Justiça investiga negócio de venda da Vivo à Telefónica e compra da Oi

No quadro da colaboração com as autoridades brasileiras, o Ministério Público quer apurar o envolvimento de ex-governantes, accionistas e gestores num negócio de 2010 que envolveu 7,5 mil milhões de euros.

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Suspeitas de vastos benefícios financeiros podem estar na origem das averiguações Nuno Ferreira Santos

“As investigações relacionadas com os temas abordados no email encontram-se em segredo de justiça.” Esta foi a resposta do Ministério Público a três perguntas concretas do PÚBLICO. Uma questionava se o MP "está a investigar os movimentos financeiros que envolveram gestores da PT e governantes portugueses e brasileiros, nomeadamente em 2010 durante o negócio de venda das acções da Vivo (50%) detidas pela PT à empresa espanhola Telefonica (que pagou 7500 milhões de euros) e consequente entrada da brasileira Oi na PT e da PT na Oi". Referia-se aqui que "informações recolhidas pelo PÚBLICO apontam para movimentos de verbas 'extra' que podem ter rondado 200 milhões de euros". Este foi um negócio de contornos complexos que se concretizou num tempo recorde: menos de um mês.

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“As investigações relacionadas com os temas abordados no email encontram-se em segredo de justiça.” Esta foi a resposta do Ministério Público a três perguntas concretas do PÚBLICO. Uma questionava se o MP "está a investigar os movimentos financeiros que envolveram gestores da PT e governantes portugueses e brasileiros, nomeadamente em 2010 durante o negócio de venda das acções da Vivo (50%) detidas pela PT à empresa espanhola Telefonica (que pagou 7500 milhões de euros) e consequente entrada da brasileira Oi na PT e da PT na Oi". Referia-se aqui que "informações recolhidas pelo PÚBLICO apontam para movimentos de verbas 'extra' que podem ter rondado 200 milhões de euros". Este foi um negócio de contornos complexos que se concretizou num tempo recorde: menos de um mês.

A segunda pergunta do PÚBLICO visava esclarecer se o MP confirmava ter recebido um pedido de colaboração das autoridades policiais brasileiras para apurar a abrangência dos contactos que se estabeleceram entre 2005 e 2011 entre os círculos próximos” do ex-Presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva e os do ex-primeiro-ministro José Sócrates. Há precisamente cinco anos, Sócrates e Lula da Silva falaram várias vezes ao telefone. As conversas decorreram entre o final de Junho e o final de Julho e destinaram-se a encontrar uma solução para ultrapassar o impasse provocado pelo veto de Sócrates à venda, à Telefónica, das acções da PT na brasileira Vivo.   

A 25 de Junho de 2010 o ex-primeiro-ministro faz saber que deu orientações à Caixa Geral de Depósitos, com 8% da PT, para, na assembleia geral de 30 de Junho, votar contra o negócio. Isto desencadeia um braço-de-ferro com a gestão da PT (Zeinal Bava e Henrique Granadeiro), alinhada com Ricardo Salgado, que liderava o BES, o principal accionista da operadora com 10% do capital. Uma das raras vezes em que Salgado (o principal visado nas inquirições ao GES/BES) esteve de costas voltadas para Sócrates.

O antigo chefe de Governo justificava a sua posição com uma tese antiga: “o interesse estratégico" do Brasil, a “dimensão e escala da PT”, garantir que Portugal tinha no sector económico das TIC "uma empresa com uma dimensão internacional que permita desenvolver engenharia, projecto industrial, inovação, concentrar investimentos na área da I&D Investigação & Desenvolvimento)”. E, em consonância, na reunião de 30 de Junho jogou mesmo com a golden share ("acção de ouro", com poder de decisão) e travou a operação. Só restava ao BES, à Ongoing (10%), à Visabeira (2%) e à Telefónica (9,7%) encontrarem para a PT uma solução brasileira alternativa à Vivo. O que é desencadeado num quadro de urgência para o BES (e para a Ongoing endividada), a enfrentar um aperto financeiro na sequência da crise de 2007. E hoje sabe-se que desde 2008 que a ESI, a cabeça do GES, tinha um buraco nas contas de 1300 milhões de euros ocultado do Banco de Portugal até Novembro de 2013, cerca de nove meses antes do BES ser intervencionado.

Começou então uma corrida contra o tempo para contornar o bloqueio político, o que exigiu um trabalho grande de bastidores. A solução foi rapidamente encontrada em Brasília, que sugeriu à PT que avaliasse a Oi (mais forte no segmento fixo do que no móvel) como potencial parceira. Idealizada como um grande operador brasileiro, a Oi necessitava de consolidar uma estrutura accionista alavancada no banco estatal brasileiro Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Por outro lado, a Oi aparecia como uma resposta à exigência de Sócrates de que a PT se mantivesse com presença no Brasil.

Uma das figuras que apareceu a promover os contactos entre portugueses, brasileiros e espanhóis foi José Dirceu, que foi chefe da Casa Civil do ex-Presidente da República Lula da Silva e acabou detido em 2012, acusado de ser “o cabecilha” do caso Mensalão. Dirceu (José Dirceu Oliveira e Silva), o arquitecto da campanha que levou Lula da Silva ao Palácio do Planalto em 2003, prestava serviços a empresas, em particular às envolvidos em grandes negócios a necessitar de avales políticos, uma acção que decorria através das sociedades de advocacia e de consultoria, designadas Oliveira e Silva, JD Consultores e JC&S ainda no activo.

Em Julho de 2010, a Telefónica recorreu aos serviços do gabinete de Oliveira e Silva & Associados e foi Dirceu que abriu à operadora espanhola as portas do BNDES, a instituição pública federal que financia os mega-investimentos. Há mesmo registo de várias reuniões entre as sociedades de Dirceu e responsáveis da Telefónica.

E a 8 de Julho de 2010, vinte dias antes de a PT anunciar o acordo final com a Oi, Dirceu deslocou-se a Lisboa para estabelecer contactos ao mais alto nível. E há até declarações suas a defender “a fusão da Oi com a Brasil Telecom ou com uma empresa como a PT." 

O ex-braço-direito de Lula da Silva manteve naquele período reuniões com os accionistas da Oi a enfrentar pressão na tesouraria. O que justificou o empenho de Otávio Marques Azevedo, o presidente da construtora Andrade Gutierrez, o maior accionista da operadora brasileira, em chegar a entendimento com o capital da PT. O acordo salomónico foi anunciado a 27 de Julho de 2010: a Telefónica pagava 7,5 mil milhões à PT (depois de ter começado por oferecer 6,5 mil milhões) para ficar com 50% da Vivo, e a PT usava parte do encaixe para investir 3,75 mil milhões na compra de 23% da Oi. E a Oi adquiria 10% da PT.

No contexto da falência do GES/BES, os accionistas da PT acabaram a vender a operadora à Altice. O Expresso noticiou já que um empresário, Hernâni Vaz Antunes, que trabalha habitualmente com a Altice, interpôs uma providência cautelar contra a Oi por ausência do pagamento de uma comissão de cerca de 70 milhões de euros na intermediação do negócio da venda da PT Portugal.

Nas últimas semanas vários quadros da construtora brasileira Andrade Gutierrez, como o seu presidente, Otávio Marques Azevedo, próximo de Lula da Silva, foram presos no âmbito da operação Lava Jato, um mega-inquérito que investiga actos de corrupção e desvio de dinheiro da petrolífera estatal Petrobras. O gestor, que foi administrador da PT, é acusado de fraude.

Depois do Mensalão José Dirceu é de novo atingido pela Operação Lava Jato. Ontem ficou a saber-se que as autoridades brasileiras apanharam documentos que associam pagamentos de empresas de construção à sociedade JD Consultoria, da qual Dirceu é sócio com o irmão Luiz Eduardo de Oliveira e Silva. Uma das empresas em causa é precisamente a Andrade Gutierrez.

Em Portugal o ex-ministro-chefe da Casa Civil de Lula da Silva surgiu associado ao escritório de advocacia português Lima, Serra, Fernandes & Associados, chefiado pelo grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL) [Fernando Lima] que, até ao início do corrente mês, era presidente da Galilei (ex-SLN). O PÚBLICO apurou que, entre 2007 e 2008, a LSF & Associados prestou apoio à PT, no quadro do dossier Vivo, tendo recebido mesmo uma avença da operadora nacional.

Num trabalho desenvolvido pelo PÚBLICO, em 19 de Fevereiro de 2012, Fernando Lima confirmou a ligação da sociedade de advocacia nacional a Dirceu que teria uma "longa relação de amizade" com o seu sócio João Abrantes Serra, ex-gestor da construtora Abrantina. Na altura, o advogado português considerou "provável" que os gestores da Ongoing, Nuno Vasconcellos e Rafael Mora, tivesse conhecido Dirceu através de João Abrantes Serra. A JD Consultoria, ligada ao brasileiro, prestou serviços à Ongoing no Brasil.

Também Miguel Relvas, o ex-ministro dos Assuntos Parlamentares, filiado então na mesma loja maçónica do líder da LSF & Associados, Fernando Lima, a Universalis, manteve uma relação de amizade com José Dirceu. Em 2012 Miguel Relvas confirmou ao PÚBLICO que o relacionamento datava de 2004, apesar de "já não o ver [a Dirceu] há cerca de um ano".