Em 16 meses não aterrou um único helicóptero no novo heliporto da Judiciária

Infra-estrutura continua por certificar, por não cumprir requisitos relativos aos meios de combate a incêndios. Apesar disso pode receber aeronaves.

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Quando têm visitas, os principais responsáveis da PJ gostam de as levar à pista por cima do 12º andar, de onde se tem uma das melhores vistas de Lisboa Miguel Manso

A enorme plataforma, que teve de ser colocada no topo do complexo de edifícios da Rua Gomes Freire com a ajuda de uma grua, ainda não foi certificada pela Autoridade Nacional da Aviação Civil. O PÚBLICO apurou o heliporto não cumpre todos os requisitos legais exigidos para o seu funcionamento, nomeadamente no que aos meios de combate a incêndios diz respeito. O que segundo aquele organismo não é, apesar de tudo, impeditivo da sua utilização, uma vez que a lei que regula o funcionamento destas infra-estruturas não se aplica aos aeródromos geridos por entidades públicas com funções específicas como a investigação criminal.

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A enorme plataforma, que teve de ser colocada no topo do complexo de edifícios da Rua Gomes Freire com a ajuda de uma grua, ainda não foi certificada pela Autoridade Nacional da Aviação Civil. O PÚBLICO apurou o heliporto não cumpre todos os requisitos legais exigidos para o seu funcionamento, nomeadamente no que aos meios de combate a incêndios diz respeito. O que segundo aquele organismo não é, apesar de tudo, impeditivo da sua utilização, uma vez que a lei que regula o funcionamento destas infra-estruturas não se aplica aos aeródromos geridos por entidades públicas com funções específicas como a investigação criminal.

“No entanto, a Polícia Judiciária entendeu solicitar a aprovação do projecto do heliporto, o que sucedeu”, esclarece a mesma entidade, não se alongando em esclarecimentos sobre a certificação civil da infra-estrutura. “O processo está em curso”, limita-se a referir. “Nada impede, do ponto de vista legal, que a infra-estrutura seja utilizada”.

O facto de não ter helicópteros na frota de veículos ao seu serviço nunca demoveu a Judiciária do sonho de possuir um heliporto. Um projecto para a nova sede elaborado no final dos anos 80 já incluía um equipamento deste tipo. Afinal, mesmo que as verbas escasseassem para arranjar meios aéreos para as suas operações podia sempre pedi-los emprestados às Forças Armadas. O argumento foi uma vez mais usado na altura da inauguração da nova sede, em Março de 2014, pelo director nacional adjunto da instituição, Pedro do Carmo, que mencionou o combate ao narcotráfico e ao terrorismo como justificações para a existência do heliporto, avaliado em cerca de 200 mil euros mais IVA. Na altura, o mesmo responsável disse também que a infra-estrutura poderia ainda servir, em caso de necessidade, para transportar crianças doentes para o Hospital da Estefânia, situado nas imediações.

O que nunca sucedeu até hoje: o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEMI) explica que quando faz serviço para o hospital pediátrico se socorre de uma placa de estacionamento de aeronaves que existe na rua em frente ao hospital, na Academia Militar, mais próxima do que a da Gomes Freire.

 “Aquele heliporto não foi feito para situações de emergência civil”, observa uma fonte de informação que acompanhou o processo. “Serve apenas para ser usado por helicópteros militares ou de Estado em situações de crise, como complemento do bunker”, a zona de alta segurança da nova sede da Judiciária, quase inexpugnável e com capacidade para resistir a situações de crise e de catástrofe, como um novo 11 de Setembro. Já em 2012, quando apresentou o projecto na nova sede, o então secretário de Estado socialista Conde Rodrigues tinha explicado que a pista iria ter capacidade para “receber o maior helicóptero das Forças Armadas, útil em operações conjuntas” da Marinha com a Judiciária.

Segundo o Ministério da Justiça, o heliporto “está operacional e pode funcionar a qualquer momento, caso assim seja necessário”, podendo ser “usado por toda as forças de segurança e militares” e “em qualquer voo de emergência, incluindo do INEM”, porque “cumpre com os regulamentos vigentes”.

“Não necessita de estar certificado para os fins a que se destina”, assegura o ministério, porque  “a certificação só é obrigatória para aeroportos civis”.

Na inauguração da sede, em Março de 2014, o director adjunto da Judiciária garantiu que o processo de certificação estaria em breve resolvido. E assegurou que o custo da pista de aterragem não onerou a nova sede, uma vez que tem também como função reforçar a estrutura da torre onde assenta.

A nova sede da Judiciária custou 87,6 milhões de euros, verba a que se somam mais perto de 7,6 milhões, que foi o preço dos terrenos. Construída a pensar no dia em que a instituição tiver mais pessoal, parte dos andares continua vazia, embora ainda haja gente a trabalhar na antiga sede, mesmo ao lado, que não teve obras de reabilitação por falta de dinheiro. Quando têm visitas, os principais responsáveis da PJ gostam de as levar à pista por cima do 12º andar, de onde se tem uma das melhores vistas de Lisboa.

Novos gastos para laboratório ocupar nova sede
 Além do heliporto, outra das coqueluches da nova sede da Judiciária, inaugurada com pompa e circunstância pela ministra da Justiça e pelo primeiro-ministro Passos Coelho, é o laboratório de polícia científica – uma espécie de CSI dotada de sofisticados equipamentos de ponta. Apesar de a sua transferência não estar prevista logo para Março de 2014, foi anunciado que dali a escassos meses já funcionaria nos oito mil metros quadrados que lhe estavam reservados nas novas instalações. Nessa altura ainda havia obras a decorrer no complexo da Gomes Freire.

Os trabalhos de acabamentos pararam, porém, há cerca de um ano, e neste momento ninguém consegue prever quando poderá o laboratório e respectivos técnicos, num total de centena e meia de pessoas, ocupar os pisos da ala norte do complexo. “Tendo em conta as regras da contratação pública, nesta fase não se poderá indicar um prazo fiável”, admite o Ministério da Justiça.

Um dos problemas está relacionado com as tubagens de extracção e alimentação dos sofisticados equipamentos, parte dos quais usam gases para poderem funcionar. A toxicidade destes gases e de outros produtos usados na unidade faz com que não possam ser expelidos directamente para a atmosfera ou para os esgotos, havendo necessidade de serem encaminhados para um sistema de saneamento próprio. Segundo a tutela, para o laboratório ficar operacional nas novas instalações “será necessário adquirir mais equipamento dedicado para a realização de estudos laboratoriais, hottes [máquinas de extracção de gases e outros subprodutos], o qual tem especificações técnicas que implicam executar tubagens dedicada, que por sua vez têm de ser interligadas com o sistema de gestão técnica do edifício”.

O projecto destas instalações técnicas “foi recentemente concluído e está em aprovação”, informa o ministério. Questionado acerca da razão pela qual estes trabalhos não foram previstos atempadamente no caderno de encargos da empreitada, responde que se tratou de “uma opção face à evolução tecnológica”.

“O equipamento para o laboratório no novo edifício não fazia parte da empreitada, razão pela qual não era suposto que estivesse a funcionar no final da mesma”, assegura a tutela, segundo a qual foi preciso comprar novo equipamento laboratorial “adaptado aos novos espaços e valências”.

Na Judiciária há, porém, quem assaque responsabilidades pelo atraso – ainda que indirectas - ao Citius, o sistema informático dos tribunais de primeira instância, que esteve inoperacional entre Setembro e Outubro passados, e à reorganização dos tribunais. É que o organismo que gere a plataforma digital é o mesmo que está encarregue de todas as obras do Ministério da Justiça, incluindo as dos tribunais. Nesta versão dos acontecimentos, perante o crash informático e as obras necessárias ao avanço do mapa judiciário a resolução dos problemas da nova sede da Judiciária, que entretanto já tinha sido inaugurada, foi ficando para trás.

Os custos do novo projecto e das obras que ele implica ficam a cargo do erário público. O Ministério da Justiça invoca “questões de economia e de confidencialidade” para ter voltado a contratar os projectistas do edifício, por 28 mil euros. Fica por saber quanto custará a empreitada. Seja como for, e à semelhança dos restantes serviços da Judiciária, também o laboratório não terá necessidade de ocupar todos os oito mil metros quadrados que lhe foram destinados. Ficarão vazios, à espera do futuro.