Catalunha: como chegar à independência em minoria?

A próxima legislatura será inevitavelmente marcada por um debate constitucional que, entre outros pontos, tocará o figurino das autonomias e o tema do federalismo. Mas, antes disso, haverá o 27-S, um “plebiscito” sobre a independência que muito pesará nas legislativas espanholas e no futuro debate constitucional. Hoje falamos da Catalunha.

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A próxima legislatura será inevitavelmente marcada por um debate constitucional que, entre outros pontos, tocará o figurino das autonomias e o tema do federalismo. Mas, antes disso, haverá o 27-S, um “plebiscito” sobre a independência que muito pesará nas legislativas espanholas e no futuro debate constitucional. Hoje falamos da Catalunha.

2. O problema dos independentistas é complicado: como chegar à independência com uma base minoritária na população? É em torno desta questão que roda a política catalã e se desenvolve um clima de tensão.

Para contornar a inconstitucionalidade, Mas teve o cuidado de, na convocatória, não falar em independência. Só no dia seguinte pôs as cartas na mesa: estas eleições “devem servir para responder à pergunta se os catalães querem um Estado independente”. Explicou que “68 deputados [maioria absoluta em 135] é o mínimo a partir do qual se terá ganho o plebiscito. (...) De 68 para cima, ganha o sim. Com menos de 68, ganha o não.”

Com esses 68 deputados, o parlament aprovaria uma Declaração Unilateral de Independência no prazo de seis meses. A “secessão unilateral” seria completada em 18 meses e, no fim, ratificada por referendo. 

O paradoxo é que seria possível obter a maioria absoluta com 45% dos votos — prevalecendo sobre os 55% desfavoráveis à independência. David Fernandez, da Candidatura de Unidade Popular (CUP, independentista) é mais prudente: a independência só será “irreversível” com 55% dos votos e dos mandatos.

3. Os três partidos independentistas — Convergência Democrática da Catalunha (CDC, de Mas), a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC, de Oriol Junqueras) e a CUP uniram-se numa única lista — Juntos pelo Sim. A lista única, encabeçada por “independentes”, tem duas vantagens: reforça a imagem de plebiscito e permite obter mais deputados graças ao método de Hondt. E traduz uma mudança política: após o pacto entre a CDC e a ERC, que o La Vanguardia qualificou como “o big bang da política catalã”, quem de facto lidera o processo não é Mas mas o radical Junqueras. 

As sondagens indicam que os independentistas são minoritários e estão a perder terreno. Segundo a sondagem de Julho do Centro de Estudos de Opinião (da Generalitat), 42,9% dos catalães querem um Estado independente contra 50% que se lhe opõem. O terreno eleitoral é mais favorável aos soberanistas, o “eleitorado motivado”, sendo a abstenção muito maior entre os que se identificam como “catalães e espanhóis”. Mesmo assim, nas municipais de Maio os partidos independentistas somaram 1.400.000 votos contra 1.560.000 dos partidários de outras soluções. 

Então, como ganhar? Através de uma maciça ofensiva na rua e na comunicação, criando um agressivo e electrizante clima nacionalista. O momento crucial será o 11 de Setembro, a Diada, dia de grandes mobilizações em que os soberanistas comemoram a derrota catalã de 1714. Já está a ser preparada pelas associações cívicas nacionalistas, como a Assembleia Nacional Catalã, com 17.000 “soldados” no terreno. Artur Mas dá o tom: “Madrid passará por cima de nós sem misericórdia se não ganharmos.”

Nada foi deixado ao acaso: a campanha eleitoral começa na noite de 11 de Setembro — no fim da Diada.

 
4. A Catalunha vive um clima de desafio ao Estado, às leis e à Constituição — maciçamente referendada pelos catalães em 1978. Ada Colau, presidente de Barcelona eleita numa lista apoiada pelo Podemos, declarou que iria desobedecer às “leis injustas”. Francesc Homs, “número dois” do governo catalão, defende a violação da “lei espanhola” se ela entrar em choque “com o mandato democrático do povo da Catalunha” nas próximas eleições. E equipara a legalidade vigente à do franquismo: “Na época de Franco também havia uma legalidade.”

Xavier Vidal-Folch, director adjunto do El País, qualificou o plano de Mas e Junqueras sobre Declaração Unilateral da Independência com a simples maioria absoluta como “um golpe contra a Catalunha”. Não desafia apenas a Constituição. Viola o Estatut catalão, que exige uma maioria de dois terços para ser alterado. Para a secessão... bastaria metade dos deputados mais um. 

Francisco Morente Valero, da História da Universidade Autónoma de Barcelona, frisa que a secessão catalã seria um caso único no mundo: “A primeira vez que um território acederia à independência (fora o caso de guerra) com uma votação inferior a metade e mais um dos votos obtidos.” A decisão do Tribunal Constitucional canadiano sobre o Quebeque, que serve de referência internacional, acentua que “a independência deve, em qualquer caso, ser o resultado de amplas maiorias”.

E o “direito a decidir”? O jurista Jean-François Gaudreault-DesBiens, da Universidade de Montreal, adverte que “salvo raras excepções no Direito Internacional, (...) não existe nenhum direito positivo para dissolver [Estados] por via da secessão unilateral.”

5. A maioria dos catalães (63%) teme o cenário do “choque de comboios”: pensam que há poucas possibilidades de Madrid e Barcelona chegarem a um acordo sobre o estatuto da Catalunha. Só 32% admitem que a independência seja possível num futuro próximo. Será bom esperar pela próxima legislatura espanhola. Com alguma cautela.

Declarou ao La Vanguardia um diplomata de “um importante país” europeu: “O momento mais crítico da questão da Catalunha pode estar entre princípios de Outubro e os primeiros dias de Dezembro. Nas oito ou nove semanas que medeiam entre as eleições catalãs e as eleições gerais, existe um verdadeiro risco de acidente político em Espanha.”

Conclui: “Depois, uma vez constituído o novo parlamento espanhol, entra-se noutra fase. Saber-se-á qual é a nova relação de forças. Tudo será muito complicado mas podem abrir-se espaços de diálogo.”