E se em 20 dias coubessem 8000 anos de computação para estudar lasers?
A propagação de lasers ultra-intensos em plasmas pode tornar eficiente a obtenção de energia por fusão nuclear. Para estes estudos, uma equipa de Portugal vai usar um dos maiores supercomputadores do mundo
“São 8000 anos de computação [para um computador normal, com um processador]. O supercomputador Fermi tem 160 mil processadores que conseguem trabalhar em paralelo. Se usássemos a máquina toda, podíamos esgotar o tempo de computação em 20 dias”, explica ao PÚBLICO a sérvia Marija Vranic, do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do IST e co-investigadora principal do projecto com Luís Oliveira e Silva, também do IST. “Como há vários projectos com acesso ao Fermi, a nossa equipa irá usar o supercomputador durante aproximadamente um ano.”
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“São 8000 anos de computação [para um computador normal, com um processador]. O supercomputador Fermi tem 160 mil processadores que conseguem trabalhar em paralelo. Se usássemos a máquina toda, podíamos esgotar o tempo de computação em 20 dias”, explica ao PÚBLICO a sérvia Marija Vranic, do Instituto de Plasmas e Fusão Nuclear do IST e co-investigadora principal do projecto com Luís Oliveira e Silva, também do IST. “Como há vários projectos com acesso ao Fermi, a nossa equipa irá usar o supercomputador durante aproximadamente um ano.”
Um supercomputador tem uma velocidade de processamento e memória extremas, e é geralmente usado para cálculos muito complexos de diversas áreas como a física quântica, a meteorologia, as simulações da detonação de armas nucleares ou a investigação sobre fusão nuclear. Os primeiros foram criados nos anos 60, nos Estados Unidos, e hoje os maiores da Europa encontram-se na Alemanha, França, Itália e Espanha.
O projecto do IST foi seleccionado pela Parceria para Computação Avançada na Europa, um consórcio que permite o acesso de cientistas (sujeitos a concurso) a recursos de computação, e que atribuiu à equipa do IST 69 milhões de horas de computação, estimadas em dois milhões de euros, no supercomputador Fermi, em Bolonha. O Fermi, que vai buscar o nome ao físico italiano Enrico Fermi, ocupa o 32º lugar do Top 500 a nível mundial dos supercomputadores.
Mas a ideia da investigação surgiu muito recentemente. “A maior parte dos estudos com lasers intensos não considerava o efeito da polarização, que permite descrever a orientação do campo eléctrico. No ano passado, o trabalho pioneiro de Jorge Vieira, também envolvido no projecto, demonstrou a relevância da polarização dos lasers intensos”, diz Marija Vranic. “Este foi o primeiro passo que deu início à ideia de propor um projecto de maior dimensão.”
Imitar as estrelas
Os lasers ultra-intensos têm a particularidade de emitir ondas em formato de espiral, sob a forma de pulsos de luz. “Podemos vê-los como bolas que se propagam no espaço à velocidade da luz.” Porque estes lasers têm um campo magnético muito intenso, vão interagir com os plasmas, gases em que os electrões estão separados dos protões e se movem todos livremente. Esta interacção pode resultar em efeitos como a aceleração de partículas e a geração de raios gama, que serão estudados pela equipa.
“Vamos estudar a propagação dos lasers em plasmas de baixa densidade, cuja optimização é fundamental para conseguir uma boa eficiência na obtenção de energia através da fusão nuclear”, explica Marija Vranic. As simulações em computador terão experiências práticas no Laboratório Rutherford Appleton, no Reino Unido, parceiro da equipa.
A fusão nuclear ocorre no interior das estrelas, como o Sol, libertando grandes quantidades de energia. O domínio deste processo, ainda não conseguido, permitirá manter uma reacção de fusão nuclear durante o tempo necessário para se gerar quantidades consideráveis de energia. Actualmente, está em construção o Reactor Internacional Termonuclear Experimental (ITER), em França, que pretende ser o primeiro reactor no mundo capaz de provocar uma reacção de fusão nuclear nestas condições, em que a energia produzida é superior à gasta. Só que no ITER, em vez de lasers intensos, usam-se ímanes para confinar os átomos que se quer fundir.
“Temos como objectivo optimizar parâmetros de experiências futuras para produzir lasers ultra-intensos com propriedades exóticas e explorar as possibilidades que estes feixes têm para aplicações, como a fusão usando lasers”, diz Marija Vranic.
O código usado em computação para fazer os cálculos é o Osíris e foi desenvolvido no IST, em colaboração com a Universidade da Califórnia, nos EUA. Este código permite fazer modelos das interacções electromagnéticas do plasma, além de conseguir aproveitar os muitos processadores do supercomputador. A equipa do IST, que já usou outros supercomputadores na Alemanha, alcançou, com o código Osíris, um recorde é de 1,6 milhões de processadores a trabalhar em paralelo e de forma eficiente.
O Fermi começará a ser usado pela equipa no início de Setembro. “Queremos criar cenários de astrofísica no laboratório, com campos de alta intensidade, para estudar alguns processos que ocorrem nas estrelas e nas magnetosferas das estrelas de neutrões [que estão moribundas].”
Os lasers intensos são já produzidos para o mercado por várias empresas no mundo, e têm sido aplicados em áreas como a indústria ou a medicina. Contudo, os lasers ultra-intensos, os mais poderosos, são só usados em laboratório, para testar novas ideias e aplicações futuras.
Os resultados do estudo poderão ajudar a melhorar o transporte de energia na fusão inercial rápida — a fusão provocada pela compressão da matéria com lasers intensos, em que se pretende que a energia libertada seja superior à utilizada na reacção. A fusão inercial, que a equipa do IST estuda, é assim um método alternativo de levar os átomos a fundirem-se. E o supercomputador Fermi é importante para tentar dominar a fusão nuclear com lasers e desenvolver novas aplicações tecnológicas e científicas.
Texto editado por Teresa Firmino