Como criar um país sem sair de casa

São olhados de lado pelas pessoas sérias, e é fácil tomá-los por loucos ou excêntricos. Criam países em casa ou na Internet, mas muitos deles só querem tornar o mundo real um pouco menos aborrecido.

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Quem não se lembra daquela vez em que o Ducado de Grand Fenwick, uma minúscula nação perdida na imensidão dos Alpes franceses, declarou guerra aos poderosos Estados Unidos da América com um ridículo exército de 20 e poucos homens, armados com arcos e flechas, e saiu vencedor? Os historiadores continuam a ignorar este feito, mas quem viu a comédia O Rato Que Ruge, de 1959, ou leu o livro que lhe deu título, nunca esquecerá o dia em que as nações mais pequenas do mundo vergaram as grandes potências e forçaram-nas a seguir o caminho da paz. Mais de meio século depois, muitas outras nações imaginárias como o Ducado de Grand Fenwick continuam a tentar construir o seu próprio mundo, longe da realidade das Nações Unidas e da monotonia de quem insiste em levar-se a sério, mas muito perto do absurdo ou da pura diversão.

São conhecidas como micronações, apesar de o termo servir para definir quase tudo menos uma equipa de futebol. Há micronações no quarto, na sala, numa propriedade relativamente grande, ou sem as restrições de espaço que a Web permite. As que se levam a sério — ou as que dizem levar-se a sério — acabam por ter os seus 15 minutos de fama, como é o caso da República Livre de Liberland, autoproclamada em Abril passado pelo checo Vit Jedlicka, um jovem político de 31 anos fascinado com os ideais libertários.

Jedlicka, membro do Partido dos Cidadãos Livres, foi entrevistado por rádios, jornais e estações de televisão europeus e norte-americanos, fascinados com a sua ideia de reclamar soberania sobre um pedaço de terra na fronteira entre a Sérvia e a Croácia, aproveitando-se de uma disputa que está por resolver desde o fim da II Guerra Mundial. Em poucas semanas, a autoproclamada República Livre de Liberland foi inundada com dezenas de milhares de pedidos de cidadania, de todos os cantos do mundo, de pessoas que partilham os ideais libertários de Vit Jedlicka: impostos e intervenção do Estado reduzidos ao mínimo; respeito total pela propriedade privada; e uma tolerância sem limites em relação à vida íntima e às crenças de cada pessoa — desde que “não tenham um passado comunista, neonazi, ou qualquer outro extremismo”, como se pode ler no site oficial.

O problema é que a autoproclamada “República Livre de Liberland” foi concebida na cabeça de Vit Jedlicka mas quer nascer num local pouco hospitaleiro. Apesar da exposição mediática do seu fundador, o Governo da Croácia já disse que a ideia não passa de uma piada — e até ordenou a detenção de Jedlicka por duas vezes, obrigando-o a pagar uma multa por atravessar a fronteira de forma ilegal; a Sérvia referiu-se a Liberland como um “assunto fútil”; e o Governo da República Checa, pátria de Vit Jedlicka, disse que as acções do seu compatriota são “inadequadas e potencialmente nocivas”. Talvez por isso, o Egipto viu-se obrigado a assumir uma posição pública, depois de as notícias sobre Liberland e as entrevistas ao seu fundador terem captado o interesse de milhares de egípcios nas redes sociais. “Muitos jovens são manipulados, e há associações criminosas que se apoderam do seu dinheiro. Aconselhamos cautela, e apelamos aos jovens que peçam informações nos nossos consulados”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros do país, Badr Abdel Atty, num alerta contra possíveis “fraudes”.

Ao contrário da República Livre de Liberland, há inúmeras micronações que têm noção dos seus limites, como a República de Molossia, autoproclamada pelo norte-americano Kevin Baugh no seu terreno, no deserto do Nevada, e que passam mais despercebidas. Mas a troca acaba por compensar: apesar de os seus líderes não serem ouvidos pela CNN, pelo The New York Times ou pelo The Guardian, estas micronações são infinitamente mais divertidas.

Tal como na versão cinematográfica do Ducado de Fenwick, cujos destinos eram liderados pela duquesa Gloriana XII (Peter Sellers), pelo primeiro-ministro Rupert Muntjoy (Peter Sellers) e pelo chefe das forças armadas Tully Bascome (Peter Sellers), também a República de Molossia, fundada e liderada por Sua Excelência, o Presidente Kevin Baugh, está em guerra. A diferença é que esta micronação de faz-de-conta envolveu-se num conflito armado com um país que já não existe: a República Democrática Alemã.

Sentado na cadeira do poder, e vestido à melhor maneira de um ditador militar sul-americano saído de décadas passadas, Sua Excelência — como insiste em assinar a correspondência trocada com a Revista 2 — conta a história: “A Alemanha de Leste ainda existe, na forma de uma pequena ilha na costa de Cuba, que foi oferecida por Fidel Castro nos anos 70. Tecnicamente, essa ilha ainda é território da Alemanha de Leste, apesar de não ser habitada. Por isso, declarei-lhe guerra em 1983, quando era primeiro-ministro de Vuldstein, a anterior designação da República de Molossia. Nunca mais me lembrei da declaração de guerra, mas encontrei-a há alguns anos, nos meus ficheiros. Foi então que descobri que a Alemanha de Leste ainda existe — na forma dessa ilha — e que a nossa guerra está em curso, e assim vai continuar, provavelmente para sempre.”

A ilha a que Kevin Baugh se refere chama-se Ernst Thälmann, e foi assim nomeada por Fidel Castro em memória do líder do Partido Comunista alemão durante a república de Weimar, entre o fim da Grande Guerra e a ascensão ao poder dos nazis de Adolf Hitler. Preso em 1933, Thälmann passou 11 anos na solitária e foi executado em 1944. A ilha com o seu nome não é — nem nunca foi — território da Alemanha de Leste; Castro apenas lhe mudou o nome, durante uma visita a Cuba do então líder da RDA, Erich Honecker. Adiante — se há coisa que a República de Molossia não tem, é um Ministério para os Assuntos Sérios.

Kevin Baugh é um norte-americano de 52 anos, nascido em Dayton, no estado do Nevada, e trabalha “no departamento de recursos humanos de uma grande empresa”, que insiste em não querer identificar.

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A ideia de criar a sua própria nação surgiu há quase 40 anos, em 1977 — para quem tem a matemática enferrujada, ou simplesmente não queira perder tempo a voltar atrás no texto, Kevin tinha apenas 14 anos de idade. Mas, afinal, as memórias do Presidente (e “ditador benévolo”, segundo a sua própria definição) levam-nos de volta aos primeiros parágrafos.

“Eu e o meu amigo James [Spielman] vimos um filme antigo com o Peter Sellers, O Rato Que Ruge, e pensei que seria divertido criar a nossa própria nação. Fizemos uma bandeira, a nossa própria moeda e as nossas leis. Mais tarde, ele desistiu, mas eu continuei com a ideia, e quando comprei um terreno no Norte do Nevada mudei o nome da propriedade para República de Molossia, hasteei a bandeira e comecei a construir a nação.” Loucura? Delírio? Nada disso, diz Kevin Baugh — para ele, Molossia “foi sempre um símbolo de soberania pessoal, criatividade, imaginação, e um pouco de sátira”. O seu lema resume bem a ideia de que “o humor é algo muito sério”, uma frase atribuída ao escritor, jornalista, cartoonista e etc. James Thurber, e replicada por milhões de outros seres humanos, antes e depois do aparecimento do Twitter: “Nós divertimo-nos em Molossia, mas Molossia não é uma brincadeira.”

Hoje em dia, a República de Molossia é um terreno de 5000 metros quadrados, cercado por todos os lados pela localidade norte-americana de Dayton e pelos restantes Estados Unidos da América. Tem bandeira e moeda próprias (a valora), e a capital chama-se Baughston (qualquer relação com o nome do “ditador benévolo” Baugh não é pura coincidência).

Quase nada falta à República de Molossia — se esquecermos os pormenores do reconhecimento internacional e/ou a capacidade de fazer negócios com países a sério. Caminho-de-ferro? Molossia tem: é uma réplica em miniatura, com uma estação a condizer, que Kevin Baugh opera sempre que é necessário. Cemitério? “Check.” Uma praça central gigantesca? Molossia tem, só que não é nem central, nem gigantesca: é constituída por uma pequena fonte e dois bancos de jardim, enquadrados pela bandeira e por um canhão que não faz mal a ninguém vai para séculos. E, mais importante do que tudo o resto, tem um povo.

“Temos 28 cidadãos, incluindo os nossos cães”, diz à Revista 2 Kevin Baugh. “Seis seres humanos e cinco cidadãos cães vivem em Molossia, e os restantes vivem fora do país, nos EUA, como expatriados.” Quem estiver interessado em juntar-se a Kevin, à sua mulher — a primeira-dama de Molossia — e aos seus filhos, o melhor é pensar em alternativas: “Desculpem, mas não estamos a aceitar novos cidadãos. O nosso país é pequeno de mais.”

Mas as visitas são bem-vindas. O importante é deixar uma “pequena contribuição” no posto fronteiriço — controlado por um boneco chamado Fred — e respeitar a lei: nada de lâmpadas incandescentes e sacos de plástico, “porque são maus para o ambiente”; armas e tabaco; missionários e vendedores; cebolas e morsas; e “tudo o que vier do Texas, excepto a cantora Kelly Clarkson”.

A vida na República de Molossia — ou na vivenda da família Baugh, como diriam os mais circunspectos observadores internacionais — é igual a tantas outras em repúblicas de faz-de-conta fundadas em terrenos particulares: como não há dinheiro para empregados, é Sua Excelência quem mete as mãos à obra e varre a praça, poda as árvores e atende o telefone. Os três filhos mais pequenos — todos membros dos Rangers de Molossia, os escuteiros lá do sítio — beneficiam das vantagens de viverem numa micronação que é um gigantesco parque de diversão e de educação.

O Ministério para a Exploração Aérea e Espacial da República de Molossia lançou em 2002 o seu primeiro foguetão (um modelo Tidal Wave, que ainda se pode comprar no eBay por cerca de 40 euros), e desde então já inaugurou o Observatório Nacional (um telescópio) e um Monumento Espacial (um pequeno foguetão espetado em varas de alumínio), ex-líbris do Cosmódromo Alphonse Simms e Campo de Broomball.

Quando não está a cuidar da república com vassouras e aspiradores, nem a responder a perguntas de jornalistas portugueses, Kevin Baugh passa horas no deserto do Nevada a lançar e a apanhar pequenos foguetões, que descem de pára-quedas muito mais devagar do que o entusiasmo dos seus filhos.

Mas, afinal, como se financia um banco, uma estação de correios, uma sociedade de geografia e um instituto de vulcanologia, entre muitas outras actividades de faz-de-conta? “A maioria das receitas de Molossia são enviadas por cidadãos convidados a trabalhar nos EUA. Também fazemos algum dinheiro com a venda de artigos turísticos. Desde o início do ano já recebemos 30 turistas. Pode não parecer muito, mas é um verdadeiro feito, se tivermos em conta o tamanho e a localização da nossa nação, no deserto do Nevada”, explica Baugh.

Da conversa com Sua Excelência, o Presidente de Molossia — ou, para sermos mais correctos, Sua Excelência, o Presidente Grande Almirante Coronel Doutor Kevin Baugh, Presidente de Molossia, Protector da Nação e Guardião do Povo, como se pode ler no seu site —, ficou uma promessa a Portugal. A inquietação justifica-se porque Molossia tem uma armada (três barcos insufláveis), de que Kevin Baugh é, de forma pouco surpreendente, chefe do estado-maior, e Portugal tem uma das maiores zonas económicas exclusivas do mundo.

“Envio calorosas felicitações do povo de Molossia à nação e ao povo de Portugal. Um sítio belíssimo, que espero visitar um dia. Prometemos não violar as vossas águas territoriais.”

São tantas as micronações espalhadas por esse mundo fora, que o gigante dos guias turísticos, a Lonely Planet, lançou um livro, e Hollywood tem um filme na calha, com o originalíssimo título provisório Micronações, em que o actor Jack Black vai desempenhar um papel inspirado no Presidente de Molossia.

“Sim, o Jack Black, o [actor, realizador e argumentista] Jared Hess e vários produtores vieram cá fazer pesquisa para o filme, que é inspirado em Molossia. Ele garantiu-me que eu e a primeira-dama vamos ter um pequeno papel no filme, por isso vamos chegar em breve ao cinema!” Embrulha, Vit Jedlicka e os 15 minutos de fama da tua Liberland.

Mas antes do filme, o livro: Micronations: The Lonely Planet Guide to Home-Made Nations foi publicado em 2006, por obra e graça dos australianos John Ryan, George Dunford e Simon Sellers.

Ryan, nascido em Melbourne há 44 anos e formado em História da Arte e em Estudos Cinematográficos, teve a ideia quando era editor do site da Lonely Planet, influenciado pela história de uma micronação australiana chamada Província de Hutt River, fundada em 1970.

“No início, apreciei o humor e a excentricidade do Príncipe Leonard [chefe de Estado da micronação actualmente conhecida como Principado de Hutt River], e a sua luta contra o governo sobre as taxas aplicadas ao trigo. À medida que fui crescendo, fui-me interessando cada vez mais pelos conceitos de soberania e Estado-nação, a partir do caso de Hutt River. Eu sabia que aquilo não era realmente um país, mas não conseguia perceber porquê. Então, comecei a encontrar cada vez mais micronações em todo o mundo. Era um movimento”, recorda o co-autor do guia da Lonely Planet em conversa com a Revista 2. (Sim, também há micronações em Portugal — como o Reino Unido de Portugal e Algarves —, mas nenhuma tem uma armada de barcos insufláveis, nem opiniões públicas sobre a cantora Kelly Clarkson.)

O primeiro obstáculo que John Ryan encontrou quando pensou em escrever um guia sobre micronações foi, provavelmente, o mesmo com que muitos leitores se depararam quando começaram a ler este texto: “Pensei que era uma boa ideia, mas a maioria das reacções foram de indiferença e mesmo de confusão.”

Até que a ideia chegou ao colo de Roz Hopkins, que editara o sucesso The Travel Book na Lonely Planet. “Ela percebeu a ideia imediatamente”, conta o autor do guia sobre micronações. “O único problema é que só me deu quatro meses para escrever o livro. Por isso, convidei dois amigos que partilham comigo o interesse sobre micronações e o absurdo. Pesquisei e escolhi as nações, defini a estrutura do livro e os três partilhámos a escrita. Foi mesmo à justa, mas cumprimos o prazo.”

E qual será a mais fascinante das micronações, segundo a opinião de um especialista certificado e autor publicado? A resposta surge sem hesitações, e poderia servir para fechar o círculo, se este texto acabasse aqui. “A micronação mais deliciosa que eu encontrei foi a República de Molossia, de Kevin Baugh. Para mim, é o exemplo perfeito da natureza bem-humorada e do espírito livre do melhor que as micronações têm para oferecer. Ele é muito divertido, mas está realmente a criar o mundo em que quer viver. Por vezes, as micronações resvalam para projectos de eremitas armados, com comportamentos libertários extremistas. Molossia — e muitas outras micronações experimentais — é o oposto. No geral, os líderes de micronações estão apenas a divertir-se, mesmo que tenham sido espicaçados por algo que consideram ser uma injustiça”, considera John Ryan.

O fenómeno das micronações modernas levou um empurrão estratosférico em meados da década de 1990, cortesia da Internet. Mas a ideia de construir um país de faz-de-conta com alicerces no sentido de humor — seja com território, apenas virtual, ou imaginário — é muito mais antiga do que a expressão “à distância de um clique”. Em 1977, mais precisamente no dia 1 de Abril, o jornal britânico The Guardian publicou um suplemento de sete páginas sobre o arquipélago imaginário de San Serriffe, constituído por duas ilhas em forma de ponto e vírgula; e as repercussões foram “muito além dos sonhos mais delirantes”, disse-nos um dos jornalistas que participaram na brincadeira.

Tim Radford, jornalista do Guardian durante 32 anos, onde foi editor das secções de Artes, de Literatura e de Ciência, distinguido por quatro vezes como melhor jornalista de Ciência britânico, recorda “o episódio de San Serriffe como um dos momentos mais felizes e privilegiados de uma longa carreira no jornalismo”.

“A ideia inicial era que a ilha tivesse origens espanholas, localizada no Atlântico, mas, depois de um terrível desastre aéreo nas ilhas Canárias, a localização foi mudada à última hora para o Índico, e os nomes dos colonizadores foram alterados para nomes portugueses.” Calma, caixa de comentários: “San Serriffe não foi uma piada sobre Espanha ou Portugal, mas sim sobre a Grã-Bretanha e os britânicos”, explica o jornalista.

“A relação colonial portuguesa existia nas nossas cabeças. Precisávamos de uma ideia geral, um contexto simples para que os detalhes pudessem fazer sentido, e naquela época todos nós tínhamos idade suficiente para nos lembramos de Goa e Macau como territórios portugueses”, justifica.

Resultado? Um dos correspondentes do Guardian foi à BBC na qualidade de cônsul britânico em San Serriffe desmentir “a lamentável cobertura jornalística” sobre o arquipélago; e poucas horas depois de o suplemento ter chegado às bancas, o jornal recebeu uma carta de um grupo auto-intitulado Frente de Libertação de San Serriffe, conta o jornalista, reformado há dez anos. “Os nossos leitores entraram na brincadeira. Nas semanas seguintes, recebemos cartas de candidaturas à Universidade de San Serriffe, agentes de viagens telefonaram-nos a perguntar se aquilo era mesmo uma piada, e depois diziam com voz pesarosa: ‘É pena, podíamos vender muitos pacotes de viagens.’ Por essa altura, o Ministério da Administração Interna queria deportar dois americanos, e um deles pediu para ser deportado para San Serriffe. A deportação foi adiada porque o Ministério dos Negócios Estrangeiros teve de confirmar que não existia nenhum sítio com aquele nome.”

Dez anos depois, do outro lado do Atlântico, no Canadá, um miúdo que frequentava a escola primária teve também a ideia de criar o seu próprio mundo. Mas a imaginação de Eric Lis não ficou fechada num pequeno país — preferiu pensar em grande, e assim nasceu o Império Aericano (Aerican Empire no original, um trocadilho com “império americano” e o primeiro nome do seu criador).

Mais dez anos passados, em 1997, e o Império Aericano aproveitava a boleia da Internet para alargar os seus domínios.

Influenciado pelo humor dos Monty Python e pelos filmes de Mel Brooks e do trio formado por John Abrahms e os irmãos Zucker (Airplane, de 1980, ou Top Secret, de 1984), Eric foi tornando o seu império cada vez mais “silly”, chegando a reclamar soberania sobre uma porção de território na Lua.

“Sem dúvida que houve períodos em que tivemos mais elementos ficcionais. No final da década de 1980 e na década de 1990, por exemplo, assumimos a soberania de centenas de planetas e tínhamos descrições detalhadas de muitas raças sensíveis que habitavam neles. Mas o coração do Império Aericano sempre foi muito real para nós”, conta à Revista 2 Eric Lis, agora na pele de psiquiatra com consultório próprio em Montréal, e investigador no Centro Médico da Universidade McGill. Mais: o homem que alimenta desde criança uma vida paralela num império imaginário que nunca saiu da Internet é director dos Laboratórios de Percepções Psiquiátricas sobre Tecnologias Emergentes, numa universidade que deu 12 Prémios Nobel ao mundo real, cinco deles na categoria Psicologia ou Medicina.

Então, terá sido o psiquiatra uma criação do miúdo com sonhos do tamanho de um império? “É uma pergunta difícil. Fundei o Império quando era muito jovem, na prática fez sempre parte da minha vida. Diria que as minhas experiências ensinaram-me a ter uma mente aberta em relação ao que é e ao que não é possível. Para além disso, como passei a maior parte da minha vida a colaborar com pessoas de diferentes culturas, com crenças diferentes, percebi a riqueza do mundo em que vivemos, e isso contribuiu sem dúvida para o meu interesse sobre psicologia e, mais tarde, sobre a psiquiatria”, reflecte Eric Lis.

Na Universidade McGill, o imperador Eric estuda “a forma como as pessoas entendem, usam e temem os avanços tecnológicos, em particular as tecnologias de comunicação e as redes sociais”, uma área de interesse que admite ter resultado da sua própria experiência de “como a Internet teve um papel tão importante” na sua vida — a tal ponto que o seu laboratório está a preparar a realização de estudos “sobre saúde mental e traços de personalidade dos micronacionalistas”.

Eric tem noção de que algumas pessoas olham para ele — e para o seu império de faz-de-conta — e não conseguem ver para além do excêntrico. Para ele, isso nunca foi nem nunca será um problema: “A maioria das pessoas tem uma visão muito redutora do que faz sentido e do que não faz sentido, e imagino que isso torna o mundo delas mais aborrecido do que o meu. Contesto a ideia de que uma coisa engraçada não pode ser também séria, importante ou com significado. O maior problema deste mundo é que as pessoas que estão no poder tendem a não ter a capacidade para se rirem delas próprias e das suas crenças.”

E se, ainda assim, alguém continuar a pensar que o imperador de faz-de-conta é doido, o psiquiatra defende-o: “Tenho um emprego, que adoro. Tenho amigos e família, que gostam de mim e que me respeitam, e tenho mantido relações amorosas duradouras. Segundo todas as classificações de distúrbios psiquiátricos, ninguém que cumpra todos estes requisitos tem um problema de saúde mental.”