Uma peça para mostrar que está tudo errado
Para abertura de temporada do Teatro Maria Matos, a companhia Truta propõe Uma Mulher sem Importância, peça mal-amada de Oscar Wilde.
Desse dado avulso que poderia ser apenas objecto de curiosidade, a companhia de teatro resolveu partir para a ideia de enfiar todas estas actrizes num mesmo espectáculo. Só depois veio a busca por um texto onde coubessem Joana Bárcia, Rita Durão, Lia Gama, Cláudia Gaiolas, Paula Diogo e Maria João Abreu.
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Desse dado avulso que poderia ser apenas objecto de curiosidade, a companhia de teatro resolveu partir para a ideia de enfiar todas estas actrizes num mesmo espectáculo. Só depois veio a busca por um texto onde coubessem Joana Bárcia, Rita Durão, Lia Gama, Cláudia Gaiolas, Paula Diogo e Maria João Abreu.
A escolha recaiu então sobre Uma Mulher sem Importância, de Oscar Wilde, “uma peça divertida e que, ao mesmo tempo, encerra uma crítica mordaz”, diz ao PÚBLICO Joaquim Horta, encenador do espectáculo que, entre 10 e 19 de Setembro, abre a temporada do Teatro Maria Matos, em Lisboa.
O isco seria talvez demasiado irresistível ao tratar-se de uma peça tida como mal-amada e longe de ser a obra mais reconhecida ou reputada do escritor irlandês. “Isso é algo que nos atrai um pouco – trabalhar autores consagrados mas nunca aqueles textos mais emblemáticos”, reconhece Horta.
Construído enquanto retrato ácido da burguesia inglesa de fins do século XIX, o drama de Oscar Wilde parece ser apenas pretexto para que em fundo – e não tão fundo quanto isso – se vá satirizando uma desgastada divisão social dos papéis de género e se aponte caminho a uma convivência mais civilizada, aqui introduzida por uma jovem visitante norte-americana que encanta pelo modelo social mais justo que transporta consigo mas que, em si mesma, parodia o cliché de que é sempre nos “outros” que se encontram as virtudes (uma fatalidade e, claro, um descanso).
A falta de conforto da Truta na abordagem a “este tipo de teatro que tem uma série de formalismos e de maneirismos de época”, caracteriza Joaquim Horta, tornou-se também um dos atractivos para chegar ao texto de Wilde. Diante desse território estranho, as opções eram as de contornar ou apagar essas marcas do texto, ou emprestar-lhes um qualquer aroma a contemporaneidade.
“Embora aqui também haja questões universais”, acrescenta, “nos outros autores que fizemos antes o retrato de época não era tão rigoroso ou acentuado. É certo que o Oscar Wilde faz isso para trazer à tona a crítica e a ideia moral de como tudo isto está errado. Mas para mostrar que está errado pinta um quadro rigoroso.”
Escolhendo claramente a sugestão de contemporaneidade, a encenação de Joaquim Horta recorre ao guarda-roupa de José António Tenente para nos iniciar numa peça de época que, progressivamente, se despe dessas roupas para se acercar, sem alarde, do tempo do público. E com este estratagema, aquilo que primeiro não passa de uma divertida mas distante troca de ideias feitas sobre as qualidades femininas ganha uma ressonância mais próxima e questiona até que ponto estaremos, afinal, ao virar da esquina dos finais do século XIX.
A meio da peça, de resto, no pós-jantar em que todas as personagens se reúnem, cai uma cortina que divide o palco em dois, deixando homens de um lado e mulheres do outro. Sobrepondo algumas das falas, sobrepõem-se os discursos, mirram as diferenças, salta à vista este espelho baço que impede que se vejam e se oiçam. Uma Mulher sem Importância está cheia disso mesmo: daquilo (e de gente) que não se ouve e daquilo (e de gente) que não se vê.