Meryl Streep abre festival dos cineastas de amanhã
A actriz norte-americana e Jonathan Demme dão esta quarta-feira as boas-vindas ao Festival de Locarno, que continua a equilibrar o mais radical cinema de autor com o chamamento ao grande público.
Esta noite, contudo, é um filme americano, com uma das maiores actrizes do mundo, que dá o “pontapé de saída” oficial para a edição 2015: Ricki e os Flash, regresso à ficção de Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes) após alguns anos dedicados ao documentário e à música, com Meryl Streep e Kevin Kline encabeçando um guião escrito por Diablo Cody (Juno). (O filme chega às salas americanas sexta-feira, Portugal terá de esperar por 3 de Setembro.)
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Esta noite, contudo, é um filme americano, com uma das maiores actrizes do mundo, que dá o “pontapé de saída” oficial para a edição 2015: Ricki e os Flash, regresso à ficção de Jonathan Demme (O Silêncio dos Inocentes) após alguns anos dedicados ao documentário e à música, com Meryl Streep e Kevin Kline encabeçando um guião escrito por Diablo Cody (Juno). (O filme chega às salas americanas sexta-feira, Portugal terá de esperar por 3 de Setembro.)
Como sempre, a abertura oficial tem lugar ao ar livre, na “jóia da coroa” que é a Piazza Grande, o centro histórico de Locarno, fechado ao trânsito durante todas as noites do festival para receber um écrã gigante state-of-the-art e oito mil espectadores por noite. A Piazza Grande é a imagem pública do festival – o maior écrã ao ar livre da Europa, exibindo filmes de “prestígio” para uma plateia mista de locais e visitantes ao longo dos dez dias de duração.
Este ano, a lista inclui ainda Southpaw de Antoine Fuqua, com Jake Gyllenhaal numa história de desastre e redenção no mundo do boxe; a comédia de Judd Apatow Descarrilada (nas salas portuguesas já amanhã); Amnésia do veterano Barbet Schroeder, com Marthe Keller como uma exilada alemã em Espanha; e, na sessão de encerramento no dia 15, Heliópolis, do brasileiro Sérgio Machado, história verídica de um professor que incentiva um projecto musical numa comunidade de São Paulo.
Mas os cinéfilos e a imprensa estão de olho nas múltiplas secções competitivas abertas a obras de todo o mundo, onde se premeia e distingue o que de mais original e avançado se faz hoje em dia, venha de estreantes ou de veteranos. O festival, que premiou cineastas tão pouco consensuais como o catalão Albert Serra ou o filipino Lav Diaz, recebe este ano na competição oficial o Sri Lanka, com Dark in the White Light de Vimukthi Jayasundara (que já colaborou com Gabriel Abrantes), e os Estados Unidos mais independentes, com o humor surreal de Rick Alverson em Entertainment.
A competição secundária Cineastas do Presente passa do Cambodja, com a co-produção americana Dream Land, que marca a estreia de Steve Chen, à Colômbia vista por Ángela Osorio Rojas e Santiago Lozano Álvarez em Siembra. Somem-se-lhes duas longas de estreia no concurso internacional – James White, primeiro filme do americano Josh Mond (terceiro vértice da produtora Borderline com Sean Durkin, de Martha Marcy May Marlene, e Antonio Campos, de Afterschool), e Paradise, do iraniano radicado na Alemanha Sina Ataeian Dena.
Não é esquizofrenia ver Meryl Streep ou Jake Gyllenhaal ao lado de cineastas estreantes de países distantes; Carlo Chatrian, o crítico e programador italiano que é desde 2013 director do festival, diz na introdução à edição deste ano ver Locarno como “uma casa para o cinema”, e recorda que “por trás de cada imagem existe uma realidade filmada, por trás de cada ficção esconde-se ou emerge claramente uma situação que tem de ser escutada”.
Não por acaso, o cruzamento documentário/ficção, criando aquilo a que se chama hoje o “cinema do real”, tem sido central às opções de programação do certame. Dois dos títulos mais aguardados do Concurso Internacional são documentários (mas sê-lo-ão verdadeiramente?): O Futebol, onde o brasileiro radicado em Espanha Sérgio Oksman aproveita a Copa do Mundo para visitar no Brasil o pai que não vê há anos, e No Home Movie, onde a veterana belga Chantal Akerman evoca a sua própria mãe.
Mais: notícias da nova vaga da Grécia, com Athina Rachel Tsangari, figura de proa do novo cinema helénico a par de Yorgos Lanthimos, a apresentar finalmente Chevalier, cinco anos depois de Attenberg. E dois veteranos de Leste a mostrarem obras novas – da Polónia, Andrzej Zulawski, com o seu primeiro filme em quinze anos, Cosmos, adaptação de Witold Gombrowicz (produção francesa de Paulo Branco em co-produção com Portugal); da Geórgia, Otar Iosseliani, com Chant d'Hiver, cinco anos depois do último Chantrapas. Mais o vencedor da “batalha da produção” que é o coreano Hong Sang-soo, com Right Now, Wrong Then - a quinta longa-metragem que roda desde 2012.
E, fora de concurso, o Brasil, ainda e sempre, com o projecto Tela Brilhadora dirigido por Júlio Bressane (igualmente presidente do júri Cineastas do Presente): quatro longas metragens entregues aos bons ofícios do próprio Bressane (Garoto, inspirado por Jorge Luis Borges), Bruno Safadi e dos estreantes Rodrigo Lima e Moa Batsow.
Portugal estará este ano representado oficialmente principalmente nas curtas-metragens: Maria do Mar, de João Rosas, e a co-produção austríaca O Que Resta, da polaca Jola Wieczmarek, fazem parte da competição oficial Pardo di Domani; e as três produções 2015 do programa Campus do Curtas Vila do Conde, assinadas por Manuel Mozos, Sandro Aguilar e pelo espanhol Lois Patiño, serão exibidas fora de concurso. O Panorama Suíço mostrará ainda Nuvem Negra, a última curta do luso-suíço Basil da Cunha.
Este ano, homenagear-se-ão com Leopardos de Honra o italiano Marco Bellocchio (cuja nova ficção Sangue del Mio Sangue terá honras de estreia em Veneza, daqui a poucas semanas) e o americano Michael Cimino, ainda e sempre o homem de O Caçador. Mas entregar-se-ão também prémios de carreira ao georgiano Marlen Khutsiev, um dos mais injustamente desconhecidos cineastas de Leste, e à actriz francesa Bulle Ogier, musa de Jacques Rivette ou Alain Tanner (igualmente esposa de Barbet Schroeder, “substituta” de Catherine Deneuve no Belle Toujours de Manoel de Oliveira, que passará integrado na homenagem à actriz). E galardões de excelência a Walter Murch, montador e sonoplasta ligado a alguns dos momentos mais brilhantes da “Nova Hollywood”, e Edward Norton, um dos mais extraordinários actores americanos dos últimos anos.
Acima de todos eles estará o imenso Sam Peckinpah (1925-1984), um dos mais singulares cineastas americanos do século XX, foco da retrospectiva oficial 2015, a decorrer quase toda no espaço vintage do cinema Ex Rex, à esquina da Piazza Grande. A integral das suas longas-metragens (A Quadrilha Selvagem, Cães de Palha, Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia, Major Dundee, Duelo na Poeira...) será acompanhada pela projecção dos telefilmes e episódios de séries que realizou para televisão nos anos 1950, e por uma série de filmes contextualizadores entre os quais nada menos de quatro documentários sobre a sua figura.
Tudo isto em apenas dez dias numa pequena cidade suíça, desta quarta-feira até dia 15. Deles sairão certamente alguns dos filmes de que mais vamos ouvir falar nos próximos doze meses – como aconteceu em 2014 com Cavalo Dinheiro de Pedro Costa, Listen Up Philip de Alex Ross Perry ou From What Is Before de Lav Diaz. A ver vamos.