União Europeia aprova novo medicamento para o melanoma avançado

As terapias que utilizam o sistema imunitário do próprio doente para combater as células cancerosas começam a chegar aos hospitais. Além do tipo de cancro da pele mais mortal, o do pulmão está na linha da frente de combate pela imunoterapia.

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O aparecimento do melanoma está associado à exposição solar Miguel Manso

“Os resultados apontam para uma taxa de sobrevida de 50 a 60%, em três anos de ensaios clínicos para o melanoma em estado avançado”, diz ao PÚBLICO Bruno Silva Santos, vice-director do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa e investigador na área da imunoterapia, que não está ligado ao desenvolvimento do medicamento. “Antes de surgir este novo tratamento, um doente diagnosticado com melanoma em estado avançado tinha uma sentença de morte em seis meses; a quimioterapia ou a radioterapia não são eficazes nestas situações.”

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“Os resultados apontam para uma taxa de sobrevida de 50 a 60%, em três anos de ensaios clínicos para o melanoma em estado avançado”, diz ao PÚBLICO Bruno Silva Santos, vice-director do Instituto de Medicina Molecular de Lisboa e investigador na área da imunoterapia, que não está ligado ao desenvolvimento do medicamento. “Antes de surgir este novo tratamento, um doente diagnosticado com melanoma em estado avançado tinha uma sentença de morte em seis meses; a quimioterapia ou a radioterapia não são eficazes nestas situações.”

Em relação à quimioterapia, a nova terapêutica é ainda menos tóxica para o organismo, o que se traduz numa melhor qualidade de vida do doente. “A quimioterapia mata as células más, mas destrói também as células boas”, explica-nos Ana Castro, médica oncologista do Hospital de Santo António, no Porto, envolvida nos ensaios clínicos do pembrolizumab. “O que a imunoterapia faz é estimular o nosso próprio sistema imunitário a combater a doença.”

Comercializado pelo laboratório Merck Sharp & Dohme, o pembrolizumab é um anticorpo monoclonal (anticorpo produzido por um linfócito B clonado) que se liga a uma proteína presente nas células do sistema imunitário e que se chama Receptor de Morte Celular Programada 1 (receptor PD-1, na sigla em inglês). Este receptor tem a função de regular o sistema imunitário, inibindo a sua activação em certas situações, através do controle da produção de linfócitos T. Em determinadas situações, este mecanismo de inibição é benéfico para o organismo, evitando que reacções de auto-imunidade ocorram durante a gravidez ou após um transplante, e até impedindo o aparecimento de doenças auto-imunes, como a artrite reumatóide.

A activação deste receptor é desencadeada quando uma de duas proteínas – os ligandos PD-L1 e PD-L2 – se ligam a ele. Uma grande parte dos tumores malignos apresenta a proteína PD-L1 que, ao ligar-se ao receptor PD-1, vai inibir a proliferação dos linfócitos T – aqueles que combatem as células cancerosas. O mecanismo do tumor impede assim o combate à doença, através do bloqueio do sistema imunitário da pessoa.

Ao ligar-se ao receptor PD-1, o pembrolizumab vai então impedir que os ligandos PD-L1 e PD-L2 interajam com o receptor PD-1 e, consequentemente, permitir uma resposta imunitária dos linfócitos T. É o próprio organismo que irá combater a doença pelos seus meios de defesa.

O fármaco tem sido testado em doentes portugueses, com a aprovação da Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde (Infarmed), em hospitais de várias zonas do país, como o Hospital de São João, o Instituto Português de Oncologia e Hospital de Santo António, todos no Porto, ou o Hospital de Santa Maria, em Lisboa. Além do melanoma, estão também a ser feitos ensaios clínicos noutros cancros, como o do pulmão, os da cabeça e pescoço e da bexiga. “Para o cancro do pulmão, os resultados são já bastante positivos e esperamos que a aprovação do medicamento para este tipo de cancro saia no início do próximo ano”, diz Ana Castro.
 
Avanços de uma década
Mas porquê o melanoma como alvo inicial? Além de já existirem dados de estudos anteriores sobre a imunoterapia neste tipo de tumor, o melanoma parece ser um cancro bastante imunogénico. “Por resultar da exposição à radiação ultravioleta, o melanoma tem muitas aberrações, isto é, um número de alterações genéticas muito grande”, explica Bruno Silva Santos. “Isto torna mais fácil ao sistema imunitário reconhecer as células cancerosas como elemento estranho ao organismo.”

O melanoma representa cerca de 10% dos cancros de pele, mas apesar da sua baixa incidência é responsável por 80% das mortes por cancro cutâneo. Nas últimas duas décadas, a sua incidência e mortalidade têm vindo a aumentar em todo o mundo. Em Portugal, são diagnosticados anualmente cerca de 800 casos e a incidência situa-se entre os seis a oito casos por 100 mil habitantes.

A imunoterapia é uma área com resultados recentes, mas que já tem investigação desenvolvida há mais de 100 anos. “Há uma década não sabíamos ainda da existência deste mecanismo de travão do sistema imunitário e de como os tumores usavam isso para sobreviver”, explica ainda Bruno Silva Santos. “A partir deste conhecimento, nos últimos cinco anos temos vindo a desenvolver uma alternativa para quando a radioterapia ou a quimioterapia não são eficazes.”

Além do pembrolizumab, há vários tratamentos de imunoterapia para o cancro. Um deles foi aprovado pela Comunidade Europeia, em Junho, também para o melanoma avançado: o nivolumab, do laboratório farmacêutico Bristol-Myers Squibb, que utiliza o mesmo mecanismo de inibição sobre o receptor PD-1. Aprovado nos Estados Unidos em 2014 para o melanoma e em 2015 para o cancro do pulmão, este fármaco tem também já o parecer positivo da Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) para ser aplicado na Europa em cancro de pulmão.

“O nivolumab não tem estudos comparativos com o pembrolizumab desenvolvidos, mas lado a lado com a quimioterapia, verificou-se que cerca de 70% dos doentes [com melanoma] estavam vivos ao fim de um ano”, explica Ana Castro. “Os dois são bons medicamentos e alternativas à quimioterapia para os doentes com melanoma avançado.”

Um outro medicamento de imunoterapia, também do laboratório Bristol-Myers Squibb, teve já em 2011 aprovação nos Estados Unidos e em 2012 na Europa, para o tratamento do melanoma. É o ipilimumab, que usa mecanismos inibitórios diferentes.

“Os estudos comparativos realizados entre o pembrolizumab e o ipilimumab mostraram uma diferença de 30% na taxa de sobrevida”, diz Ana Castro. Ao fim de um ano, acrescenta a oncologista, 40% dos doentes que tomaram o ipilimumab estavam vivos, um valor inferior aos 70% relativos aos doentes tratados com pembrolizumab.

O pembrolizumab foi aprovado em 2014 nos Estados Unidos para tratamento de doentes com melanoma. Na Europa, o Comité dos Medicamentos para Uso Humano da EMA já tinha também emitido um parecer positivo, recomendando a aprovação do fármaco pela Comissão Europeia, o que se concretizou na última terça-feira. A empresa farmacêutica vai agora submeter o medicamento a análise pelo Infarmed, para se determinar o seu preço, e só depois disso chegará ao mercado português.

Texto editado por Teresa Firmino