Três novas causas a caminho do Parlamento
Os direitos dos cidadãos com deficiência; os direitos dos transexuais; os direitos dos precários — ainda que só uma das três candidatas deste artigo esteja em lugar elegível, todas têm uma vontade férrea de mudar a sociedade, até porque, em alguns casos, elas próprias são o rosto dessa mudança.
Ana Sofia Antunes: “Um país que não respeita os seus deficientes não tem respeito por si próprio”
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Ana Sofia Antunes: “Um país que não respeita os seus deficientes não tem respeito por si próprio”
Não gosta da expressão invisual, considera-a politicamente correcta. Prefere cega ou deficiente visual. Ana Sofia Antunes, 33 anos, é provedora do cliente da EMEL, presidente da ACAPO - Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal e está em lugar elegível nas listas do PS por Lisboa, o que significa que deverá ser a primeira deputada cega a sentar-se no hemiciclo, depois das legislativas. Tem vontade de mudar o que já devia ter sido mudado e não tem medo das palavras: “Um país que não respeita os seus deficientes não tem respeito por si próprio.”
Nasceu com deficiência visual, frequentou uma escola especializada nos primeiros anos e depois fez todo o percurso escolar até à faculdade enfrentando e superando as dificuldades que existiam, e existem. Isso fê-la perceber o muito que ainda há por fazer em relação a pessoas com deficiência visual ou outras deficiências. É uma activista, com um longo caminho na ACAPO - Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal, de que é presidente desde Janeiro de 2014.
Quando foi convidada para integrar as listas do PS como independente, ficou surpreendida, mas “feliz”. Se ganhar e se sentar no Parlamento, será a primeira deficiente visual a fazê-lo. É simbólico. Já vem tarde, lamenta.
“Nós, ao contrário de outros países europeus, nunca tivemos pessoas com deficiência a ocupar cargos como deputados ou no Governo”, nota, considerando que essa lacuna, em termos de representação, “diz muito” sobre a própria sociedade e sobre o país. Por isso, não podia recusar o desafio: “Aceitei com muito orgulho. Mais do que a minha ida para o Parlamento, é uma abertura de portas para as pessoas com deficiência.”
Sabe que o que esperam dela é que leve as questões relacionadas com a inclusão e a igualdade para a Assembleia da República. Ainda assim, não pretende fechar-se “numa espécie de gueto”, com apenas uma causa, uma bandeira. Não se é eleito apenas por um conjunto de cidadãos, mas “por todos”, ressalva.
Apesar de ter essa ideia presente, quando questionada sobre o que pretende fazer caso venha a sentar-se no hemiciclo, Ana Sofia Antunes tem as respostas todas na ponta da língua. São muitas as propostas. Dois exemplos apenas: quer bater-se pelas medidas compensatórias dos custos da deficiência e pela criação de uma lei de bases da vida independente.
Sobre o primeiro ponto, diz que “há estudos de entidades independentes que demonstram aquilo que é a realidade das pessoas com deficiência e o que significa a mais no orçamento familiar”.
“Obviamente que existem algumas medidas a nível fiscal que tentam minorar o impacto a nível do IRS, mas não são suficientes. O que temos é uma dedução à colecta um pouco superior às restantes pessoas”, explica. E o que Ana Sofia Antunes defende que deve ser estudado é a existência de “um complemento” que permita fazer face a despesas adicionais.
“Se tenho uma deficiência motora, não tenho culpa de ter nascido com esta característica”, argumenta, acrescentando que apoiar estas pessoas chama-se Estado Social. Se tal não acontece, “é um país que não respeita os seus deficientes”. E um país que não respeita os seus deficientes é “um país que não tem respeito por si próprio”.
Sobre a criação de uma lei de bases da vida independente, explica que se pretende analisar “de que forma é que as verbas investidas pelo Estado a institucionalizar pessoas podem ser atribuídas directamente à pessoa para viver de uma forma autónoma, na sua habitação”, ou seja, os montantes podiam servir para pagar a assistentes que auxiliassem as pessoas com deficiência em casa.
Ana Sofia Antunes trabalhou na Câmara Municipal de Lisboa entre 2007 e 2013, era então presidente o actual secretário-geral socialista António Costa. Licenciada em Direito pela Universidade de Lisboa, fazia assessoria jurídica no departamento da mobilidade.
Foi já depois de ter feito estágio, entrado na Ordem dos Advogados e exercido um ano de advocacia que recebeu o convite para ir para a câmara. Lá, começou a mexer-se, a querer fazer mais, a mostrar preocupação com as barreiras arquitectónicas em Lisboa, por exemplo. Fez parte de um grupo pequeno que começou um plano de acessibilidade pedonal na cidade.
Ana Sofia Antunes, que cresceu em Corroios, Seixal, frequentou uma escola especializada nos quatro primeiros anos. Além das outras disciplinas, aprendeu Braille, dactilografia, “fundamental” no uso que faz do computador actualmente, e estenografia. Depois foi para o ensino regular no qual já sentiu “lacunas a nível de apoios”.
Na faculdade, gravou muitas aulas para poder estudar. No 2.º ano os pais deram-lhe um computador, “uma grande revolução”. O computador de Ana Sofia Antunes tem um software próprio, que lhe permite ler.
- Isabel Pires: “Nunca pensei que o mercado laboral me interessaria tanto, a vida ensina-nos muito”
- Júlia Pereira: “Nunca deixei de ser discriminada e o medo acompanha-me”