Quanta festa vai ser esta do Paredes de Coura lotado?
Foi só o arranque, quarta-feira, mas a verdade é que nunca vimos o Vodafone Paredes de Coura tão preenchido de público no dia inaugural. Com os TV On The Radio a protagonizar um concerto de rock directo como nunca lhes víramos.
O festival, como já reportámos, começou muito antes da primeira banda subir ao palco virado para o sempre magnífico anfiteatro natural (uma das suas imagens de marca mais emblemáticas). Mas quarta-feira começou oficialmente - e com mais público do que alguma vez vimos em Coura naquele que é o habitualmente mais sereno primeiro dia de festival. Jerry The Cat tinha razão. A festa é assunto muito sério.
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O festival, como já reportámos, começou muito antes da primeira banda subir ao palco virado para o sempre magnífico anfiteatro natural (uma das suas imagens de marca mais emblemáticas). Mas quarta-feira começou oficialmente - e com mais público do que alguma vez vimos em Coura naquele que é o habitualmente mais sereno primeiro dia de festival. Jerry The Cat tinha razão. A festa é assunto muito sério.
Cinco horas depois de os Gala Drop criarem o som de um novo transe (é só deles e inclui afro-beat, planar krautrock, pulsar de sintetizador sci-fi e rock cósmico) perante o público que ia chegando do campismo e da vila para se sentar na relva e aproveitar a música daquele final de tarde, os TV On The Radio, a banda mais esperada da noite e, também, a autora do concerto mais convincente e mais celebrado, percebiam quão séria era essa festa.
Os Blood Red Shoes, duo britânico de regresso ao festival quatro anos depois, já tinham visto o seu rock cru, típico daquele início de século XXI em que floresceram as bandas formadas por guitarrista e baterista, provocar os primeiros sinais de surf sobre a multidão, roda de mosh e nuvens de pó a envolver o público nas primeiras filas, mas isto é outra coisa.
Há uma tocha que se acende entre o povo agitado, rasgando a noite com um rasto rubro incandescente. Há uma neblina de pó a levantar-se, culpa do frenesim nas primeiras filas, espoletado pelo entusiasmo gerado pela banda em palco e pela noção de que, se é para fazer a festa e se isto é um concerto rock, então que se faça a festa de acordo com o contexto. E faz-se tanto a festa que os TV On The Radio, pela voz do guitarrista Kyp Malone, sempre imponente nas suas longas barbas já grisalhas, pedem para o pessoal ter algum cuidado. Receia Malone que nos excessos “festivos” alguém saia chamuscado da tochada ou que os indefectíveis da primeira fila sofram com toda a agitação nas suas costas. Aquele cenário é longe de inédito em Paredes de Coura. De facto, este cenário “é”, também, Paredes de Coura. E os TV On The Radio, que já vimos várias vezes em Portugal, mas que só em 2015 se estrearam no festival minhoto, até contribuíram para ele.
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Passado que já não volta
Antes, os americanos Ceremony, vestidos de preto integral, excepção feita aos troncos nus tatuados, mostraram como fazer uma banda que é, na verdade, três bandas (os Joy Division, os Gun Club e os Damned, uma de cada vez, canção a canção). Depois deles, os Blood Red Shoes da elegante e discreta guitarrista Laura-Mary Carter e do endiabrado baterista Steven Ansell rockaram riffalhadas da escola White Stripes, e da escola rock dançável de início dos anos 2000 – o público reagiu com entusiasmo à riffalhada e ao poder tonitruante da bateria, mesmo que, estranhamente, aquele rock que outrora foi tão declaradamente o presente soe agora a passado que já não volta. Os bem mais antigos Slowdive não sofreram do mesmo efeito. A sua música é de outra natureza.
Heróis de culto enquanto representantes do shoegaze que fez escola nos anos 1990, foram abraçados vinte anos depois por uma nova geração, inspirando músicos e encantando novos públicos. Enquanto a voz delicada de Rachel Goswell faz o seu caminho entre as guitarras abrasivas e o estrépito da bateria, ouve-se uma rapariga suspirar para a amiga: “Esta é música é, tipo, oooohhh!, estamos no paraíso”. Paraíso sónico, ruído calmante, o pós-rock por vir (bem) compactado em canções que ambicionam perder-se no som criado e, ao mesmo tempo, não perder de vista uma ideia de pop bem definida.
Ouvimos When the sun hits, 40 days ou Crazy for love. Vemos o público mais embrenhado no concerto fazer o que se faz num concerto de shoegaze, ou seja, fechar os olhos e sonhar a música que retina nos tímpanos. Vemos o público restante a ambientar-se no recinto (já dissemos que está muita, muita gente em Paredes de Coura?), emocionamo-nos com a citação de Golden hair, de Syd Barrett, que dá mote para a despedida do concerto, tocante a espaços pela nostalgia evocada, mas longe de deslumbrar (na verdade, não houve nenhum concerto deslumbrante no dia de arranque do Vodafone Paredes de Coura), e preparamo-nos.
Começa com o palco na penumbra, músicos iluminados por um azul que esconde mais que revela. As vozes de Tune Adebimpe e Kyp Malone reúnem-se num gospel futurista, marca dos primeiros tempos de vida dos TV On The Radio, lá atrás no tempo, há mais de uma década. Começa assim, mas não será assim. A banda que editou o ano passado Seeds, o primeiro álbum após a morte do baixista Gerard Smith, levado por um cancro no pulmão, recentrou o seu foco numa energia rock’n’roll acentuada pela expressividade de Tune Adebimpe, o vocalista altíssimo, de gestos amplos, e pela estridência ácida da guitarra de Kyp Malone, onde se ouvem ecos de turbilhões shoegaze (e ei-lo a pedir um aplauso para os Slowdive), do acid-rock americano da década de 1960 e dos tempos passados com os Tinariwen.
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Foi um concerto directo, sem desvios, sem complexificar o que não precisa de ser complicado. A trompete surgia ocasionalmente para acentuar a urgência da música. Uma urgência que atravessou todo o concerto: sentimo-la em Young liars, memória de 2003, celebrámo-la em conjunto com essa Wolf like me que retém intensidade com que a conhecemos há onze anos, testemunhámo-la em Winter, do último Seeds, a canção mais próxima do rock’n’rool clássico que já lhes ouvimos, ou na cadência obsessiva de Repetition, música feita acesso paranóico resgatado ao álbum Nine Types of Light.
Chegou Staring at the sun, já um clássico, e a banda despediu-se do público que, por aquela hora, parecia ocupar todo o espaço disponível no anfiteatro natural do Vodafone Paredes de Coura. O encore é rápido e intenso como o resto do concerto: dois minutos em aceleração constante. “That’s final”, grita Tune Adebimpe. Não era. No que ao festival diz respeito, aquele fim foi apenas o início.
Estamos na manhã desta quinta-feira e não sabemos o que nos espera quando a noite chegar. Legendary Tigerman faz o teste de som e grita “Alvorada!” para que os campistas percebam que, se não estão ainda acordados, é tempo de abrirem a pestana. Na subida para a vila, gente ainda meio adormecida encaminha-se em piloto automático para a vila.
Hoje, quinta-feira, veremos os Tame Impala, provavelmente a banda mais aguardada do festival, veremos Legendary Tigerman e esse Father John Misty que gera tanta curiosidade. E os Pond, e os White Fence e os Iceage. E para ver tudo isto, Paredes de Coura está cheia como nunca. Que festa vai ser esta? Na manhã desta quinta-feira, aguardava-se com ansiedade a resposta a essa pergunta.