Semana aberta no povoado dos Perdigões vai ter jantar neolítico
A semana aberta do complexo arqueológico perto de Reguengos de Monsaraz está a permitir que o público tenha acesso às escavações.
“Nos últimos anos de 1990 deu-se uma das grandes descobertas arqueológicas dos últimos anos da arqueologia peninsular”, pode ler-se na revista portuguesa de arqueologia. Essa descoberta corresponde a toda a extensão e complexidade do povoado de Perdigões, que inclui uma necrópole e um recinto megalítico.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
“Nos últimos anos de 1990 deu-se uma das grandes descobertas arqueológicas dos últimos anos da arqueologia peninsular”, pode ler-se na revista portuguesa de arqueologia. Essa descoberta corresponde a toda a extensão e complexidade do povoado de Perdigões, que inclui uma necrópole e um recinto megalítico.
A um quilómetro daquela que foi considerada a “European wine city 2015”, este local está agora aberto ao público, que poderá ter acesso às escavações que estão a decorrer no complexo arqueológico.
Sexta-feira, no penúltimo dia da semana aberta, vão ser realizados dois ateliês no Núcleo Histórico da Herdade do Esporão cuja temática é “A vida na pré-História”. No ateliê “Moldando a argila” os participantes vão aprender “as técnicas utilizadas na pré-história para a produção de recipientes cerâmicos, saber para que serviam e como eram utilizados”, segundo o comunicado do gabinete de comunicação da autarquia de Reguengos de Monsaraz. No outro ateliê o material vai ser diferente. Com o tema “adornos pré-históricos”, os intervenientes vão aprender a produzir diversos enfeites feitos com conchas, ossos ou placas de xisto.
A semana aberta nos Perdigões promove também um jantar neolítico na Herdade do Esporão. Com a intenção de “reproduzir a cozinha pré-histórica a partir dos dados provenientes de escavações arqueológicas”, vão ser confeccionados pratos como carne com marisco em estrutura de cuvete, coelho na panela ou com mel e ervas, peixe no barro, carne no espeto, frutos silvestres, frutos secos e infusões.
No sábado, dia 8, a partir das 9h30, os visitantes vão poder conhecer o complexo arqueológico e, uma hora mais tarde, apreciar as peças encontradas nas escavações ao visitar a exposição na Torre do Esporão. “Religião, animismo ou totemismo: aspectos das produções iconográficas dos Perdigões” dá nome à palestra que se vai realizar ao 12h. Ainda antes de almoço, por volta do 12h40, vai decorrer uma visita às caves do Esporão.
A semana aberta vai terminar com demonstrações de talhe de pedra, pintura rupestre, trabalho em osso e produção de fogo, a partir das 16h.
Perdigões é um grande complexo, que durou até ao início da Idade do Bronze, composto por recintos delimitados por estruturas escavadas na rocha (fossos), com necrópoles (cemitérios) e um cromeleque de menires.
As escavações que são realizadas há 18 anos no local provam que seria palco de cerimónias e rituais relacionados com o culto dos mortos e dos antepassados. São exemplo as “várias estruturas negativas tipo fosso”, a “presença de contextos funerários de cremações humanas” pouco comuns na época e que levantaram questões relativas ao ser-humano que estaria em transformação, acrescenta o comunicado da autarquia.
Descoberta rara
Entretanto, foi anunciada uma “deposição de crânios humanos” no complexo pré-histórico dos Perdigões, que os arqueólogos apontam como “grande raridade”. Esta campanha arqueológica decorre até ao final do mês.
O complexo dos Perdigões foi construído há 5000 anos, e tem sido alvo de uma intervenção arqueológica sistemática desde 1996, ao longo de cerca de 20 hectares, estando datado do Neolítico e do Calcolítico, entre os anos 3500 e 2000 antes de Cristo.
Os crânios humanos constituem uma das descobertas da campanha, a que se juntam outras como uma provável segunda sepultura colectiva, "tholos", e uma cabana, assim como artefactos de "sofisticado detalhe", como disse à Lusa um dos arqueólogos, que escava esta estrutura.
“Registámos uma descoberta de grande raridade, com fortes indícios de ter sido uma deposição intencional e ritualizada de restos de crânios humanos, parte deles com sinais de terem sido queimados, incluindo os de uma criança de cerca de três anos, em associação a restos de ossos de animais, em depósitos de terra que preenchiam um dos fossos nos Perdigões”, disse a arqueóloga Mafalda Capela.
“Esta estrutura delimitava um dos recintos cerimoniais que, durante o terceiro milénio antes de Cristo, foi construído neste enorme sítio, que teve grande importância para comunidades dispersas por um amplo território”, acrescentou.
Esta e outras descobertas “solidificam a ideia que temos sobre este recinto, que não era um povoado, mas antes um espaço para onde convergiam gentes vindas de muitos lados da Península Ibérica, algumas até de mais longe, com o objectivo de realização de práticas funerárias e rituais relacionados com a morte e, consequentemente, com a vida”, disse à Lusa a arqueóloga Mafalda Capela.
“Existem ainda, hoje em dia, paralelos deste tipo de prática, o que reforça esta nossa convicção”, afirmou.
Uma outra estrutura foi também descoberta, “que, pela sua configuração, poderá ser uma sepultura tipo ‘tholos’ [sepultura colectivamente], típica dos momentos mais tardios do megalitismo”, disse a mesma fonte.
Foi também “descoberta uma estrutura arquitectónica circular na área central do complexo arqueológico, com entrada orientada a nascente, nomeadamente ao quadrante situado entre os solstícios de verão e de inverno”.
“Temos uma dúvida, se será uma estrutura habitacional ou antes um espaço associado a cerimónias específicas”, referiu à Lusa a arqueóloga.
Mafalda Capela realçou que as populações que construíram o complexo dos Perdigões “tinham um conhecimento profundo de astronomia e do terreno em que construíram”, dando aos investigadores uma ideia de que eram “pessoas intelectualmente sofisticadas e complexas e cujas preocupações não eram exclusivamente de sobrevivência”.
“O complexo teve um uso intensivo durante 1.500 anos, precisamente na transição de calcolítico para o neolítico e, sem conhecermos as causas, de um momento para o outro foi abandonado”.
A arqueóloga disse ainda terem sido encontrados artefactos em pedra, cerâmica e osso “que são sempre muito espantosos, pela beleza estética, pelo detalhe e pela qualidade”.
Segundo a mesma fonte, as escavações, sob a responsabilidade da Era-Arqueologia, lideradas pelo arqueólogo António Valera, são levadas a cabo por uma equipa internacional de 20 arqueólogos.
Texto editado por Ana Fernandes