BdP denuncia Montepio ao Ministério Público
O supervisor detectou falhas nos mecanismos de controlo de operações financeiras suspeitas de indiciarem crimes de branqueamento de capitais. Em causa estão transferência com origem em Angola.
O PÚBLICO apurou que a comunicação chegou no final de Abril deste ano à Procuradoria-Geral da República e à Policia Judiciária e está carimbada pelo DAS - Departamento de Averiguação e Acção Sancionatória do BdP, que tem por competência garantir que os regulados cumprem “as regras” de “prevenção da utilização do sistema financeiro para branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo”, informando as autoridades perante indícios de crime.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O PÚBLICO apurou que a comunicação chegou no final de Abril deste ano à Procuradoria-Geral da República e à Policia Judiciária e está carimbada pelo DAS - Departamento de Averiguação e Acção Sancionatória do BdP, que tem por competência garantir que os regulados cumprem “as regras” de “prevenção da utilização do sistema financeiro para branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo”, informando as autoridades perante indícios de crime.
A iniciativa do DAS surgiu na sequência de uma inspecção que detectou falhas nos mecanismos internos de controlo dos movimentos financeiros entre a CEMG e o Finibanco Angola (detido em 61% pelo banco da Associação Montepio Geral). A lei impõe a comunicação “imediata” à PGR ou à Unidade de Informação Financeira da PJ de factos que indiquem (ou levem a admitir) que está “em curso”, “foi tentada” ou efectivada uma operação susceptível de configurar a prática dos crimes já referidos.
Nos últimos dias o PÚBLICO questionou a PGR se, na sequência do alerta do BdP foi aberto inquérito-crime, mas até ao final da tarde de ontem não tinha sido enviado para o jornal nenhum esclarecimento. Já o BdP diz que não comenta acções relacionadas com os supervisionados. Inquirido, o porta-voz da CEMG não comentou a iniciativa do BdP.
A definição de branqueamento de capitais está associada à intenção de encobrir “a origem dos bens e dos rendimentos (vantagens) obtidos ilicitamente, transformando a liquidez proveniente dessas actividades em capitais reutilizáveis legalmente, por dissimulação da origem ou do verdadeiro proprietário dos fundos”. A finalidade do infractor é conferir às transacções “aparência de legalidade”. Há uns meses, Tomás Correia veio a público garantir que “que 90% dos procedimentos apontados pelo supervisor estão corrigidos e 10% parcialmente sanados”. Ontem ficou a saber-se que José Félix Morgado foi nomeado para substituir Tomás Correia à frente da CEMG. Recorde-se que Carlos Costa manteve em suspenso nos últimos meses o registo de idoneidade da equipa de Tomás Correia para o exercício de funções em sociedades do grupo.
A inspecção do DAS, chefiada por José Bracinha Vieira, decorreu paralelamente à auditoria forense realizada pela Deloitte a pedido do supervisor, mas de modo autónomo, e incidiu sobre movimentos internacionais de grandes clientes.
Nesta lista de clientes consta o nome do construtor José Guilherme, que foi notícia nos últimos por ter pago uma “comissão/liberalidade” de 14 milhões a Ricardo Salgado (o principal visado nas inquirições ao BES) a troco de um alegado aconselhamento em negócios em África. Há precisamente um ano, José Guilherme recebeu um financiamento da CEMG de 17 milhões de euros, sustentado em garantias bancárias emitidas pelo Finibanco Angola a favor do banco português.
Apesar de a CEMG ter o controlo societário maioritário em parceria com investidores angolanos, o Finibanco Angola é supervisionado pelo Banco Nacional de Angola e não há garantias que, em caso de necessidade, Luanda autorize as transferências para liquidar as responsabilidades. O Sol noticiou (4/4/2015) que o grupo de José Guilherme se encontra endividado e numa situação de grande debilidade financeira.
Na mira do BdP, e ainda da CMVM, está o relacionamento comercial da CEMG com os investidores das Unidades de Participação (UP’S) do Fundo de Participação Caixa Económica Montepio Geral que foi criado em Dezembro de 2013, num quadro de aperto financeiro, para ajudar o banco a reforçar o seu capital (de 1500 milhões).
A operação foi polémica por quebrar uma tradição de 170 anos ao abrir o capital do banco (até aí 100% da associação mutualista com 650 mil associados) a privados. As autoridades querem garantir que os convites de Tomás Correia aos clientes para que subscrevessem as UP’s do fundo (a um euro cada) não tiveram como contrapartida aumento de crédito ou reestruturação de dívida aos clientes.
Em Dezembro de 2013 Paulo Guilherme, filho de José Guilherme, adquiriu 18 milhões de unidades de participação (UP´s) do fundo (9% do total) – via empréstimos do Finibanco Angola adiantados no mesmo dia em Lisboa. O mesmo aconteceu com o luso-angolano Eurico Sousa Brito, parceiro de negócios do Grupo José Guilherme, que subscreveu 5,4% do mesmo fundo.
O Diário da República de Angola (de 31 de Maio de 2007) refere-o e a Paulo Guilherme como gerentes da Ludomus- Sociedade Gestora de Investimentos Imobiliários, do Grupo José Guilherme. Em 2014, esta empresa constava da lista “dos grandes contribuintes” de Angola e, por isso, estava ao abrigo de um estatuto fiscal favorável.
A Ludomus esteve na construção, em Luanda, das Torres Oceano e do condomínio Dolce Vita, dois projectos financiados pelo BES Angola, banco que esteve no epicentro do inquérito ao BES/GES, por ter concedido créditos de 5700 milhões de dólares, parte substancial sem garantia ou identificação do destinatário. O BES emprestou ao BESA 3300 milhões sem garantias ou contratos.
O relacionamento comercial do grupo Montepio com a Visabeira (com 3,5% do fundo CEMG) também não escapou ao escrutínio do BdP e da CMVM. Em Dezembro de 2013, as dívidas à CEMG rondavam os 50 milhões, em Março de 2014 subiram para 70 milhões, passando este ano para 120 milhões. O vice-presidente da Visabeira é o representante dos investidores institucionais no fundo CEMG.
Na “lista” de grandes clientes da CEMG está ainda a empresa de Leiria de Manuel Barbeiro Costa, a Respol-Resinas, com uma dívida de 45 milhões, que investiu um milhão de UP’s.
Problemas com Finibanco Angola datam de 2012
A 19 de Novembro de 2012, o ex-presidente executivo do Finibanco Angola, António Couto Lopes, solicitou a intervenção urgente da entidade de supervisão liderada por Carlos Costa por considerar que a instituição tinha um funcionamento "anormal" e “opaco” que se podia reflectir negativamente no grupo Montepio Geral. Esta preocupação chegou também, naquela data, ao ministro da Segurança Social, Pedro Mota Soares, que tutela a associação mutualista.
Entre as supostas irregularidades mencionadas por Couto Lopes estava a falta de informação e o facto de os órgãos sociais do Finibanco Angola não reunirem com a frequência prevista nos estatutos. A carta mencionava, por exemplo, terem sido detectados problemas, em 2011, durante o último aumento de capital do banco angolano (de 21 milhões de euros), mas também a ausência de cumprimento das regras de "controlo e compliance". De acordo com o reportado então ao BdP a “firme intenção de assegurar as boas práticas” no Finibanco Angola de modo “a evitar o descontrolo da operação” não “colheu a receptividade" de Tomás Correia.
Desde 2010, que a CEMG e o Finibanco Angola partilharam o mesmo presidente, Tomás Correia, também à frente da Associação Mutualista (dona do banco).