O Exterminador do Congo vai ter dificuldade em provar a sua inocência no TPI
Homem de gatilho fácil, acusado de violar crianças e de as obrigar a matar, Bosco Ntaganda começou a ser julgado por 13 crimes de guerra e cinco contra a humanidade.
Com o bigode ralo que se vê nas fotos do tempo que em foi um dos “senhores da guerra” mais procurados na região dos Grandes Lagos, de fato e gravata, com voz quase inaudível, declarou-se, na sua língua materna, o kinyarwanda, “não culpado” de todas as acusações, tal como fizera em 2013, numa audiência preliminar.
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Com o bigode ralo que se vê nas fotos do tempo que em foi um dos “senhores da guerra” mais procurados na região dos Grandes Lagos, de fato e gravata, com voz quase inaudível, declarou-se, na sua língua materna, o kinyarwanda, “não culpado” de todas as acusações, tal como fizera em 2013, numa audiência preliminar.
Conhecido pelo gatilho fácil, ouviu, entre outras, as acusações de que “ordenou ataques e a morte de civis” e que, ele e a sua milícia, “obrigaram crianças a matar, trataram-nas de maneira cruel e violaram as raparigas”. Esta é no direito penal internacional a primeira vez, segundo a AFP, que um acusado responde por violações e escravatura sexual de crianças da sua própria milícia.
Bosco Ntaganda, hoje com 41 anos, e os combatentes sob seu comando das Forças Patrióticas para a Libertação do Congo, predominantemente composta por elementos da etnia hema, tiveram, segundo a acusação, um papel central na violência étnica em Ituri, no nordeste da RDC, em 2002 e 2003. Homens às suas ordens terão morto por motivos étnicos pelo menos 800 civis na cidade de Mongbwalu.
A procuradora, Fatou Bensouda, citada pela AFP, ressalvou que este “não é um processo de um grupo étnico, é um processo de um indivíduo que beneficiou das tensões étnicas em Ituri para fins pessoais, para conseguir poder e riqueza”.
O conflito terá custado a vida a mais de 60 mil pessoas segundo organizações não-governamentais. Pelo seu papel nesses actos de violência, Thomas Lubanga, ex-psicólogo que se tornou “senhor da guerra”, chefe de Ntaganda à época dos factos, foi em 2012 condenado pelo TPI a 14 anos de prisão.
Em todas as guerras
Tutsi do Ruanda, Ntaganda fugiu, em adolescente, dos ataques à sua etnia para o país vizinho. “Nasci no Ruanda mas cresci no Congo, sou congolês”, disse quando, há dois anos, compareceu pela primeira vez no tribunal.
Em 1990, aos 17 anos, juntou-se à Frente Patriótica Ruandesa. Fazia parte das forças que puseram fim ao genocídio, mas estava apenas a iniciar um trajecto de combatente de todas as guerras da região entre os anos 1990 e 2013, alternando a condição de rebelde em diversos grupos com a de soldado. Não sendo um orador particularmente articulado nem persuasivo tem uma certa presença e carisma, disse à BBC Anneke van Woudenberg, investigadora da Human Rights Watch, que com ele se encontrou várias vezes.
Bosco Ntaganda foi pela primeira vez alvo do TPI em 2006. A acusação era a de recrutar crianças para combater. As mais recentes datam de 2012 e resultam de provas apresentadas no julgamento de Lubanga. Em 2008, foi filmado a ordenar o ataque à aldeia de Kiwanja, onde 150 pessoas foram massacradas num só dia.
Por força de um acordo de paz, foi integrado em 2009 no exército da RDC como general. Pelo meio, segundo investigações das Nações Unidas, montou um sistema de enriquecimento assente na cobrança de taxas em minas controladas por soldados sob o seu comando, mercados de carvão vegetal e postos de fiscalização em estradas.
Em 2012, talvez por perceber hesitações na protecção que as autoridades de Kinshasa lhe vinham dando, abandonou as forças regulares, levando consigo cerca de 600 soldados – a base do movimento M23, de 23 de Março de 2009, data de um acordo entre o Governo e a antiga milícia, que chefiou militarmente, do Congresso Nacional de Defesa do Povo. A rebelião do grupo por si liderado obrigou cerca de 800 mil pessoas a deixarem as suas casas no Kivu do Norte, fronteira com o Ruanda.
Em Março de 2013, surpreendentemente, entregou-se na embaixada dos EUA em Kigali, no Ruanda, de onde foi transferido para Haia. Analistas disseram que estaria a fugir a ajustes de contas no seio do M23, movimento que seria controlado já no final desse ano.
Para incriminar Ntaganda, a acusação conta apresentar mais de 8000 documentos, incluindo relatórios, imagens e testemunhos. Os advogados de 2149 vítimas mencionadas nos autos terão também o seu momento para falar. Quanto ao homem que ficou conhecido como Exterminador deverá continuar a declarar-se inocente, o que não surpreende Anneke van Woudenberg. “É alguém que nunca encara os seus crimes. Nega sempre e apresenta justificação atrás de justificação para o que fez.”