Bairro Alto 2015

Há mais vinho por todo o lado, alentejano e duriense, bom e barato, branco e rosé, bebido das garrafas por adolescentes que fogem às litrosas de sempre

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Aaron Straup Cope/Flickr

Bairro Alto 2015, 25 anos depois da primeira vez... gentrificado e cheio de turistas, a padaria das três da manhã agora tem um balcão todo pipi, fecharam-me o Gingão e o Frágil (bandidos!), há uma esquadra espetada no meio donde a maltinha se abastecia de fumo e mini-mercados com tristes funcionários paquistaneses (com ímans de frigorífico com bandeirinhas nacionais e guitarrinhas do fado) abertos até às tantas por todo o lado.

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Bairro Alto 2015, 25 anos depois da primeira vez... gentrificado e cheio de turistas, a padaria das três da manhã agora tem um balcão todo pipi, fecharam-me o Gingão e o Frágil (bandidos!), há uma esquadra espetada no meio donde a maltinha se abastecia de fumo e mini-mercados com tristes funcionários paquistaneses (com ímans de frigorífico com bandeirinhas nacionais e guitarrinhas do fado) abertos até às tantas por todo o lado.

O Clandestino, o Tacão e as Portas Largas estão praticamente na mesma (a Tasca do Chico exactamente na mesma); o Capotes já não tem skins (valha-nos alguma coisa); a Mama Rosa e o Catacumbas mudaram de nome mas é a fita de sempre; abriram mais duzentos e cinquenta barzinhos ao longo da Rosa e da Atalaia, que vão durar o mesmo quarto de hora doutros tantos que já vimos abrir e fechar.

A Tia Alice (o Arroz Doce) já não tem Tia Alice (a terra lhe seja leve) nem a cerca de madeira à volta da caixa, nem o boneco do Freud no canto e agora tem música ao vivo (fraquinha, mas vá, decente) e uma decoração nova e uma carta de gins puxadotes mas ainda vende o Pontapé na Cona e a minha assinatura a isqueiro ainda perdura no tecto da casa-de-banho dos homens. Está moderno à brava... só falta uma Tia Alice animatrónica (ou holográfica) a mandar-nos para o caralho e está a disneylandia montada!

Há wine-bars por todo o lado (com os respectivos turistas e meninas com pretensões artísticas de copo de pé na mão ao cangote) e uns exóticos senhores de touca branca que empurram pães-com-chouriço, boa notícia, a malta estava realmente a precisar de ensopar o veneno!

Aliás, há mais vinho por todo o lado, alentejano e duriense, bom e barato, branco e rosé, bebido das garrafas por adolescentes que fogem às litrosas de sempre, adolescentes a rirem-se alto da última lei do álcool da maioria. Só para compensar a cerveja dispensada em baldes onde cabe a minha cabeça, os shots, os cocktails modernaços: as morangoskas, os caipirões, etc.

E depois há o que não muda nunca... a Zé dos Bois (porque os vícios só têm tendência para piorar) e as Primas (porque até a ASAE tem medo das Primas): e é ver os quarentões lavadinhos (como eu) entrar no buraco mais adoravelmente infecto do Bairro (na mesma há pelo menos 30 anos) e a respirarem de alívio só por serem as mesmas caras ossudas, duma muito específica beleza, a receberem-nos ao balcão, os mesmos matrecos desconjuntados, o mesmo James Dean amarelado, a mesma cerveja barata.

E diz-me a patroa (a companheira, no BA é a companheira) do alto da sua serena sabedoria, sentadinha no lancil badalhoco da Rua Rosa: Nós é que somos a mesma coisa!

Pois é verdade e tens razão: no meio de toda a mudança, todos os bares que fecham e que abrem no mesmo sítio com novos nomes e novos hábitos de consumo e novas maneiras de fruir o espaço e novas equações entre os chungas de sempre e os rebeldes de antigamente e os novos turistas e betinhos (mauricínhos e patricínhas, para os irmãos do Brasil) caídos de paraquedas, o que se mantém somos nós: o par de namorados em roupa do gasto, a beber lento do barato, a gozar que nem índios com os pretensiosos e a fazer momices aos turistas perdidos, a dançar na rua e a cantar aos polícias, a agradecer com firmes negas aos camaradas das rosas encadernadas.

Pois, estamos acabadotes e temos de empacotar a criança para os avós antes de fugirmos, às vezes hesitamos se é neste ou no próximo beco que havia aquele buraco porreiro, mas no fundo no fundo ainda estamos em casa, no fundo no fundo ainda fazemos a festa com meia-dúzia de bejecas e o outro. O Bairro continua a chegar-nos e nós a chegar para o Bairro. Bom filho à casa torna.