Londres anuncia milhões em cercas depois de nova morte no canal da Mancha
Sudanês foi atropelado quando centenas tentavam atravessar o túnel. Governo francês enviou mais 120 polícias para Calais, britânicos anunciaram mais cercas. Nada disso vai fazer desaparecer os imigrantes.
Segundo a empresa Eurotunnel, que opera a ligação Calais-Folestone, desde o início do ano já houve 37 mil tentativas de atravessar o túnel. O sudanês, ainda por identificar, de 25 a 30 anos, é a nona vítima mortal da passagem em 2015.
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Segundo a empresa Eurotunnel, que opera a ligação Calais-Folestone, desde o início do ano já houve 37 mil tentativas de atravessar o túnel. O sudanês, ainda por identificar, de 25 a 30 anos, é a nona vítima mortal da passagem em 2015.
Em Julho, um etíope morreu ao cair de um comboio; poucos dias depois, o mesmo aconteceu a uma eritreia grávida. No mês anterior, outra eritreia, de 23 anos, foi atropelada quando atravessava a auto-estrada que dá acesso ao túnel, e um etíope foi atropelado no dia 1 de Julho. Entretanto, outro etíope foi projectado contra um poste quando tentava agarrar-se a uma carrinha.
Todas as noites, há centenas de pessoas a tentar cruzar o canal. Habitualmente, são umas 500. Esperam pelo anoitecer e avançam em grupos de umas dezenas. Antes faziam-no no topo de viaturas ou agarrados à parte de baixo de camiões de mercadorias; agora, desde que a segurança foi reforçada no porto de Calais e começou a ser mais difícil alcançar os camiões que entram nos ferries, muitos tentam o comboio ou o túnel ferroviário. Em 2014, morreram 15 pessoas a tentar chegar a Dover, onde termina a auto-estrada que começa em Calais.
Os governos do Reino Unido e de França responderam com o anúncio de mais medidas de segurança, enquanto a empresa Eurotunnel quer ser indemnizada pelos estragos. Paris enviou de imediato mais 120 políticas, Londres convocou uma reunião de emergência da equipa de segurança do Governo e confirmou que mais sete milhões de libras (dez milhões de euros) vão ser gastas no projecto de reforço das vedações que tentam impedir o acesso dos migrantes às estradas junto ao Eurotúnel que liga França ao Reino Unido.
De visita a Singapura, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, afirmou-se “solidário” com os britânicos que podem ver as suas férias perturbadas pelos atrasos nos ferries. “Isto é muito preocupante. Estamos a trabalhar de muito perto com os franceses. Já investimos na construção de cercas em redor de Calais e vedámos a entrada do túnel”, disse. “Este é um assunto para o Governo resolver. Precisamos que travem o fluxo migratório a partir de Calais, mas parece ser demasiado para eles gerirem”, queixou-se a Eurotunnel.
A ministra do Interior, Theresa May, admitiu que nos últimos dias vários imigrantes conseguiram chegar ao Reino Unido, enquanto outros foram detidos na tentativa. Provavelmente, serão deportados para os seus países de origem.
Mais riscos e feridos
“Ele morreu, ninguém o ajudou”, disse à televisão Channel 5 News um jovem, enquanto o repórter apontava para uma ambulância. De acordo com a empresa que gere a ligação, quando os seus seguranças encontraram o sudanês ele já estava morto. Dois sudaneses de uns 30 anos estão entretanto hospitalizados depois de terem sido atingidos por comboios de alta velocidade na segunda-feira.
Os Médicos do Mundo, que têm uma clínica improvisada permanente no campo conhecido como “Selva”, dizem que o número de pessoas a necessitar de tratamento médico subiu a pique nos últimos dias. “É pior do que antes, ontem metade dos feridos que vimos estavam em estado grave, tinham caído dos comboios ou dos camiões”, disse quarta-feira ao diário The Guardian Chloe Lorieux, que trabalha para a ONG em Calais. “Quando mais difícil se torna, mais riscos as pessoas correm e mais desalentado fica quem vive no campo.”
Actualmente, a “Selva”, uma espécie de favela de abrigos improvisados e tendas que se estende por vários quilómetros, é o campo principal. As ONG conseguem fornecer uma refeição por dia e não há instalações sanitárias.
Perseguidos no seu país
Com mais ou menos vedações ou polícia, Calais vai continuar ser um íman para imigrantes que fogem dos seus países (a maioria são etíopes, eritreus, sudaneses e afegãos, mas já há muitos sírios) e querem tentar a sua sorte na Europa. O Reino Unido, com o inglês, menos desemprego do que a maioria dos países da zona euro, e fama de ser um país onde é fácil trabalhar sem papéis, vai continuar a ser o destino sonhado.
Em 2002, o Governo francês encerrou o principal centro da Cruz Vermelha em Calais. Em Maio de 2014, a pretexto de um surto de sarna, evacuou e destruiu os campos então existentes, “o dos africanos”, “o dos sírios”, “o dos afegãos”. Os campos não desapareceram, nem os imigrantes, só mudaram de lugar, afastando-se mais do porto e da cidade.
De acordo com um inquérito realizado pela ONG Secours Catholique, uma das associações mais presentes em Calais, 48% dos imigrantes que vivem na “Selva” eram de classes sociais superiores nos seus países de origem. Mais de dois terços decidiram fugir depois de terem enfrentado perseguições ou por recearam transformar-se em vítimas de conflitos. Apenas 28% estimam estar de boa saúde (a maioria perdeu muito peso). E se a média de tempo que demoraram para alcançar Calais é 952 dias, um conseguiu fazê-lo em 56 dias, outro demorou 18 anos – 6898 dias.