A social-democracia europeia e as lições do processo grego
Alexis Tsipras libertou demónios dificilmente controláveis, mas nos últimos dias tem revelado um inegável sentido de responsabilidade.
Os primeiros insistiam na tese do compromisso com sectores do centro e centro-direita igualmente sensíveis ao apelo de uma significativa mudança na política monetária e nas prioridades orçamentais, sem quebra de uma imprescindível confiança entre os vários parceiros envolvidos neste processo; os segundos, seduzidos por uma retórica extremista, apostavam tudo numa aliança com grupos políticos oriundos de uma tradição revolucionária e, como tal, empenhados numa rejeição absoluta do modelo institucional vigente. Como sempre acontece nestas situações também houve quem optasse por uma atitude algo dúbia, não tanto por tacticismo oportunista mas sim devido a uma real incapacidade de discernir o que verdadeiramente estava em causa.
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Os primeiros insistiam na tese do compromisso com sectores do centro e centro-direita igualmente sensíveis ao apelo de uma significativa mudança na política monetária e nas prioridades orçamentais, sem quebra de uma imprescindível confiança entre os vários parceiros envolvidos neste processo; os segundos, seduzidos por uma retórica extremista, apostavam tudo numa aliança com grupos políticos oriundos de uma tradição revolucionária e, como tal, empenhados numa rejeição absoluta do modelo institucional vigente. Como sempre acontece nestas situações também houve quem optasse por uma atitude algo dúbia, não tanto por tacticismo oportunista mas sim devido a uma real incapacidade de discernir o que verdadeiramente estava em causa.
Esta divergência poderá deixar marcas muito negativas se não olharmos para a questão numa perspectiva mais vasta do que aquela que resulta da simples convocação das emoções do presente. Comecemos por reparar num singelo facto histórico: a extrema-esquerda, nas suas múltiplas manifestações, não só nunca aderiu ao projecto europeu como até, pelo contrário, sempre o anatematizou como uma construção típica das “ democracias burguesas “ dominadas por uma lógica capitalista, por definição condenada à extinção devido à inexorável dialéctica da História. Não conheço um só caso em que tais forças políticas tenham exprimido a mais leve adesão ao projecto europeu na sua materialização concreta desde o pós-guerra até aos dias de hoje. Ao invés desta atitude a social-democracia, mau grado algumas circunstanciais resistências iniciais, contribuiu decisivamente para a consolidação de instituições assentes na partilha da soberania e na supressão de um esclerosado endeusamento do Estado-Nação. Esta diferença remete para uma intransponível fronteira doutrinária que não pode deixar de ter consequências no domínio da prática política, como efectivamente não deixou.
Com a vitória do Syriza na Grécia e a ascensão eleitoral do Podemos em Espanha, ambos oriundos de movimentos anti-capitalistas radicais e absolutamente hostis à tradição social-democrata, criou-se uma vaga de adesão emocional, e como tal muito sectária e dogmática, a uma certa representação da esquerda que se julgava historicamente invalidada pelo insucesso das experiências comunistas reais. É irrelevante ajuizar das motivações concorrentes para tão estranha adesão; elas são, de resto, mais ou menos evidentes. Chegamos agora, porém, a um momento em que é possível aquilatar objectivamente o mérito político deste caminho. Durante cinco longos meses projectaram-se na acção do Governo Syriza expectativas verdadeiramente miraculosas. O resultado está à vista – a Grécia está numa situação calamitosa, vê-se obrigada a aceitar um programa draconiano e o grau de frustração é de tal ordem que prenuncia situações de grave perturbação da tranquilidade pública. A estratégia do confronto extremado, da provocação primária de dirigentes políticos de outros Estados membros da União Europeia, da exaltação perigosa de um fundo nacionalista sob a forma de um apelo demagógico à dignidade de um povo, a invocação de uma acrescida legitimidade democrática, só poderiam conduzir ao desastre que infelizmente estamos a observar. E nem sequer é verdade que tudo isto se possa justificar por um absoluto imobilismo europeu. Desde há um ano que, seguindo a via do compromisso transformador, se têm dado passos claros no sentido da modificação de aspectos essenciais da política económica europeia.
Se neste momento decisivo a social-democracia europeia revelar a menor hesitação quanto ao caminho a prosseguir estará a hipotecar o futuro da esquerda por muitos anos. É por isso mesmo que, por mais impopular que isso possa ser no presente momento, é imperioso resistir ao discurso anti-germânico, violentamente crítico das instituições demo-liberais existentes e apostado na degradação de um património de convivência construtiva entre países e famílias políticas diferentes. Se o não fizermos com a ênfase que as circunstâncias reclamam estaremos a ser coniventes com projectos e movimentos que, a terem sucesso, dissolveriam aspectos essenciais do espírito europeu.
2. Alexis Tsipras libertou demónios dificilmente controláveis pela forma precipitada como convocou um referendo plebiscitário no decurso de um processo negocial com os seus parceiros europeus. Está a pagar caro por isso, mas é justo reconhecer que nos últimos dias, em circunstâncias excepcionalmente adversas, tem revelado um inegável sentido de responsabilidade. Alguns verão nisso uma traição, epíteto, aliás, que sempre atribuíram a todos os homens e mulheres que sempre optaram pelo socialismo democrático e pela social-democracia. A História, porém, está repleta de figuras que se construíram precisamente a partir de uma capacidade de reconciliação dialéctica dos seus ideais com as suas circunstâncias. Não foi assim que começou o grande movimento social-democrata?