Quantas mais valas serão descobertas na busca pelos 43 estudantes desaparecidos?
Na pista dos jovens mexicanos de Ayotzinapa foram encontradas 60 valas comuns onde estavam enterradas mais de uma centena de vítimas do narcotráfico. Familiares dos desaparecidos exigem justiça. “A magnitude da crise é simplesmente chocante”, diz a Amnistia Internacional.
As buscas pelos restos mortais dos “normalistas”, como são conhecidos estes estudantes de escolas rurais, ainda não produziram quaisquer resultados – mas acabaram por levantar outras questões, depois de nas diligências terem sido descobertas 60 valas comuns clandestinas, onde estavam enterrados mais de 120 cadáveres. Já se sabe que nenhum dos corpos encontrados pertence aos estudantes desaparecidos. Quem são, então, estas pessoas? Quando, e como, morreram?
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As buscas pelos restos mortais dos “normalistas”, como são conhecidos estes estudantes de escolas rurais, ainda não produziram quaisquer resultados – mas acabaram por levantar outras questões, depois de nas diligências terem sido descobertas 60 valas comuns clandestinas, onde estavam enterrados mais de 120 cadáveres. Já se sabe que nenhum dos corpos encontrados pertence aos estudantes desaparecidos. Quem são, então, estas pessoas? Quando, e como, morreram?
A tenebrosa descoberta de 60 valas comuns em diversos pontos do estado de Guerrero, onde decorreu a tragédia com os estudantes, foi confirmada no início da semana, pelas autoridades mexicanas, confrontadas com um pedido judicial para o acesso aos documentos oficiais da investigação do caso de Iguala, submetido pela agência Associated Press. A informação fornecida mostra que entre Outubro de 2014 e Maio de 2015, no decurso das buscas, foram localizadas dezenas de “fossas clandestinas” onde estavam enterrados 129 cadáveres, entretanto exumados.
Desses, 92 foram identificados como homens e 20 como mulheres, sendo que os restantes se encontravam num grau tão avançado de deterioração que foi impossível determinar o género. Os únicos 16 cadáveres já identificados foram assassinados, mas segundo as autoridades a sua morte não pode ser associada ao massacre de Iguala – ainda que, presumivelmente, tal como os “normalistas”, estes indivíduos tenham sido vítimas do narcotráfico. Os nomes destes 16 homens constavam na extensa lista de pessoas desaparecidas no México, que tem umas inimagináveis 25 mil entradas. Os restantes foram entretanto acrescentados à igualmente impensável lista de 15 mil corpos recolhidos pelas autoridades e que permanecem por identificar.
Se, por um lado, estes últimos desenvolvimentos contribuem para adensar o mistério sobre o destino dos estudantes desaparecidos em Iguala – que se sabe foram sequestrados e assassinados por elementos do cartel Guerreros Unidos, alegadamente por ordem do autarca local e da sua ambiciosa mulher, ligada ao narcotráfico –, por outro vêm expor a dimensão do fenómeno da violência naquele estado do Sul do México, o mais pobre do país, e onde a taxa de homicídio (de 26 por cada 100 mil habitantes) é quatro vezes superior à média nacional.
“A última revelação macabra vem apenas confirmar o que toda a gente já sabia: que a magnitude da crise dos desaparecimentos forçados no estado de Guerrero e no resto do México é simplesmente chocante”, reagiu a Amnistia Internacional, num comunicado assinado pela sua responsável para as Américas, Erika Guevara-Rosas. “Embora o caso dos 43 estudantes tenha atraído atenção internacional, a realidade é que existem milhares de famílias em Guerrero e no resto do México à procura de desaparecidos, sem que o Governo revele o mínimo interesse em ajudá-los”, observou ao The Guardian a professora da Universidade Autónoma de Guerrero, Claudia Rangel Lozano, especialista no fenómeno dos “desaparecimentos forçados” (definidos como aqueles que acontecem por acção ou com a cumplicidade das autoridades).
No que diz respeito ao caso dos “normalistas”, as diligências oficiais para os encontrar e para punir os responsáveis pela sua morte estiveram sempre envoltas em polémica, com a actuação da polícia e dos procuradores a merecer críticas dentro e fora do México.
Dez meses depois dos factos, a Comissão Nacional de Direitos Humanos foi a última instituição a pronunciar-se sobre as múltiplas “falhas e omissões no processo de esclarecimento do crime”, principalmente “a falta de realização de diligências ministeriais, federais ou locais, que seriam de extrema utilidade para uma apuração exaustiva e integral dos factos” – que nas palavras do responsável por aquele organismo governamental, Raúl González Pérez, correspondem ao “mais grave conjunto de violações dos direitos humanos de que há memória recente”.
Inquérito reaberto
As críticas não levaram, para já, a justiça mexicana a alterar a versão oficial para os acontecimentos de Setembro de 2014, tais como descritos quando o processo foi encerrado, em Janeiro deste ano. A Procuradoria deduziu acusações contra 110 indivíduos, mas desde então o processo está parado: ninguém foi julgado. Em meados de Julho, a nova Procuradora-geral, Arely Gomez Gonzalez, anunciou a reabertura do inquérito, para seguir “novas linhas de investigação” que antes não terão sido suficientemente exploradas, justificou, no final de uma reunião com os familiares das vítimas do massacre de Iguala.
O inquérito original, sempre contestado pelas famílias dos estudantes, atribuiu a responsabilidade do massacre a elementos do cartel Guerreros Unidos, que se terão encarregado do transporte dos 43 “normalistas” – que chegaram a estar detidos na esquadra de Iguala antes de ser entregues aos narcotraficantes – para uma lixeira próxima, onde foram abatidos a tiro e posteriormente incinerados, juntamente com pneus e detritos. De acordo com confissões dos membros do cartel, as cinzas foram ensacadas e atiradas corrente abaixo num rio próximo. Até agora, do material recolhido no local, só se retiraram vestígios do ADN de um dos desaparecidos.
Desde Setembro de 2014, os familiares dos estudantes de Ayotzinapa, activistas e voluntários têm-se encontrado todos os domingos, para batidas e outras acções de busca, no decurso das quais, aliás, foram sendo encontradas as valas comuns. Por isso mesmo (e porque os documentos citados pela Associated Press se referiam apenas aos casos que envolveram equipas de exumação) estima-se que novas “fossas” venham a ser identificadas. Além das buscas, ao dia 26 de cada mês os mesmos grupos organizam uma manifestação para exigir justiça para os “normalistas” e os desaparecidos (para o Verão foi já anunciada uma campanha nacional, com caravanas a percorrer o país de Norte a Sul).
Contestação a Peña Nieto
As manifestações, que têm reunido milhares de pessoas, acabam quase sempre por tornar-se comícios de protesto contra o Governo do Presidente Enrique Peña Nieto, que a meio do mandato se debate com a mais baixa taxa de popularidade desde que foi eleito, fruto do descontentamento popular com a situação económica e sobretudo d a insatisfação com o nível de corrupção e impunidade no país – que atingiu o auge com a rocambolesca fuga da prisão do líder do poderoso cartel Sinaloa, Joaquín “El Chapo” Guzmán, a 12 de Julho.
De acordo com uma sondagem publicada sexta-feira pelo diário Reforma, a aprovação do Presidente caiu para 34% no mês de Julho (de 39% em Março) e a desaprovação subiu para 64%. Entre os líderes de opinião (académicos, representantes do sector privado e ONG), a avaliação do desempenho de Peña Nieto não podia ser pior: para 84% dos inquiridos, a sua actuação é negativa. Ainda segundo a mesma sondagem, uma larga maioria de 64% dos mexicanos discordam da estratégia governamental para o combate ao narcotráfico, e 79% estão insatisfeitos com a resposta das autoridades à fuga de “El Chapo”.
Como escreve no jornal digital Sin Embargo a colunista Adela Navarro Bello, Enrique Pieña Nieto, eleito em 2012 com promessas de estabilidade política, social e económica, tem-se “destacado por encabeçar estruturas de Governo incapazes de fazer frente à violência e deterioração económica que afectam os mexicanos”. À semelhança do que aconteceu com alguns dos seus antecessores mais impopulares, o seu mandato corre o risco de ser recordado como uma longa sucessão de tragédias, onde o dia 26 de Setembro de 2014 é apenas mais uma data. “Desde então, o que temos? Ambiguidade, ausência de Estado de direito, de certeza jurídica ou legalidade no caso dos 43 normalistas de Ayotzinapa desaparecidos no meio de um embaraçoso cenário político de corrupção, impunidade e crime organizado”, resume.