Hipocrisias sociais: monogamia
A nossa propensão sexual é biologicamente determinada mas a forma como a satisfazemos é, claramente, um produto cultural
Estou à vontade para abordar este assunto: sou um homem de perfil monogâmico, por isso não falo em causa própria. E nem sequer venho aqui defender a poligamia. Mas incomodam-me as hipocrisias sociais e a monogamia é uma dessas hipocrisias.
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Estou à vontade para abordar este assunto: sou um homem de perfil monogâmico, por isso não falo em causa própria. E nem sequer venho aqui defender a poligamia. Mas incomodam-me as hipocrisias sociais e a monogamia é uma dessas hipocrisias.
Todos sabemos que o comportamento sexual dos seres humanos é condicionado pela cultura. A nossa propensão sexual é biologicamente determinada mas a forma como a satisfazemos é, claramente, um produto cultural.
Basta olhar para a história da humanidade para percebermos como a variedade e a diversidade são a regra. Dito doutra forma, há múltiplas expressões possíveis da sexualidade e não há uma única para a qual estejamos “condenados” a convergir.
Lembremo-nos da Grécia antiga, onde a pederastia era aceite e valorizada (hoje é crime) ao mesmo tempo que o sexo heterossexual era tido como inferior, aceite apenas para fins reprodutivos. Ou do Império Romano, onde as orgias hétero e homossexuais abundavam (nas classes altas) e o que defina a virilidade era o ser-se activo (e não passivo) no acto sexual, não importando o sexo do parceiro.
Pensemos ainda nas sociedades matriarcais, onde o sexo forte (aquele que era mais valorizado socialmente e a quem cabia o papel de “predador”) era o feminino ou em tribos onde a iniciação sexual dos rapazes era homossexual, o que os emancipava para a heterossexualidade.
Enfim, ainda hoje há muita diversidade no mundo. Desde sociedades polígamas (onde existem casamentos entre 3 ou mais pessoas) até às monogâmicas. Umas tolerantes com a homossexualidade, outras completamente repressoras de tais práticas.
Porém, é seguro dizer que, nas sociedades ocidentais, o paradigma é a monogamia. Não só é o padrão culturalmente disseminado como está consagrado na lei: os casamentos polígamos são proibidos. E é mesmo curioso notar que, no mundo ocidental, o tabu da poligamia é maior do que o tabu da homossexualidade, pois que em muitos desses países já é aceite o casamento entre pessoas do mesmo sexo mas não tenho conhecimento de nenhum que aceite a poligamia. Mas não haverá aqui um paradoxo? É que apesar da monogamia ser o tipo de relacionamento socialmente aceite, as estatísticas provam que a monogamia pura é muito rara, uma vez que a incidência de episódios de infidelidade (ora perpetrado pelos homens, ora pelas mulheres) atinge a maioria dos casais (dependendo dos estudos as estatísticas variam, mas é fácil encontrar taxas de infidelidade elevadas).
Entendamo-nos: há razões fortes para a monogamia. Primeiro, porque as pessoas apaixonadas tendem a ser verdadeiramente monogâmicas. Depois, porque não é nada claro que a poligamia fosse mais conducente à felicidade (se já dá tanto trabalho manter uma relação familiar monogâmica, quanto mais não dará manter uma poligâmica?). Porém, a realidade (aferida pelas estatísticas ou pelas vivências de cada um) prova que devemos debater a questão e esbater o tabu: se há tantas pessoas a comportarem-se como polígamas, não seria mais racional aceitá-lo social e legalmente, deixando cair a hipocrisia?