De que servem as histórias?
Não é por acaso que páginas como a Humans of New York têm sucessos esmagadores nos dias que correm. Com histórias sabemos viver melhor. Sabemos ser melhores
“Não fazes ideia do que me foi acontecer.” Quando alguém ouve estas palavras, fica à escuta para saber mais sobre o tal evento inacreditável. E a verdade é esta: toda a gente tem histórias extraordinárias para partilhar. Dos mais famosos aos mais anónimos, todo o ser humano é ou já foi protagonista de um acontecimento peculiar. Como tal, também já foi ouvido mais que uma vez devido a essa sucessão de episódios que compõem uma história. Mas, afinal de contas, a que se deve esta paixão humana por histórias?
A verdade faz-nos mais fortes
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“Não fazes ideia do que me foi acontecer.” Quando alguém ouve estas palavras, fica à escuta para saber mais sobre o tal evento inacreditável. E a verdade é esta: toda a gente tem histórias extraordinárias para partilhar. Dos mais famosos aos mais anónimos, todo o ser humano é ou já foi protagonista de um acontecimento peculiar. Como tal, também já foi ouvido mais que uma vez devido a essa sucessão de episódios que compõem uma história. Mas, afinal de contas, a que se deve esta paixão humana por histórias?
O amor por saber, ouvir, conhecer histórias é ancestral, milenar e está sobejamente registado e reconhecido. Do Gilgamesh ao Édipo Rei, do cristianismo ao budismo, a civilização ocidental (e não só) está pejada de histórias que coabitam com uma harmonia sem par. Esta tradição quase biológico-patológica viajou até nós, até ao presente, e connosco há-de prosseguir, cravada na carne, até ao futuro mais longínquo, acompanhando a humanidade na sua própria existência.
Não é, portanto, por acaso que páginas como a Humans of New York têm sucessos esmagadores nos dias que correm. Demonstrando uma verdade grandiosa com recurso a um país europeu minúsculo: há poucos dias, foi reeditada a obra Levante-se o Réu, um livro escrito por Rui Cardoso Martins que está repleto de episódios rocambolescos saídos das salas de audiência dos tribunais portugueses. Nele, percebemos que existem muitas notícias nos subterrâneos da sociedade, muito para além daquelas que nos chegam através dos media.
Mas as boas histórias não têm necessariamente de ser verdadeiras. Diz, e bem, o Stephen King que a “boa ficção é a que tem verdade dentro da mentira”. A ficção auxilia-nos na medida em que aprendemos a colocar-nos dentro da roupa do nosso semelhante. Obriga-nos a colocar a pertinente questão: o que faria eu se estivesse no lugar de fulano?
É este o ponto-chave na nossa apetência (sobre)humana de apreciar, compreender e amar histórias – sejam elas nossas ou alheias. Compadecemo-nos perante as realidades que, de outro modo, nos escapariam. E, assim, descobrimos novas formas de cooperação e, em última análise, de sobrevivência. Porque é disto que se trata: sobreviver. A nossa existência assenta na capacidade de crença em histórias. Levada ao extremo, esta ideia permite-nos perceber como acreditamos na possibilidade de dar valor real a pedaçoes de papel manchado a que damos o nome de dinheiro, a riscos sarapintados em alcatrão a que chamamos de regras de trânsito ou a desenhos imperceptíveis que lemos como mapas. Mais importante que isso, com histórias sabemos viver melhor. Sabemos ser melhores. Ouçamo-nos uns aos outros e sejamos mais humanos. Juntos.