A triste história do urso Knut, do seu tratador e o estudo de uma doença cerebral
O urso Knut tinha só quatro anos quando caiu numa piscina do Jardim Zoológico de Berlim e morreu afogado. Tinha uma doença auto-imune que afecta o cérebro, descoberta em humanos há pouco tempo.
Ao ler o relatório da autópsia, Harald Prüss, do Centro Alemão para Doenças Neurodegenerativas, em Berlim, identificou semelhanças entre resultados dos seus estudos em doenças do cérebro humano e aquilo que aconteceu ao urso Knut. O neurocientista resolveu contactar Alex Greenwood, coordenador do Departamento de Doenças da Vida Selvagem do Instituto Leibniz, em Berlim, que já havia estudado a morte de Knut, sem no entanto ter descoberto a sua causa.
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Ao ler o relatório da autópsia, Harald Prüss, do Centro Alemão para Doenças Neurodegenerativas, em Berlim, identificou semelhanças entre resultados dos seus estudos em doenças do cérebro humano e aquilo que aconteceu ao urso Knut. O neurocientista resolveu contactar Alex Greenwood, coordenador do Departamento de Doenças da Vida Selvagem do Instituto Leibniz, em Berlim, que já havia estudado a morte de Knut, sem no entanto ter descoberto a sua causa.
Colocava-se agora a hipótese de o animal, cuja espécie apresenta uma esperança de vida de cerca de 30 anos, ter sofrido uma doença auto-imune do cérebro. E foi precisamente essa a conclusão do estudo dos dois cientistas, publicado esta quinta-feira na revista Scientific Reports.
“Até agora, só se conheciam doenças auto-imunes [encefalites] em humanos. Nesta doença, o sistema imunitário do corpo reage e produz anticorpos que vão danificar as células nervosas [numa reacção auto-imune], em vez de lutarem contra os agentes patogénicos”, explica num comunicado de imprensa Harald Prüss. “Ataques epilépticos, alucinações e demência estão entre os possíveis sintomas.”
A doença chama-se encefalite anti-receptor NMDA, e só há poucos anos foi descoberta em humanos. Knut é o primeiro caso diagnosticado em animais. De acordo com Harald Prüss, os doentes com encefalite (uma inflamação no cérebro), à qual não era atribuída nenhuma causa vírica ou bacteriana, permaneciam sem diagnóstico. E foi também isto o que aconteceu com o urso Knut, o primeiro caso agora diagnosticado em animais.
“Nos últimos anos, o número de casos não resolvidos decresceu consideravelmente. Desde 2010 que temos vindo a identificar a encefalite anti-receptor NMDA na maior parte dos doentes com encefalite de etiologia desconhecida, quando não existe uma causa infecciosa.”
A equipa analisou amostras de tecido cerebral do urso polar onde detectou altas concentrações de anticorpos dirigidos ao receptor NMDA, uma estrutura presente nas células nervosas e que desempenha importantes funções para a plasticidade sináptica (as conexões entre os neurónios) e a memória. O diagnóstico foi confirmado em ratos com um teste de imunomarcação, que mostrou que estes anticorpos se comportavam no cérebro dos roedores de forma semelhante à que era verificada em humanos com encefalite anti-receptor NMDA.
“Ficámos muito intrigados com os resultados”, diz Alex Greenwood. “A encefalite anti-receptor NMDA foi descrita em humanos muito recentemente. É claro que a doença também é importante para outros mamíferos. Estamos aliviados por finalmente ter desvendado o mistério da doença do Knut, sobretudo porque a descoberta pode ter aplicações práticas.”
Estrela mediática
O urso polar Knut nasceu em 2006, a 5 de Dezembro, no Jardim Zoológico de Berlim, com um irmão gémeo. Por razões desconhecidas, a mãe, uma ursa que pertenceu a um circo na Alemanha do Leste chamada Tosca, rejeitou as crias, abandonando-as num rochedo do recinto onde se encontravam. Os dois ursos bebés foram resgatados pelos tratadores com uma cana de pesca, mas o irmão de Knut não resistiu a uma infecção que lhe trouxe a morte quatro dias depois. Em mais de 30 anos, Knut foi o primeiro urso polar a nascer e a sobreviver no Jardim Zoológico de Berlim.
O tratador Thomas Dörflein cuidou do pequeno órfão, dedicando-lhe todo o tempo que um bebé necessita, de dia e de noite, dormindo ao seu lado num colchão improvisado. Muitos visitantes iam de propósito vê-los a brincar e Knut tornou-se conhecido além-fronteiras.
Premiado com a Medalha de Mérito de Berlim pela dedicação a Knut, Thomas Dörflein, de 44 anos, acabou por não resistir a um ataque cardíaco em Setembro de 2008. A sua morte levou à transferência de Knut para um recinto maior do jardim zoológico, onde viviam três ursas mais velhas – o local em que Knut viria a morrer.
As encefalites são comuns em animais selvagens cativos ou domésticos, mas a sua causa é na maior parte das vezes desconhecida. Os resultados da equipa alemã vêm provar que esta doença auto-imune existe também nos animais e sugere ainda que possam existir outras formas de encefalites auto-imunes conhecidas para os humanos.
“Se o tratamento actual para humanos se adequar a animais selvagens, muitos casos de encefalite fatal que ocorrem nos jardins zoológicos poderão ser prevenidos”, acrescenta ainda Alex Greenwood. “[Os resultados] trarão novos métodos de abordagem de encefalites em animais selvagens e domésticos, particularmente importantes para espécies com alto valor de conservação, como os ursos polares ou os rinocerontes”, lê-se ainda no artigo científico.
Andreas Knierim, director do Jardim Zoológico de Berlim e que não esteve envolvido no estudo, fala da relevância deste trabalho para a medicina veterinária: “Os resultados do estudo são uma importante contribuição para a compreensão de doenças auto-imunes do sistema nervoso em animais. Congratulemos os investigadores, que tornaram possível que, no futuro, doenças similares à do Knut noutros animais possam ser diagnosticadas mais cedo e tratadas.”
Texto editado por Teresa Firmino