha não são menos ortodoxas. Propõe impostos mais altos para os ricos e as empresas, a renacionalização dos caminhos-de-ferro e das empresas de energia, um plano de investimentos em infra-estruturas, a saída dos privados do serviço nacional de saúde, o fim da autonomia das escolas, a reposição dos apoios sociais cortados.
Os economistas saltaram-lhe ao caminho e os adversários acusaram-no de ressuscitar as fórmulas que arrastaram o Labour para um degredo de 18 anos na oposição. O que ignoraram foi que o desencanto – com a política em geral, com a herança do New Labour e com as doutrinas de austeridade – que há anos afasta os eleitores das urnas abriria espaço para um movimento menos interessado em estatísticas e as sondagens (pilares de referência dos analistas) e mais em valores e emoções.
“Ele diz aquilo em que acredita e essa não é a minha experiência em relação aos líderes trabalhistas anteriores”, explicou ao colunista do Guardian Michael White um amigo que pagou três libras para se registar e votar nesta eleição – a primeira aberta a simpatizantes do partido, uma novidade que beneficiou Corbyn mais do que qualquer outro candidato. “Não me interessa se ele ganha ou perde, quero votar em alguém com quem me sinta confortável”, sublinhou.
Liz Kendall, a única candidata nesta eleição que não renegou a herança de Blair, reconheceu quinta-feira, no fecho da votação, que o rival “mobilizou e entusiasmou um número de pessoas de uma forma que não era vista há décadas”, forçando uma discussão ideológica “que estava a crescer há vários anos” e que não terá recuo mesmo que Corbyn não ganhe.
Longe do poder
Os avisos de Blair e de outros centristas para o risco de o Labour se tornar irrelevante, deixando de ser uma alternativa para passar a partido de protesto, não pareceram ter tido impacto nos seus apoiantes, onde se misturam jovens, sindicatos, grupos de esquerda e muitos desiludidos.
O jornal Telegraph citava sexta-feira um estudo de opinião conduzido por Michael Ashcroft, segundo o qual 71% dos inquiridos que votaram nos trabalhistas em Maio consideram positivo que o partido se assuma como “uma alternativa socialista radical”, apesar de apenas 53% acreditar que o Labour poderá vencer eleições com essa agenda. A expectativa parece, ainda assim exagerada, já que o mesmo estudo revela que os eleitores que trocaram os trabalhistas pelos conservadores nas legislativas de Maio o fizeram por que não confiavam em Miliband ou temiam as políticas despesistas do seu manifesto.
Corbyn moderou algumas das suas propostas – defende agora um papel mais restrito do Reino Unido na NATO e não a sua saída –, embora insista que os próximos cinco anos de governo conservador bastarão para alinhar os eleitores com a nova agenda do Labour. Olhando para as mudanças sociais e económicas das últimas décadas a maioria dos analistas discorda. Em pouco tempo, escreveu no Financial Times o analista Janan Ganesh, “os eleitores vão fartar-se da novidade, a coligação de dirigentes sindicalistas e jovens sonhadores que compõe os apoiantes de Corbyn ter-se-á dissolvido e os deputados trabalhistas não mostrarão qualquer lealdade com um homem que votou contra o seu partido mais de 500 vezes desde 1997”.
A falta de aliados no grupo parlamentar, onde só à última hora conseguiu o apoio necessário para se candidatar, e a falta de experiência em funções dirigentes são os primeiros obstáculos que terá de enfrentar em caso de vitória. Corbyn diz-se convicto que vai unir o partido, prometendo lugares no governo-sombra a todas as alas.
A Economist prevê que a defenestração não será imediata, mas sublinha que, mesmo que o seu mandato seja breve, a sua eleição terá um impacto desestabilizador que afastará o Labour do poder durante muito tempo e terá profundos efeitos na paisagem política do país. “A principal força da oposição será o Partido Nacional Escocês, que defende a cisão do país. O governo actuará sem o devido escrutínio, sem ninguém para mitigar as suas tendências menos liberais e mais isolacionistas, ”, escreve a revista. Michael White é menos pessimista: A vitória de Corbyn “acarreta um potencial perigoso e fracturante”, mas depois de anos de desencanto “a política britânica promete tornar-se muito mais animada”.