A festa de Take me out e a apoteose com Florence + The Machine

Florence + The Machine conquistou e foi conquistada pelo público. Os Franz Ferdinand e os Sparks fizeram do seu encontro uma celebração festiva. Destaques do último dia de Super Bock Super Rock. 20 mil pessoas na despedida. 56 mil ao longo de todo o festival.

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Quando o relógio já confirmava que vivíamos de madrugada, ou seja, quando o festival acelerava na recta final, arriscamos que essas 20 mil pessoas estavam todas, mesmo todas, no interior do Meo Arena. Era essa a constatação a fazer quando percorríamos com o olhar as bancadas cheias e a plateia igualmente repleta de gente agitando as pulseiras, um dos muitos brindes oferecidos pelas marcas associadas ao festival, que se iluminavam e piscavam ao ritmo das palmas.

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Quando o relógio já confirmava que vivíamos de madrugada, ou seja, quando o festival acelerava na recta final, arriscamos que essas 20 mil pessoas estavam todas, mesmo todas, no interior do Meo Arena. Era essa a constatação a fazer quando percorríamos com o olhar as bancadas cheias e a plateia igualmente repleta de gente agitando as pulseiras, um dos muitos brindes oferecidos pelas marcas associadas ao festival, que se iluminavam e piscavam ao ritmo das palmas.

O último dia trouxe Unknown Mortal Orchestra ou Banda Mar, sob a pala; trouxe D'Alva ou We Trust no palco Antena 3 perto das escadarias exteriores do antigo Pavilhão Atlântico; trouxe Rodrigo Amarante, que assinou concerto intimista para algumas centenas no vasto espaço, nada intimista, do Meo Arena; e trouxe o concerto que junta os Franz Ferdinand, heróis pop do século XXI, aos Sparks, lendas de culto do glam da década de 1970. Contudo, toda a gente parecia estar ali para aquele momento.

Se há 20 mil pessoas no último dia de Super Bock Super Rock, têm que estar todas aqui, agora, a ver os Florence + The Machine e a aplaudir Florence Welch enquanto ela corre o palco de um extremo ao outro, enquanto dança e salta palco fora e corre novamente pelo corredor que se abre plateia dentro, enquanto canta Shake it out na sua vestimenta branca de boa feiticeira (pop).

A música não tem grandes segredos. São canções grandiloquentes, ideais para grandes espaços, feitas de refrães de tons épicos, igualmente ideais para que Florence Welch liberte a sua amplitude vocal. Pelo Meo Arena passaram os clássicos de ontem (Dog days are over quase no final, a supracitada Shake it out a início) e passaram as novidades do recente How Big, How Blue, How Beautiful (alinhamento polvilhado de Ship to wreck, What kind of man ou Delilah). Dar conta do alinhamento, porém, pouco explica. Os Florence + The Machine não estavam à espera de tanto, de tanto público e tanta euforia, e corresponderam, desarmados, à energia que lhes foi oferecida. Florence Welch abraçou o público nas primeiras filas, recebeu as coroas de flores que lhe depositaram na cabeça. Sorriu muito, muito feliz, e, contagiada pela recepção, parecia um dínamo incapaz de um segundo de serenidade. As suas canções, como sabemos, são sempre bombásticas, com coros a engrandecer a linha de voz principal e o baterista com pé quente no calcar do pedal do bombo. Florence ocupou o palco no mesmo tom.

Houve uma citação breve de Patti Smith, com a referência a People have the power, e a incitação para que o público se libertasse na noite – foi o que ela fez, agitando a camisa de mangas largas sobre a cabeça enquanto corria corredor acima e abaixo antes de desaparecer do palco. No fim do encore, agradeceu uma vez mais, comovida, a recepção. Isto não é a Aula Magna, como na estreia em palcos portugueses. Isto é um festival inteiro ali para a ver. A música pode não ser particularmente memorável (uma pop eficiente nos seus crescendos, de dinâmicas bem definidas e servida por uma voz expressiva), mas é inegável que Florence Welch e a banda que a acompanha sabem encher um palco e agarrar uma multidão. Em aclamação popular, dela se fará a história da edição 2015 do Super Bock Super Rock. Dela, e da banda que a antecedeu no Meo Arena.

Convívio escocês e americano
FFS!, ou seja, os quatro Franz Ferdinand e os irmãos Ron e Russel Mael, os fundadores dos Sparks em 1971. Um encontro frutuoso entre o rock'n'roll anfetaminado dos primeiros e o glam-rock operático dos segundos pode ter parecido tarefa complicada no papel, mas se o álbum que editaram este ano já mostrara o erro em que caía essa dúvida, o concerto que lhes vimos, equilibrado entre as canções do novo álbum e música extraída à discografia de cada uma das bandas, provou de forma eloquente que o convívio entre os escoceses e os americanos deve ser prezado.

O nervo pós-punk e a sensibilidade pop dos Franz Ferdinand contaminou as intrincadas criações dos Sparks e saltámos de Do you wanna ou Michael, dos primeiros, para This town ain't big enough for the both of us, dos segundos, com a obra conjunta (Collaborations don't work, Piss off) pelo meio – ouvimos tudo como se fosse obra coerente e conjunta dos seis em palco.

Russel Mael e Alex Kapranos, os dois vocalistas, foram elegantíssimos e enérgicos mestres-de-cerimónias. Ron Mael, o teclista de óculos e bigode fino colado ao lábio, manteve a pose imperturbável durante quase todo o tempo e tornou-se o rei da noite, a julgar pela chuva de aplausos que recebeu, quando abandonou por breves segundos a rigidez estudada para se entregar a uns burlescos passos de dança, qual membro de uma trupe de vaudeville. Foi um concerto de celebração de uma linguagem pop que se descobriu comum às duas bandas, nascidas com três gerações entre si, e que teve momento alto com a dança absurdamente feliz que provocou a chegada da inevitável Take me out.

Melhorar o som do palco
Nessa altura, meia noite já ultrapassada, sol há muito caído no horizonte, o público certamente que já deixara de estranhar o novo habitat deste festival com 20 anos de história, como testemunhou no primeiro dia a reportagem do PÚBLICO. A proximidade do rio como que o torna mais aberto, apesar dos dois palcos em salas fechadas (o Meo Arena e o Carlsberg), e retira-lhe o peso austero que têm por vezes os festivais urbanos. Faltar-lhe-á, por agora, trabalhar no melhoramento do som do palco instalado sob a pala do Pavilhão de Portugal e no Meo Arena, por vezes insatisfatório, e afinar o enquadramento do espaço com a parafernália sempre associada a eventos deste tipo, de forma a que a presença das marcas e as iniciativas promocionais que desenvolvem incessantemente se harmonizem melhor, ou seja, mais discretamente, no conjunto do festival. Parece inegável, porém, que o Super Bock Super Rock, que tantas casas conheceu ao longo do tempo, descobriu um bom poiso para os próximos anos.

Olhando as fotografias assinadas pela fotojornalista Rita Carmo, da Blitz, e por outros colegas que cobriram toda a vida do festival e que encontrávamos expostas numa área do Pavilhão de Portugal, sobressai algo de óbvio: a identidade do Super Bock Super Rock são os nomes que por ele passaram ao longo de todo esse tempo, de David Bowie, dos Cure ou dos Morphine dos primeiros anos, aos Blur, a Sting, Benjamin Clementine, às Savages ou Perfume Genius, nomes em destaque nos dois primeiros dias da sua edição 2015. Juntemo-lhes mais alguns. Aqueles de que, para além de Florence + The Machine e dos FFS!, se fez o último dia.

A Banda do Mar prolongou o seu acalorado romance com o público português, que canta com Marcelo Camelo e Mallu Magalhães os rebuçados pop criados com Fred Ferreira – e a festa que já era festa com, por exemplo, Mais ninguém ou Muitos chocolates, tornou-se mais efusiva quando chegou, inesperadamente, essa Anna Júlia, dos Los Hermanos, que julgávamos enterrada para sempre por Marcelo Camelo. Antes disso, os Unknown Mortal Orchestra conseguiram superar o som irritantemente defeituoso dos primeiros 20 minutos de concerto (Ruban Nielson cantava, mas nada lhe ouvíamos) para mostrar a riqueza de uma música que, com Multi-Love, o último álbum, acrescentou às deliciosas propriedades psicadélicas de outrora camadas de soul, pitadas de funk sintético, à Prince, e viagens em sintetizador à Stevie Wonder dos bons velhos 1970s – entre So good at being in trouble, canção ícone do passado recente, e o tema título do novo álbum, salvou-se um concerto que parecera condenado e, ainda que não tenham deslumbrado como nas anteriores passagens por Portugal, confirmámos os Unknown Mortal Orchestra como uma das bandas mais interessantes da actualidade. Os Palma Violets, que tal como eles actuaram sob a pala do Pavilhão de Portugal, podem não ter uma linguagem tão rica, mas têm do seu lado a urgência e o abandono rock'n'roll com que se entregam ao concerto.

O segundo álbum dos ingleses intitula-se Danger in the club o baptismo é adequado: estavam a tocar a céu aberto, mas quando ouvimos English tongue, quando vemos os corpos que se entregam ao crowd-surf, quando os riffs apunkalhados se sucedem, convocando os Clash ou Ian Dury, sentimo-nos num pequeno pub em frenesim com a electricidade que dá vida às suas paredes – pensamos, mais especificamente, no pub rock que abriu caminho ao punk e em como os Palma Violets retêm essa energia e esse charme desleixado.

No dia em que Márcia convidou Samuel Úria e Criôlo (que tocaria horas depois no palco Carlsberg) a juntarem-se-lhe para um par de canções, dando um outro brilho ao concerto seguríssimo, doce e delicado como são as palavras cantadas, que assinou no palco EDP, passaram pelo Super Bock Super Rock 20 mil pessoas. Ao longo dos três dias de festival, o Parque das Nações acolheu 56 mil pessoas. Novo local, mais de história para contar.