Um shot de vodka para o stradivarius que voltou a casa 35 anos depois
As filhas do polaco Roman Totenberg só têm pena que o pai não tenha podido voltar a tocar com o violino roubado. Mas festejaram o dia como ele teria feito – com um shot de vodka.
O instrumento, feito em 1734 pelo luthier italiano Antonio Stradivari e roubado do escritório de Totenberg depois de um concerto na Escola de Música Longy, em Cambridge, há 35 anos, acaba de ser devolvido às suas herdeiras depois de recuperado das mãos da ex-mulher de um outro músico, numa história com contornos rocambolescos. Totenberg, que chegou aos Estados Unidos em 1938 e ali viveu até aos 101 (morreu em 2012) anos, tocando com as melhores orquestras e ensinando nas melhores escolas, teria gostado de saber que o seu stradivarius encontrara o caminho de volta para casa e que a pessoa a quem atribuíra o roubo era, de facto, o ladrão.
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O instrumento, feito em 1734 pelo luthier italiano Antonio Stradivari e roubado do escritório de Totenberg depois de um concerto na Escola de Música Longy, em Cambridge, há 35 anos, acaba de ser devolvido às suas herdeiras depois de recuperado das mãos da ex-mulher de um outro músico, numa história com contornos rocambolescos. Totenberg, que chegou aos Estados Unidos em 1938 e ali viveu até aos 101 (morreu em 2012) anos, tocando com as melhores orquestras e ensinando nas melhores escolas, teria gostado de saber que o seu stradivarius encontrara o caminho de volta para casa e que a pessoa a quem atribuíra o roubo era, de facto, o ladrão.
As autoridades resgataram o valioso instrumento no passado dia 26 de Junho, num hotel de Manhattan, quando uma mulher que herdara o instrumento do ex-marido o levou a um especialista para que o avaliasse. Reconhecendo o violino que tinha à sua frente, o avaliador alertou o FBI, que o confiscou em seguida.
A mulher fora casada com Johnson, um músico que à época andaria na casa dos 20 anos de quem Totenberg suspeitara. Infelizmente, em 1980, as suspeitas do professor e violinista polaco não passavam de um palpite, o que impediu as autoridades de revistarem o apartamento onde Johnson vivia.
“Eu nunca soube que ele o tinha”, disse Thanh Tran, a ex-mulher do alegado ladrão, que morreu em 2011 aos 58 anos, com um cancro, citada pelo diário americano The Washington Post. “Penso que talvez ele tenha tido medo de o devolver. Como é que se pode roubar algo assim e depois devolvê-lo? É um crime.”
Totenberg comprou-o em 1943 e durante praticamente 40 anos foi o único a usá-lo. “É triste”, reconheceu Nina, uma das três filhas do músico que quinta-feira receberam o stradivarius roubado das mãos das autoridades, “que não tenha sido recuperado a tempo de ele poder voltar a tocá-lo”.
Thanh Tran garante que só descobriu o violino há uns meses, quatro anos depois da morte do ex-marido, quando o seu namorado conseguiu abrir o fecho codificado do estojo em que estava guardado.
Não se sabe ao certo se Johnson terá chegado a tocar com ele, mas Phillip Injeian, o luthier e avaliador que contactou o FBI, acredita que sim. Por um lado, diz, seria difícil para um violinista resistir à possibilidade de interpretar o que quer que fosse num stradivarius e, por outro, seria fácil passar despercebido já que ninguém acreditaria que um músico pouco conhecido viesse a ter na mão tamanho instrumento.
Ao contrário de Johnson, Totenberg era um intérprete reputado, que trabalhou com o pianista Arthur Rubinstein, tocou com grandes orquestras, como a Filarmónica de Berlim, e actuou em salas como o Carnegie Hall. Durante uns tempos, o violinista polaco ainda acreditou que o seu stradivarius seria devolvido, mas depois acabou por comprar um Guarneri (há quem argumente que o luthier Andrea Guarneri nada fica a dever a Antonio Stradivari) que o acompanhou até ao fim da vida. Morreu rodeado das filhas e de alguns dos seus alunos favoritos, que fizeram questão de estar junto à sua cama, tocando.
As autoridades garantem que a devolução do Stradivarius Ames não deu origem a qualquer investigação. Agora as irmãs Totenberg – Nina, Jill e Amy - tencionam devolver o dinheiro que o pai recebeu da seguradora nos anos 1980, pouco mais de 100 mil dólares, e restaurar o instrumento. E depois? Vão vendê-lo, mas garantem que escolherão com cuidado o futuro comprador – terá de ser alguém que tencione tocar com ele.
Não é possível prever por que soma será vendido, mas é bem provável que ultrapasse em muito os dez milhões de dólares. O último violino feito pelo célebre luthier italiano a ir à praça, em 2011, foi arrematado por 15,9 milhões, lembra o diário espanhol El País.
“Se o meu pai estivesse aqui, sei que ele diria que este é um dia maravilhoso”, disse Nina Totenberg ao Washington Post. “Acho que ele está algures a celebrar com a minha mãe.”
Totenberg, provavelmente, também teria gostado de saber que a cerimónia nova-iorquina em que o seu stradivarius foi entregue às filhas abriu com o procurador-adjunto Jason Masimore a interpretar uma peça de Bach. Provavelmente também teria gostado de saber que as filhas tinham festejado o dia com um copo em sua honra. Totenberg tinha um ritual que as irmãs gostam de evocar: todos os dias, às seis da tarde, parava para beber um shot de vodka e para comer bolachas de água e sal com queijo.