Hermínio Martins, sociólogo ilimitado
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O primeiro longo estudo que Hermínio Martins publicou em inglês foi sobre A Estrutura das Revoluções Científicas, de Thomas S. Kuhn, e a transformação da imagem da ciência que essa grande obra provocou. Começou aí, em termos curriculares, uma reflexão constante sobre questões da epistemologia e da filosofia da ciência. Nessa parte do seu percurso, estabeleceu fortes relações analíticas e críticas com autores tão importantes como Kuhn, Lakatos e Feyerabend, em torno dos quais se desenvolveu, em Inglaterra, um amplo debate na área da sociologia do conhecimentos científico. Mais tarde, Hermínio Martins deixou-se impregnar pelas questões propriamente filosóficas e sociológicas da articulação da ciência com a tecnologia. E esse é um domínio importantíssimo da sua obra, servido por uma imensa erudição histórica e científica. A sociologia filosófica da tecnologia, tal como Hermínio Martins a praticou, convida a um percurso antropológico, a uma incursão pela antropologia do artifício, onde ganham relevo os problemas sócio-psicológicos do homem na era da técnica. As questões do pós-humano e da pós-história inscrevem-se na conceptualização de grande alcance a que procedeu Hermínio Martins.
Num outro plano, a sua condição de “sociólogo português vivendo num país livre” (em Portugal, esteve ameaçado de prisão até 1974) incutiu-lhe “o dever cívico” de fazer um estudo sobre o Portugal contemporâneo. Daí nasceu um livro que se chama Classe, Status e Poder e Outros Ensaios Sobre o Portugal Contemporâneo e que consiste num estudo dos mecanismos de poder e de controlo, da estratificação social, assim como da formação e reprodução das elites no Portugal sob a ditadura. Hermínio Martins praticou com enorme produtividade uma sociologia comparativa, algo que ele lamentava ser pouco praticado pelos sociólogos portugueses, embora reconhecesse os enormes avanços da sociologia em Portugal, tendo em conta que só muito tardiamente ela teve implantação universitária. Mas este não foi o único aspecto em que Hermínio Martins manifestou um empenhamento que esteve muito para além da sua carreira enquanto cientista social. Preocupou-o a tendência para a hiper-especialização e a ausência de comunicação entre as disciplinas; mobilizou-o a degradação da universidade e a alienação daquilo que ela devia preservar como o seu património mais próprio; insurgiu-se contra o “medo da teoria” e denunciou os imperativos curriculares que levam a um “frenesi do articulismo”. Foi–
com nobreza, soberania e elevação–
um investigador excepcional, um homem de ciência e de saber, um universitário.