Será a aspirina capaz de “libertar” as nossas defesas naturais contra o cancro?

No ratinho, a acção biológica do mais que centenário analgésico, associada a outros medicamentos inovadores, fez aumentar drasticamente a resposta imunitária contra tumores malignos.

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Caetano Reis e Sousa, do Instituto Francis Crick de Londres, e colegas publicaram esta quinta-feira os seus resultados na conceituada revista Cell.

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Caetano Reis e Sousa, do Instituto Francis Crick de Londres, e colegas publicaram esta quinta-feira os seus resultados na conceituada revista Cell.

A aspirina, que foi receitada pela primeira vez em finais do século XIX, tem vindo a revelar, para além do seu poder anti-dor, benefícios substanciais na prevenção e tratamento de doenças tão díspares como o cancro colorrectal ou as doenças cardiovasculares. Faz parte de um grupo de compostos chamados “inibidores da ciclo-oxigenase”, cuja acção inibidora consiste em interromper a produção pelo organismo de uma outra substância, a prostaglandina E2 (PEG2).

A PEG2, quanto a ela, faz diminuir a normal resposta das células imunitárias contra potenciais agressores. E como é produzida em grandes quantidades pelas células tumorais de melanomas, cancros da mama ou do intestino, tudo indica que isso permite que estes cancros fujam mais facilmente ao controlo sistema imunitário. Algo que, por sua vez, poderá explicar “por que é que os tratamentos com anticorpos não têm sido tão eficazes contra o cancro como se esperava”, lê-se num comunicado da Cancer Research UK, que financiou a investigação.

“Os mecanismos que permitem aos melanomas e outras células cancerosas fugirem à imunidade antitumoral ainda não foram totalmente desvendados”, escrevem os autores na Cell. Foi precisamente a sua vontade de compreensão “dos mecanismos que permitem alguns cancros escaparem à resposta imunitária” que motivou o estudo, disse ao PÚBLICO Caetano Reis e Sousa num email.

“Este estudo surgiu de uma das linhas de investigação no meu laboratório que visa tentar perceber como é que os tumores desencadeiam uma resposta imunitária e ao mesmo tempo conseguem escapar-lhe”, acrescenta.

De facto, os cientistas mostraram agora que, comparada com a utilização de uma imunoterapia sozinha, a associação de aspirina à imunoterapia reduzia substancialmente, em ratinhos de laboratório, a progressão de cancros colorrectais e melanomas.

“O estudo demonstra, no ratinho, não só que a produção de prostaglandina E2 por alguns cancros representa um processo de evasão ao controle imunitário, mas também que intervenções (…) farmacológicas tais como a aspirina, que levem a uma atenuação da produção de prostaglandinas pelas células tumorais, podem ser utilizadas para restabelecer o controlo do cancro pelo sistema imunitário.”

“A PGE2 actua sobre muitos tipos de células diferentes no nosso organismo, e este estudo sugere que uma dessas acções consiste em dizer ao sistema imunitário para ignorar as células cancerosas”, faz notar pelo seu lado Peter Johnson, responsável clínico da Cancer Research UK no já referido comunicado. “Mas quando impedimos a sua produção pelas células cancerosas, o sistema imunitário fica outra vez em ‘modo assassino’ e ataca o tumor.”

Os resultados são contudo muito preliminares ainda, avisa Caetano Reis e Sousa. “Muito resta a fazer, tanto em modelos animais como em seres humanos”, salienta, acrescentando que “apesar de termos estudado vários tipos de cancro em ratinhos, ainda não sabemos até que ponto os resultados se aplicam a todos os cancros”.

A seguir, para além de confirmar os seus resultados nos animais, a equipa prevê realizar um ensaio clínico “para estabelecer se a sinergia entre a aspirina e a imunoterapia (…) se verifica também em doentes”, diz Caetano Reis e Sousa.

Mas o que é que os impede, à luz dos actuais resultados, recomendar desde já a administração de um medicamento tão corrente como aspirina a doentes com cancro? “Qualquer resultado deste tipo tem de ser validado num ensaio clínico antes de ser receitado a doentes”, responde-nos o cientista. “Para além do mais, não sabemos se a combinação não pode dar graves efeitos secundários.”