Os sonetos de Daniel Jonas distinguidos com o Grande Prémio de Poesia
Poeta e dramaturgo portuense foi premiado pelo livro Nó. Júri diz que Daniel Jonas “convoca a tradição lírica ocidental para uma recomposição textual lúcida e fortemente irónica, cosmopolita”.
O júri do prémio, que conta com a coordenação da APE e o patrocínio da Câmara Municipal de Amarante, destaca em comunicado o “mérito muito assinalável” do trabalho poético de Daniel Jonas, “que convoca a tradição lírica ocidental para uma recomposição textual lúcida e fortemente irónica, cosmopolita, atenta aos lugares e tempos de um presente recolhido e transfigurado”.
António Mega Ferreira, Fernando J.B. Martinho e José Manuel Mendes constituíram o júri que escolheu a obra de Daniel Jonas que concorria com Escuro, de Ana Luísa Amaral; Ritornelos, de Joana Emídio Marques; A Misericórdia dos Mercados, de Luís Filipe Castro Mendes; Jóquei, de Matilde Campilho; e O Fruto da Gramática, de Nuno Júdice.
“Foi uma surpresa porque não sabia sequer que estava nomeado”, diz ao PÚBLICO, Daniel Jonas, destacando a curiosidade de os dois livros que escreveu em sonetos (Nó e Sonótono) serem as suas únicas obras premiadas até agora. “Eram os cavalos em que não apostaria”, brinca o autor, admitindo que a escrita em sonetos “é uma área difícil que coloca desafios interessantes mas mais complexos”.
Jonas mostra-se “espantado” por ter sido escolhido ao lado de nomes como Campilho ou Júdice, poetas que “têm sido mais projectados, são mais amistosos e media-friendly”. “Tenho de agradecer ao júri”, diz, revelando estar neste momento a trabalhar num novo livro que terá como nome Bisonte e que deverá ser editado nos próximos meses. “Vai ser um regresso à forma mais livre como em Passageiro Frequente.”
Na segunda edição, concorreram ao Grande Prémio de Poesia 77 obras publicadas no ano de 2014, sucedendo Daniel Jonas a Fernando Guimarães, distinguido no ano passado, que a título excepcional, por se tratar da primeira edição do prémio nestes moldes, avaliou obras editadas nos anos de 2011, 2012 e 2013.
Nascido em 1973 no Porto, Daniel Jonas tem sido reconhecido como uma das vozes mais inovadoras da poesia portuguesa contemporânea, devendo-se-lhe ainda várias traduções, incluindo uma ambiciosa e elogiada versão portuguesa do Paraíso Perdido, de John Milton. No início deste ano, Daniel Jonas foi escolhido como um dos sete poetas candidatos ao prémio de Poeta Europeu da Liberdade, atribuído de dois em dois anos pelo festival de poesia de Gdansk, na Polónia.
Publicou o seu primeiro livro de poesia, O Corpo Está Com o Rei, em 1997. Seguiram-se Moça Formosa, Lençóis de Veludo (2002), Os Fantasmas Inquilinos (2005), Sonótono (2007), Nenhures (2008) e Passageiro Frequente (2013). Nó, o livro de sonetos agora premiado, chegou às lojas em 2014.
“Daniel Jonas é um autor culto, um poeta plural”, explica António Guerreiro, crítico literário do PÚBLICO, lembrando que a escrita em sonetos nunca desapareceu na literatura e que o escritor “faz da literatura um jogo, por vezes perverso e com algo divertido”. “Ele é alguém que tem uma grande capacidade de fazer o que quiser com os textos”.
Hugo Pinto Santos, também crítico do PÚBLICO, diz que Daniel Jona já tinha usado a forma do soneto em Sonótono, citando o verso “No metro o que é saúde, nervo, verve”. “São precisamente o ‘nervo e a verve’ o que volta a estar em causa nesta mais recente colectânea”, destaca ao PÚBLICO. “Isto é, apesar de escrever numa forma canónica – não restrita aos clássicos quinhentistas e seguintes; pensemos em Jorge de Sena e as As Evidências (1955) –, Daniel Jonas consegue transmitir-lhe o sangue que nos permite perceber não estarmos perante uma fossilização arquivística, mas a ler as palavras de um corpo-alma (para usar a fórmula de um outro poeta, Ruy Cinatti) que escreve vida”, continua Hugo Pinto Santos. “Daniel Jonas encarna, em verso, essa dupla condição: ‘Eu que sinto coa pele do pensamento'”.
Sobre Nó, já António Guerreiro tinha escrito no PÚBLICO que nesta obra “Daniel Jonas mostra bem que é um poeta prestidigitador e, além disso, capaz de habitar poeticamente um tempo que não é o contemporâneo”.
Guerreiro começa o seu texto intitulado Versos de Puro Nada escolhendo um dos sonetos: “Sonhando danças, vígil, marcas passo./ Vivendo dormes, vives se adormeces/ Na caixinha de música em que esqueces/ Como um velho sobre o éter do bagaço./ Oh, em ti rodopias, pobre piasca,/ Que sonhas teu compasso visionário,/ A falsa valsa, o baile imaginário/ Nos clássicos salões da tosca tasca./ E abraços tantos são em que te abraças/ Que em sonhos lasso o abraço lhe prolongas;/ Em aguardente imerso o capitão / Assim aceita os braços de outras braças./ A vida... Porque nela te delongas? A vida cabe toda num caixão”. Servem para demonstrar que desses sonetos se solta “um intenso perfume anacrónico”, “não apenas por serem sonetos, essa forma fixa com todos os seus constrangimentos, mas porque actualizam uma antiga retórica”.
Guerreiro, que escreveu há um ano que Jonas é "um dos autores mais fortes da poesia portuguesa actual", defende ao PÚBLICO que este “é um poeta que aparece de uma maneira um pouco heterodoxa” na poesia de hoje. “É uma heterodoxia virada para o passado, alguém que tem uma relação literária forte com a tradição, que se afasta da experiência realista da maior parte da poesia contemporânea”. A sua poesia, escreveu, atravessa vários tempos, o clássico, o romântico, o moderno, “numa apoteose de rastos e linhagens que comparecem subtilmente”.
A Câmara de Amarante já atribuía o Grande Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes, que até à chegada da APE tinha uma periodicidade bienal. Foi instituído em 1997, aquando do 120.º aniversário do nascimento do poeta. Já a Associação Portuguesa de Escritores entregava o Grande Prémio de Poesia da APE, que em 1988 teve como primeiro premiado Eugénio de Andrade, mas que entretanto havia sofrido um interregno.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O júri do prémio, que conta com a coordenação da APE e o patrocínio da Câmara Municipal de Amarante, destaca em comunicado o “mérito muito assinalável” do trabalho poético de Daniel Jonas, “que convoca a tradição lírica ocidental para uma recomposição textual lúcida e fortemente irónica, cosmopolita, atenta aos lugares e tempos de um presente recolhido e transfigurado”.
António Mega Ferreira, Fernando J.B. Martinho e José Manuel Mendes constituíram o júri que escolheu a obra de Daniel Jonas que concorria com Escuro, de Ana Luísa Amaral; Ritornelos, de Joana Emídio Marques; A Misericórdia dos Mercados, de Luís Filipe Castro Mendes; Jóquei, de Matilde Campilho; e O Fruto da Gramática, de Nuno Júdice.
“Foi uma surpresa porque não sabia sequer que estava nomeado”, diz ao PÚBLICO, Daniel Jonas, destacando a curiosidade de os dois livros que escreveu em sonetos (Nó e Sonótono) serem as suas únicas obras premiadas até agora. “Eram os cavalos em que não apostaria”, brinca o autor, admitindo que a escrita em sonetos “é uma área difícil que coloca desafios interessantes mas mais complexos”.
Jonas mostra-se “espantado” por ter sido escolhido ao lado de nomes como Campilho ou Júdice, poetas que “têm sido mais projectados, são mais amistosos e media-friendly”. “Tenho de agradecer ao júri”, diz, revelando estar neste momento a trabalhar num novo livro que terá como nome Bisonte e que deverá ser editado nos próximos meses. “Vai ser um regresso à forma mais livre como em Passageiro Frequente.”
Na segunda edição, concorreram ao Grande Prémio de Poesia 77 obras publicadas no ano de 2014, sucedendo Daniel Jonas a Fernando Guimarães, distinguido no ano passado, que a título excepcional, por se tratar da primeira edição do prémio nestes moldes, avaliou obras editadas nos anos de 2011, 2012 e 2013.
Nascido em 1973 no Porto, Daniel Jonas tem sido reconhecido como uma das vozes mais inovadoras da poesia portuguesa contemporânea, devendo-se-lhe ainda várias traduções, incluindo uma ambiciosa e elogiada versão portuguesa do Paraíso Perdido, de John Milton. No início deste ano, Daniel Jonas foi escolhido como um dos sete poetas candidatos ao prémio de Poeta Europeu da Liberdade, atribuído de dois em dois anos pelo festival de poesia de Gdansk, na Polónia.
Publicou o seu primeiro livro de poesia, O Corpo Está Com o Rei, em 1997. Seguiram-se Moça Formosa, Lençóis de Veludo (2002), Os Fantasmas Inquilinos (2005), Sonótono (2007), Nenhures (2008) e Passageiro Frequente (2013). Nó, o livro de sonetos agora premiado, chegou às lojas em 2014.
“Daniel Jonas é um autor culto, um poeta plural”, explica António Guerreiro, crítico literário do PÚBLICO, lembrando que a escrita em sonetos nunca desapareceu na literatura e que o escritor “faz da literatura um jogo, por vezes perverso e com algo divertido”. “Ele é alguém que tem uma grande capacidade de fazer o que quiser com os textos”.
Hugo Pinto Santos, também crítico do PÚBLICO, diz que Daniel Jona já tinha usado a forma do soneto em Sonótono, citando o verso “No metro o que é saúde, nervo, verve”. “São precisamente o ‘nervo e a verve’ o que volta a estar em causa nesta mais recente colectânea”, destaca ao PÚBLICO. “Isto é, apesar de escrever numa forma canónica – não restrita aos clássicos quinhentistas e seguintes; pensemos em Jorge de Sena e as As Evidências (1955) –, Daniel Jonas consegue transmitir-lhe o sangue que nos permite perceber não estarmos perante uma fossilização arquivística, mas a ler as palavras de um corpo-alma (para usar a fórmula de um outro poeta, Ruy Cinatti) que escreve vida”, continua Hugo Pinto Santos. “Daniel Jonas encarna, em verso, essa dupla condição: ‘Eu que sinto coa pele do pensamento'”.
Sobre Nó, já António Guerreiro tinha escrito no PÚBLICO que nesta obra “Daniel Jonas mostra bem que é um poeta prestidigitador e, além disso, capaz de habitar poeticamente um tempo que não é o contemporâneo”.
Guerreiro começa o seu texto intitulado Versos de Puro Nada escolhendo um dos sonetos: “Sonhando danças, vígil, marcas passo./ Vivendo dormes, vives se adormeces/ Na caixinha de música em que esqueces/ Como um velho sobre o éter do bagaço./ Oh, em ti rodopias, pobre piasca,/ Que sonhas teu compasso visionário,/ A falsa valsa, o baile imaginário/ Nos clássicos salões da tosca tasca./ E abraços tantos são em que te abraças/ Que em sonhos lasso o abraço lhe prolongas;/ Em aguardente imerso o capitão / Assim aceita os braços de outras braças./ A vida... Porque nela te delongas? A vida cabe toda num caixão”. Servem para demonstrar que desses sonetos se solta “um intenso perfume anacrónico”, “não apenas por serem sonetos, essa forma fixa com todos os seus constrangimentos, mas porque actualizam uma antiga retórica”.
Guerreiro, que escreveu há um ano que Jonas é "um dos autores mais fortes da poesia portuguesa actual", defende ao PÚBLICO que este “é um poeta que aparece de uma maneira um pouco heterodoxa” na poesia de hoje. “É uma heterodoxia virada para o passado, alguém que tem uma relação literária forte com a tradição, que se afasta da experiência realista da maior parte da poesia contemporânea”. A sua poesia, escreveu, atravessa vários tempos, o clássico, o romântico, o moderno, “numa apoteose de rastos e linhagens que comparecem subtilmente”.
A Câmara de Amarante já atribuía o Grande Prémio de Poesia Teixeira de Pascoaes, que até à chegada da APE tinha uma periodicidade bienal. Foi instituído em 1997, aquando do 120.º aniversário do nascimento do poeta. Já a Associação Portuguesa de Escritores entregava o Grande Prémio de Poesia da APE, que em 1988 teve como primeiro premiado Eugénio de Andrade, mas que entretanto havia sofrido um interregno.