Pacote de 500 milhões anunciado por Bruxelas não convence agricultores

Milhares de produtores protestaram ontem em Bruxelas contra o fim das quotas leiteiras e os impactos do embargo russo. Proposta da comissão passa por antecipação de pagamengos já previstos

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Enquanto na rua se lançavam petardos e se incendiavam pneus e fardos de palha, o vice-presidente da Comissão Europeia Jyrki Katainen, dizia que o fundo de 500 milhões pode ser “imediatamente utilizado em benefício dos agricultores”. “Esta é uma resposta robusta e decisiva”, disse. Mas para os produtores, o conjunto de medidas ainda é “genérico” e fica aquém das pretensões de criar um mecanismo público de regulação da oferta, no caso do leite.

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Enquanto na rua se lançavam petardos e se incendiavam pneus e fardos de palha, o vice-presidente da Comissão Europeia Jyrki Katainen, dizia que o fundo de 500 milhões pode ser “imediatamente utilizado em benefício dos agricultores”. “Esta é uma resposta robusta e decisiva”, disse. Mas para os produtores, o conjunto de medidas ainda é “genérico” e fica aquém das pretensões de criar um mecanismo público de regulação da oferta, no caso do leite.

De acordo com a informação disponibilizada por Bruxelas, o pacote está dividido em quatro temas. O primeiro conjunto de medidas servirá para ajudar os agricultores a enfrentarem as dificuldades financeiras a curto prazo, o segundo para travar o desequilibro de mercado, estimular a procura e reduzir a oferta, o terceiro prende-se com a cadeia de abastecimento e o quarto tem como objectivo "reforçar a ligação entre a agricultura e a sociedade".

Em comunicado, a comissão descreve que a parte “mais significativa” das verbas será entregue aos Estados-membros para ajudar o sector do leite e lacticínios. Os países podiam até agora antecipar em 50% as ajudas dos pagamentos directos e a comissão propõe aumentar essa percentagem para 70%. Outra das medidas é a antecipação de 85% em vez de 75% dos pagamentos relacionados com os programas de desenvolvimento regional aplicados à área animal.

“A comissão está a trabalhar de perto com o Banco Europeu de Investimento em várias opções para estabelecer instrumentos financeiro”, continua o documento, divulgado ao início da tarde.

Para aliviar a pressão no mercado, Bruxelas refere já ter estendido as ajudas à armazenagem privada de manteiga e leite em pó até ao próximo ano. Está agora a trabalhar num novo esquema, com mais ajudas, e que garanta que o produto “seja armazenado pelo tempo apropriado, tornando o esquema mais efectivo no alívio da pressão no lado da produção”. Haverá, ainda, uma medida semelhante para a carne de porco, e um reforço do orçamento destinado à promoção em 2016.

Outro dos pontos, prende-se com os acordos de comércio bilaterais, de forma a escoar a produção. Estão em curso negociações com os Estados Unidos e o Japão.

No final do conselho extraordinário de ministros da Agricultura, onde Portugal apresentou uma proposta concertada com Espanha, França e Itália, Assunção Cristas lamentou a “falta de detalhe” do plano, mas aplaudiu o facto de o documento abranger “um conjunto alargado de matérias”. “Há um pacote de 500 milhões de euros, mas não sabemos qual a repartição das diferentes medidas. Estão incluídas acções de apoio ao rendimento dos agricultores, uma das medidas que Portugal pretendia, mas não sabemos qual a sua repartição”, disse ao PÚBLICO.

A proposta de aumento do preço de referência a partir do qual os Estados-membros poderiam comprar e armazenar leite (retirando o produto do mercado e fazendo, assim, subir os preços) não está incluída. A Ministra da Agricultura espera “que possa haver ainda evolução nesta matéria”. Assunção Cristas disse ainda que ficou visível a diferença de opiniões entre os países da UE. Para a semana haverá reunião informal no Luxemburgo onde o tema será, de novo, debatido.

Para os agricultores, as medidas souberam a pouco. “Estamos um pouco desiludidos”, disse Fernando Cardoso, secretário-geral da Fenalac, a federação das uniões de cooperativas leiteiras. “É importante minorar o impacto da crise neste momento mas também pensar a longo prazo”, defendeu. A “tempestade perfeita” que está a afectar os produtores (confrontados com o fim das quotas à produção, o embargo russo e a queda no consumo) não será resolvida com “paliativos”. “Não há, a longo prazo, uma medida que nos permita dizer que esta situação não vai acontecer no futuro”, lamenta. “Se não temos um instrumento de regulação de oferta, um sinal vinculativo de que é preciso parar a produção, a volatilidade vai ser constante e agreste. E é isso que nos preocupa. Vamos sair desta crise, mas mais tarde ou mais cedo vai regressar”, continua.

João Machado, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal, diz por seu lado que a verba de 500 milhões de euros é “curta” para toda a União Europeia. Antecipar os pagamentos aos produtores “é bom”, mas esta é uma ajuda que já estava programa. “O que me parece é que o que foi anunciado vem na linha do que tem sido feito no último ano e não tem resolvido o problema”, diz.

Nesta manhã, milhares de produtores de França, Alemanha e de várias regiões da Bélgica entupiram, literalmente, as ruas de Bruxelas com tractores, protestos ruidosos, fumo e fardos de palha. Ao telefone de Bruxelas, João Dinis, presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), descreveu ao PÚBLICO que “praticamente todas as ruas à volta da praça Schumann estão pejadas de tractores, com cartazes alusivos à situação do leite e da carne".

#beboleiteportugues
O embargo russo ao leite, carne e fruta produzidos na UE provocou uma quebra de rendimentos na ordem dos 1,7% em 2014. A Rússia comprava 10% da produção agrícola europeia e com a China a travar no consumo, e a não comprar tanto como se esperava, o mercado inundou-se de produtos. A lei da oferta e da procura ditou, depois, uma quebra de preços.

No caso do leite, há a juntar o fim das quotas leiteiras. Desde Abril, o preço baixou perto de 20% na UE. Em Portugal, em Julho, tinha caído 13% em comparação com o mesmo período do ano passado. Há produtores a vender o leite a 20 ou 21 cêntimos, mas com custos de produção que chegam aos 30, 31 cêntimos.

a Associação Produtores Leite Portugal (Aprolep) esteve esta manhã numa exploração para chamar a atenção para o problema do preço do leite, a que também não é imune a continuada queda de consumo. Para estimular os portugueses a consumir mais este alimento, criou a campanha #beboleiteportugues e #apoioaosprodutoresdeleite nas redes sociais, incitando os consumidores a tirarem fotografias enquanto bebem leite ou comem iogurtes ou queijos.