Macedónia reabre a fronteira e envia 7000 refugiados para a Sérvia
O problema da macedónia foi transferido para o lado sérvio da fronteira. “É neste crise aqui que a Europa pode redescobrir a sua alma ou perdê-la para sempre”, diz o chefe da diplomacia italiano.
Sexta-feira e sábado houve confrontos, caos, refugiados feridos à bastonada, desmaios e gente quase sem acesso a água ou comida a dormir à chuva na terra de ninguém; muitas já se encontravam há dias nessa situação. Sábado, depois de horas de terror para os refugiados, a maioria sírios iraquianos e afegãos, o Ministério do Interior anunciou ter permitido a “entrada de um número limitado de imigrantes ilegais de categorias vulneráveis” – famílias com muitas crianças e mulheres grávidas.
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Sexta-feira e sábado houve confrontos, caos, refugiados feridos à bastonada, desmaios e gente quase sem acesso a água ou comida a dormir à chuva na terra de ninguém; muitas já se encontravam há dias nessa situação. Sábado, depois de horas de terror para os refugiados, a maioria sírios iraquianos e afegãos, o Ministério do Interior anunciou ter permitido a “entrada de um número limitado de imigrantes ilegais de categorias vulneráveis” – famílias com muitas crianças e mulheres grávidas.
Durante a noite tudo mudou. Talvez porque algumas centenas de pessoas tenham conseguido dar o salto depois de descobrirem uma zona menos vigiada (ainda foram perseguidas por militares, mas conseguiram passar). Talvez porque a Macedónia decidiu que, afinal, a melhor maneira de se ver livre desta crise não é amontoar milhares à sua porta mas oferecer-lhe a maneira mais rápida de atravessarem e abandonarem o país.
“É este o plano humanitário do Governo?”, questionava-se ainda no sábado à noite Jasmin Redzepi, director de uma ONG (Legis) a operar na fronteira, questionando-se sobre o súbito aparecimento de tantas carrinhas e autocarros “para levar migrantes esfomeados” à fronteira sérvia. Nas últimas semanas, uma das queixas da Macedónia, que acusava a Grécia de estar a “empurrar” estas pessoas para a sua fronteira, era precisamente a falta de vagões e transportes suficientes para que os milhares de refugiados pudessem seguir viagem após entrarem no país.
Corinne Ambler, responsável da Cruz Vermelha na fronteira da Macedónia com a Grécia, explicou à BBC que os voluntários na zona estavam a tentar “concentrar-se nas pessoas mais vulneráveis, nos feridos, nas pessoas com crianças pequenas”. “Há muitas, muitas crianças e hoje está muito calor, há pessoas a desmaiarem, pessoas mais velhas também.”
Jasmin Redzepi não foi o único a mostrar-se surpreendido. “Tinha visto as notícias na televisão e fiquei espantado”, contou à Reuters o sírio Abdullah Bilal, 41 anos, que aqui chegou depois de abandonar a devastada cidade de Alepo. “Pensei que íamos enfrentar o mesmo. Mas foi muito pacífico. A polícia disse-nos ‘Bem-vindos à Macedónia; há autocarros e comboios à vossa espera’”.
Mohannad Albayati, ex-habitante de Damasco com 35 anos, a viajar com a mulher, os seus dois filhos e três irmãos, tem consciência de ter dado apenas “um passo”. “Há uma estrada longa até ao meu destino. Com a ajuda de Deus, vou chegar à Alemanha”, afirmou, horas depois de novos confrontos entre a polícia alemã e extremistas que atacaram pela segunda noite um centro de refugiados na cidade de Heidenau, no Leste do país.
Comida e cuidados médicos
Do lado sérvio, onde o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados ajudava as autoridades a registar os recém-chegados e a aumentar a capacidade de acolhimento. Foi aberto um novo centro de trânsito na cidade de Presevo, no Sul do país, para onde as pessoas que iam chegando foram encaminhadas.
“O ACNUR distribuiu stocks limitados de alimentos e, em resposta ao apelo do Governo sérvio, está à procura de novas formas de trazer mais materiais, incluindo colchões, cobertores e tendas”, explica a agência da ONU num comunicado.
Na cidade de Miratovac, junto à fronteira, quem chegava tinha à sua espera as autoridades locais e equipas do ACNUR. Num primeiro acampamento, estava a ser distribuída comida. A maioria das pessoas que por ali passaram entre sábado à noite e domingo estava exausta e muitas precisavam pelo menos de alguns cuidados médicos. Depois desta primeira paragem, seguiam em autocarros para o centro de Presevo, onde mostravam a documentação que possuem e recebiam autorização para seguir viagem.
“Trabalhámos a noite toda. E eles continuam a chegar”, disse à AFP Amet Alimi, membro da Cruz Vermelha destacado em Presevo. Segundo as autoridades sérvias, que esperam que números equivalentes de refugiados cheguem nos próximos dias, os polícias estavam já a trabalhar três turnos seguidos para permitir registar toda esta gente.
O pior da Europa
Notando o apaziguamento que este volte-face permitiu na fronteira que separa a Grécia da Macedónia, a Amnistia Internacional disse-se inquieta com a “sorte incerta” das pessoas que seguem o seu périplo. O objectivo de todos é atravessar a Sérvia em direcção à fronteira Norte, última etapa antes da Hungria e da União Europeia. Ora o Governo da Hungria, que já viu entrar muitos destes refugiados e que se diz “invadida por ilegais”, é o responsável pelo acelerar deste êxodo a partir da Grécia nas últimas semanas.
O país está a construir uma dupla vedação com a Sérvia precisamente para reduzir o número dos que conseguem passar a fronteira – mesmo se a esmagadora maioria quer apenas aproveitar a livre circulação prevista por Schengen (26 países, quase todos da UE) para partir em direcção a outros países. A primeira vedação, constituída por três fileiras de arame farpado ao longo dos 175 quilómetros de fronteira, vai estar pronta até ao fim do mês. A seguir um muro de 3 a 4 metros de altura será erguido atrás do arame farpado.
Na véspera de um encontro no Eliseu entre o Presidente francês, François Hollande, e a chanceler alemã, Angela Merkel, para discutir “a vontade dos dois países em harmonizar as políticas de asilo” na União Europeia, o vice-chanceler alemão, Sigmar Gabriel, afirmou ser “uma vergonha que a maioria dos Estados-membros diga: isto não é nada connosco”.
Bruxelas tem-se mostrado incapaz de lidar com as consequências da maior crise de refugiados no mundo desde que há registo – 60 milhões, segundo a ONU – e um dos problemas de base é ausência de uma política de asilo comum, assim como as atitudes muito diferentes dos governos face a esta tragédia.
Para o ministro dos Negócios Estrangeiros italiano, Paolo Gentiloni, com esta crise a Europa arrisca-se a mostrar “o pior de si própria”. Numa entrevista ao diário Il Messagero, Gentiloni lamentou “o egoísmo e as disputas entre os Estados-membros”. “Hoje, é aqui que a Europa pode redescobrir a sua alma ou perdê-la para sempre.”