Ministério Público qualifica comportamento de juíza como "claramente criminoso"

A juíza da Relação do Porto negou que alguma vez tenha pago a advogados para lhe redigirem acórdãos, ainda que tenha admitido que se socorria deles para que lhe fizessem a “composição gráfica”.

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Supremo está a julgar juíza que nega que alguma vez tenha pago a advogados para lhe redigirem acórdãos Daniel Rocha

“Como é que explica este tipo de colaboração? A juíza diz que nunca lhe redigiram projectos e que nunca mandou nenhuma cópia de acórdão para que lhos fizessem, mas há projectos relativamente à Dr.ª Joana Sá Pereira que são, em termos de tipificações legais, cópias de acórdãos da Relação”, disse Paulo Sousa, durante o julgamento da juíza desembargadora do Tribunal da Relação do Porto Joana Salinas.

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“Como é que explica este tipo de colaboração? A juíza diz que nunca lhe redigiram projectos e que nunca mandou nenhuma cópia de acórdão para que lhos fizessem, mas há projectos relativamente à Dr.ª Joana Sá Pereira que são, em termos de tipificações legais, cópias de acórdãos da Relação”, disse Paulo Sousa, durante o julgamento da juíza desembargadora do Tribunal da Relação do Porto Joana Salinas.

O julgamento no Supremo Tribunal de Justiça (STJ) da juíza, que está suspensa de funções, teve ontem início. Está a ser julgada pelo crime de peculato, por utilização de verbas da Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) para pagar a advogados que, alegadamente, lhe faziam projectos de acórdãos.

A decisão de pronunciar a desembargadora foi tomada em meados de Abril pela 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), depois de o Ministério Público (MP) a ter acusado, e à advogada Alexandra Valente Novais, da prática, em co-autoria, de crimes de peculato (utilização indevida de dinheiro) num caso ligado à contratação de duas advogadas, para a elaboração de acórdãos do Tribunal de Relação do Porto.

Já na fase de perguntas a Joana Salinas, Paulo Sousa instou a juíza a precisar como explicava então que “a advogada Joana Sá Pereira só tivesse começado a ser paga pela delegação da CVP de Matosinhos quando começou a fazer processos da juíza”.

Ao longo da audiência desta quinta-feira, Salinas — que disse presidir à delegação de Matosinhos da CVP desde Novembro de 1998 e não desde Maio de 2009, como consta dos autos, funções que, depois de Agosto de 2012, acumulou com a delegação do Porto da mesma organização — negou que alguma vez tenha pago a advogados para lhe redigirem acórdãos, ainda que tenha admitido que se socorria deles para que lhe fizessem a “composição gráfica” dos processos já que não lidava muito bem com a informática.

Sobre a co-arguida neste caso, a advogada Alexandra Valente Novais, a juíza disse ter sido contratada para a CVP de Matosinhos para a auxiliar em processos relacionados com violência doméstica e igualdade de género, valências disponíveis naquela delegação.

Segundo Joana Salinas, esta advogada — que já fora voluntária da CVP e que foi contratada em Outubro de 2012 para a delegação de Matosinhos desta organização — ajudaria ainda a juíza em processos de reestruturação de pessoal da delegação do Porto da CVP.

A juíza disse mesmo que tal ocorrera numa altura em que já não tinha qualquer processo disciplinar a pender sobre si, ainda que já soubesse que ia ser condenada no segundo de que fora alvo.

E sublinhou que a partir de 2013, quando esteve a pagar cerca de 1000 euros por mês a título de multa pela condenação do segundo processo disciplinar, “passou a andar sempre com os processos às costas” além de trabalhar neles no escritório de advogados onde o marido era jurista, por não querer voltar a ter processos disciplinares nem a acumular pendências.

Joana Salinas admitiu que trabalhava nesses processos no computador de Alexandra Novais, que esta a chegou a ajudar “em meia dúzia de processos” e que chegou a mostrar processos a um advogado estagiário que lhe mostrou “interesse profissional” e que lhos mostrou porque a “título de treino ficavam com algumas coisas”.

Durante o julgamento, o juiz relator Francisco Caetano instou a juíza a explicar por que razão a contratação daquela advogada ocorreu depois de Joana Salinas ter sido alvo de um processo disciplinar devido ao elevado número de processos que tinha pendentes.

O juiz relator confrontou ainda a juíza com as mensagens eletrónicas entre a juíza e as advogadas em que estas se referiam “aqui vão mais... ac”.

“Há aqui uma linguagem um bocadinho cifrada, como se isto se passasse só entre nós, não acha?”, questionou o juiz conselheiro Francisco Caetano, considerando ainda que a contratação da advogada Alexandra Novais se revestiu de alguma “clandestinidade” já que trabalhava para projectos relativos ao Porto mas ficou ligada à CVP de Matosinhos.

No início do julgamento, o Ministério Público sublinhou que o que estava em causa no julgamento não era a “competência profissional” de Joana Salinas, mas o facto de a juíza ter “arranjado um estratagema para ser a Cruz Vermelha Portuguesa a pagar as despesas” relacionadas com acórdãos judiciais e a “violação de deveres próprios da profissão”.

Segundo o Ministério Público, o pagamento dos acórdãos por parte da CVP terá representado um prejuízo de 7000 euros.

No início do julgamento, o advogado de defesa de Joana Salinas, João Araújo, considerou que o Ministério Público levou a julgamento “uma avaliação moral e deontológica”, mostrando-se reticente em relação à forma como se iniciou a prova dos factos.

O julgamento prossegue nos dias 17 e 24 de Setembro, às 14h30, estando prevista a audição das testemunhas Luís Campos e Joana Sá Pereira (ambos advogados) e de Paula da Cunha Ferreira e do advogado Rodrigo Alves Moreira, que denunciou os comportamentos da juíza.

À saída do julgamento, a juíza Joana Salinas e o seu advogado escusaram-se a prestar declarações à imprensa.