"Há provas das cedências de Paulo Portas aos alemães na compra dos submarinos"

Já havia participado na comissão que avaliou os programas de aquisição de equipamento militar, mas o verdadeiro rastilho foi a comissão de inquérito ao BES de que José Magalhães também fez parte. A documentação que aí teve acesso permitiu-lhe publicar o livro Submarinos.PT

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Porque é que escolheu para subtítulo do seu livro Guia para os perplexos de todas as condições?
Porque tanto o negócio dos submarinos como as investigações que incidiram sobre dois aspectos desse negócio geraram ao longo de uma década, e vão continuar a gerar, enormíssimas perplexidades.

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Porque é que escolheu para subtítulo do seu livro Guia para os perplexos de todas as condições?
Porque tanto o negócio dos submarinos como as investigações que incidiram sobre dois aspectos desse negócio geraram ao longo de uma década, e vão continuar a gerar, enormíssimas perplexidades.

Mas o negócio já foi alvo de comissões de inquérito. Não era mais útil para a sociedade apresentar conclusões?
O livro precisamente procura abordar essas perplexidades com respostas a partir de documentos, constantes sobretudo não do arquivo dos inquéritos parlamentares, mas do arquivo do Ministério Público.

E quais são as respostas que o seu livro acrescenta ao debate mediático sobre este negócio?
O debate mediático foi orquestrado de forma magistral e de forma muito competente para afastar a atenção dos aspectos centrais em que houve vulnerabilidades notáveis, para o focar em aspectos periféricos. A obra de arte suprema é deflagrar um incêndio sobre se Portugal precisa de armamento sofisticado, quando o problema central era sobre se a sua compra tinha sido feita bem ou mal, com corrupção ou sem corrupção. O que significa que andámos a leste. Como reinava o segredo em relação a aspectos centrais, aos aspectos centrais todos, aquilo que discutimos durante uma década foram os aspectos periféricos.

O que é que qualifica como aspectos centrais?
Os protegidos por segredo de Estado, militar, administrativo e de Justiça, numa combinação profundamente afortunada. Se acrescentar a isso o desaparecimento cirúrgico da documentação relativa à participação do BES no consórcio que financiou a operação de compra, tem um puzzle em que os cidadãos, os jornalistas, os deputados foram impedidos de forma drástica de aceder à informação essencial. E só quando houver abertura total dos arquivos é que os investigadores abrirão a boca de espanto como eu abri ao verificar que a resposta para algumas das suas perguntas afinal existia.

E que dados relevantes estavam escondidos e conseguiu desenterrar?
Há muitos exemplos, todos conhecemos o glorioso dia da assinatura do contrato. O que não sabíamos é que depois da assinatura do contrato houve um ultimato da parte alemã que ameaçou fazer a resolução do contrato por ele ser incumprível, tal como tinha sido assinado, tendo obtido nos dias seguintes um recuo do Estado, orquestrado a partir do topo do Ministério da Defesa, posto o que, em 4 de Junho  de 2004, foi assinado o contrato de financiamento, alterando-se vários aspectos do contrato assinado em Abril.

E o que é que provocou o ultimato alemão?
A reformulação do preço, que se calcula através de uma fórmula matemática tão interessante e tão complexa que o Ministério Público não conseguiu, mesmo metendo o Instituto Superior Técnico ao barulho, ter a certeza que o preço pago tinha sido efectivamente calculado de acordo com a fórmula.

Mas as exigências não foram só em relação ao preço, implicavam ainda a estrutura de financiamento, a garantia bancária?
Em todos esses aspectos e muito outros, houve recuos e aceitação de cláusulas extraordinárias, como aquela que obrigou o Estado a pagar 63 milhões de euros por entre a assinatura e a entrada em vigor terem mediado vários meses, entre os quais os que o Tribunal de Contas teve de ter para examinar o contrato. Examinar, aliás, mal, com insuficiência de documentação.

Uma justificação para esses 63 milhões foi a da revisão dos preços dos materiais e da mão-de-obra devido à inflação.
Esse era um primeiro critério, mas acabou alterado. Na verdade, esses cálculos não estão fundamentados e o MP considerou que não havia fundamento legal para os pagamentos.

O que leu permite-lhe apontar um responsável ou responsáveis políticos na má gestão do processo?
Parece-me evidente que a condução do processo ficou a cargo do ministro de Estado e da Defesa.

Está falar de Paulo Portas?
Exactamente. Há provas no processo dos vários actos através dos quais ele determinou que o Estado português fizesse cedências, tanto no contrato de aquisição como no de contrapartidas. E também há evidência do parecer contrário, em muitos pontos, dos peritos militares, até porque o procedimento foi um case study. Na minha experiência de contratação pública não me lembro de um contrato ser assinado e depois alterado à socapa e não ser fiscalizado pelo Tribunal de Contas com acesso a toda a documentação. O que aconteceu neste procedimento foi candidatar a uma corrida para um fornecimento ao Estado um Volkswagen, substituí-lo por um BMW, e depois degradar a composição do BMW até ficar outra vez uma espécie de Volkswagen. A questão é porque é que todos nós fizemos de parvos, durante uma década. Isso só se explica devido aos meandros do Estado secreto.

Porque é que incluiu duas cronologias separadas, uma do negócio e outra das investigações?
Porque revela que só uma pequena parte das diligências surtiram efeito, mas que, apesar de tudo, surtiram algum efeito. O MP conseguiu, graças à cooperação internacional, reconstituir o rasto do dinheiro quase todo e foi por isso que os visados, em vez de seguirem o plano A – que era guardar o dinheiro na Suíça não prestando contas ao fisco – foram obrigados a recorrer ao plano B – recorrer ao RERT [Regime Excepcional de Regularização Tributária] para regularizarem parte da situação. Não foi um fracasso absoluto. Mas a verdade é que a investigação começou tarde, deparou-se com uma série de portas fechadas, arrastou-se no tempo, teve meios ínfimos em relação à complexidade das matérias e tivemos um par de magistrados durante anos a enfrentar a organização do império Espírito Santo. Isso é abordado com o objectivo de levantar interrogações sobre porque é que determinadas diligências só foram feitas tão tardiamente, em 2013 e 2014, dez anos depois da data da assinatura do contrato. Se o negócio gera perplexidades, a investigação também gera perplexidades e exige reflexão virada para a acção e para correcções em metodologias –porque o MP, tendo competências em muitas áreas, não pode actuar descoordenado no STA, no Tribunal de Contas e no DCIAP.

O que é que tem de mudar?
Os pareceres que Augusto Santos Silva [ministro da Defesa entre 2009 e 2011] pediu sobre os contratos se emitidos na altura da sua elaboração teriam ajudado a defender melhor a posição do Estado e do interesse público. Uma maior intervenção preventiva da PGR na elaboração do contrato, a adopção de métodos de transparência.

Tem de se mudar o regime de sigilo e segredo de Estado?
E além disso os arquivos públicos devem ser íntegros e não devem ser objecto de destruição metódica. Um ministro quando cessa não pode fazer desaparecer o seu correio electrónico todo! A documentação sobre a formação de um contrato tem de ser guardada nos arquivos públicos, que não podem desaparecer para os escritórios de advogados privados! Não podem andar num cá e lá! Esse tipo de prevaricações fazem parte da patologia. A PGR, quando intervém, é para concluir que mesmo o mais grosseiro incumprimento não legitimava a não pagar e não consumar a compra dos submarinos. Foram três pareceres de dezenas de páginas do Diário da República em que se conclui que não é possível endireitar a sombra da vara torta

Considera que existe em Portugal uma cultura de segredo que oculta o essencial?
Historicamente, o que houve foi quem, prevalecendo-se e abusando do segredo, sonegava aos tribunais, ao Tribunal de Contas e STA informação absolutamente essencial para poderem exercer as suas competências de forma eficiente.

O processo passou por vários hovernos, tanto do PSD-CDS como do PS. Não identifica no processo erros dos governos do PS?
O XVII e XVIII tentaram endireitar a sombra da vara torta. Como entre o contrato de fornecimento e o contrato de contrapartidas não foi feito nenhum nexo – do tipo se não cumpre as contrapartidas, fica prejudicado o negócio da compra –, os infelizes que tiveram de aplicar o que foi contratado em 2004 tinham os pés e as mãos amarrados.

Falou do Volkswagen que passou a BMW que depois foi despromovido a VW. Mas o momento da mudança dos requisitos do submarino acontece durante um governo PS.
Isso é um mito urbano. É a façanha propagandística numero um de Portas. Eu cito o momento em que se deu a degradação, nomeadamente dos sistemas de armas.

Referimo-nos ao momento em que o submarino alemão ganha especificações que não tinha no início.
Os documentos provam o contrário.

Mas foi em 2000 que a Marinha faz o pedido da inclusão do Air Independent Propulsion…
Uma coisa era discussão em abstracto das especificações. Outra é olhar para a oferta francesa e a alemã dizer qual é a melhor.

Mas os alemães mudam a proposta reforçando o seu submarino…
Ambas as propostas foram sendo ajustadas…

Tanto a francesa como a alemã?
Obviamente.