Regressar ao Pátio do Evaristo sem ir em Cantigas
Será que há realmente alguma coisa para resultar no novo "Pátio das Cantigas", de Leonel Vieira — para além do sucesso comercial?
O recente "Pátio das Cantigas", de Leonel Vieira, inaugura uma série de três "remakes" dos clássicos do cinema português. Num filme com tonalidades tão quentes quanto o mês da sua estreia e com uma abordagem tão casual quanto a “silly season”, Vieira tenta refrescar o antigo e torná-lo actual, a ver se resulta. Mas será que há realmente alguma coisa para resultar — para além do sucesso comercial? Talvez uma revisitação do estatuto do "Pátio" original ajude a perceber a questão.
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O recente "Pátio das Cantigas", de Leonel Vieira, inaugura uma série de três "remakes" dos clássicos do cinema português. Num filme com tonalidades tão quentes quanto o mês da sua estreia e com uma abordagem tão casual quanto a “silly season”, Vieira tenta refrescar o antigo e torná-lo actual, a ver se resulta. Mas será que há realmente alguma coisa para resultar — para além do sucesso comercial? Talvez uma revisitação do estatuto do "Pátio" original ajude a perceber a questão.
Com efeito, ao ver o "Pátio" de 2015, apercebo-me que intemporal é algo que "Pátio" de 1942 não é nem nunca foi. Poder-se-á mesmo argumentar que o facto de ser um filme amplamente datado e visto por muitos com um certo saudosismo incutido foi o que lhe foi conferindo interesse. Há vários motivos para que o original seja hoje considerado um clássico e que não são imediatamente óbvios. Para além de ter sido uma película que perdurou durante muitos anos na memória dos nossos avós, que a terão experienciado no seu contexto próprio, convém atentar em três pontos.
Em primeiro lugar, estão os desempenhos. Memoráveis e tributários da revista e de correntes teatrais arcaicas, as dicções e os gestos parecem-nos hoje quase “exóticos”. São recordações de um tempo ido. Estão tão distantes do paradigma contemporâneo que não há como questionar imediatamente a sua qualidade. Os estilos peculiares de Vasco Santana e de António Silva têm sido acarinhados ao longo de gerações.
Depois, há que ter em conta algo que já João Bénard da Costa criticava há 30 anos: a promoção da ideia, nomeadamente por parte da RTP e de críticos que reagiam contra o cinema português de autor, de que o cinema dos anos 30 e 40 é que fora o mais genuíno e que as comédias de Lisboa compunham as páginas douradas da cinematografia nacional. Filmes como o "Pátio das Cantigas", "O Leão da Estrela" e "A Canção de Lisboa" foram êxitos, no contexto daquelas duas décadas, mas por meados dos anos 50 o género estava gasto e pela rua da amargura. Mais ainda, estes filmes sempre foram predilectos, principalmente da RTP. Sempre houve uma discrepância de exposição e de tom de discurso entre estes filmes e todos os outros subsequentemente produzidos.
Finalmente, muito do interesse do "Pátio das Cantigas" original deriva do seu carácter histórico. Rodados durante o fascismo em Portugal, tão longe e no entanto tão próximo, é natural que depois do 25 de Abril o valor destes filmes enquanto testemunhos tenha redobrado.
O que este “processo de canonização” nos diz para compreender o filme de Vieira é que é impossível recriar aquilo que fez do primeiro Pátio um clássico, e que o Pátio de 1942 tornou-se um clássico por motivos diferentes pelos quais os filmes de Oliveira, César Monteiro, Welles ou Hitchcock se tornaram clássicos. Talvez, em termos qualitativos, estes não sejam os filmes e os argumentos ideais para pegar. Especialmente quando a abordagem não é exigente. Como diria Gustav Mahler “tradição não é adorar as cinzas, é caminhar sobre a chama”.