De que cores se faz a luz de Lisboa?

A Luz de Lisboa, no Terreiro do Paço, é a exposição que nos quer pôr a olhar para a capital com outros olhos.

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Canta Carlos do Carmo: “Lisboa menina e moça, menina/Da luz que meus olhos vêem tão pura/Teus seios são as colinas, varina/Pregão que me traz à porta, ternura/ Cidade a ponto luz bordada”. E canta Camané: “Olho a cidade e parece/Que é de tarde que amanhece/Que em Lisboa é sempre dia”. Já Mário de Carvalho escreve: "Quanto à cor de Lisboa (…) disponho-me a jurar e a declarar notarialmente que branca não é. (…) Lá terá as suas brancuras aqui e além, mas estão preciosamente colocadas, para compor o todo."

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Canta Carlos do Carmo: “Lisboa menina e moça, menina/Da luz que meus olhos vêem tão pura/Teus seios são as colinas, varina/Pregão que me traz à porta, ternura/ Cidade a ponto luz bordada”. E canta Camané: “Olho a cidade e parece/Que é de tarde que amanhece/Que em Lisboa é sempre dia”. Já Mário de Carvalho escreve: "Quanto à cor de Lisboa (…) disponho-me a jurar e a declarar notarialmente que branca não é. (…) Lá terá as suas brancuras aqui e além, mas estão preciosamente colocadas, para compor o todo."

Podíamos continuar, tantas são as referências à luz da capital. Do cinema à publicidade, da pintura à fotografia, até mesmo à publicidade. Está tudo à descoberta na exposição A Luz de Lisboa que esta sexta-feira abre portas ao público. De fora, não ficou sequer a abordagem científica ao tema. “Enquanto museu de cidade, achámos que seria interessante um dia podermos fazer uma exposição de preferência transdisciplinar sobre este grande valor que é a nossa luz”, diz ao PÚBLICO Joana Sousa Monteiro, directora do Museu de Lisboa, explicando que a ideia para esta mostra surgiu há cerca de dois anos – tempo suficiente para amadurecer o “desafio”.

“Fomos à procura de como tratar, perceber, questionar, explicar e expor um tema que não é passível de ser exposto porque não se vê, nem se toca, nem se mexe”, continua. Para isso, chamou para o projecto dois nomes de áreas distintas: Ana Eiró, antiga directora do Museu de História Natural e da Ciência, em Lisboa, e Acácio de Almeida, director de fotografia com dezenas de filmes no currículo, entre os quais produções de Manoel de Oliveira ou Raoul Ruiz. São eles os comissários da exposição. “Assim temos alguém com a capacidade de traduzir em museografia fácil de entender o que são fenómenos da física como a luz, e alguém que reconhece a importância da luz e a sua representação artística.”

A Luz de Lisboa ocupa todo o primeiro andar do Torreão Poente do Terreiro do Paço, onde se manterá até ao dia 18 de Dezembro. Com duas vertentes distintas, a científica e a artística, a exposição está montada de forma a percebermos primeiro o fenómeno físico para apreciarmos depois as suas muitas formas. Nas paredes, vamos lendo várias citações sobre como a luz de Lisboa é bela ao mesmo tempo que somos confrontados pelo próprio brilho a entrar pelas grandes janelas das salas viradas para o rio Tejo.

Joana Sousa Monteiro destaca a grande pesquisa feita ao nível da publicidade. “Verificámos que o tema da luz de Lisboa é utilizado em inúmeros anúncios, há muitas marcas que vêm para Lisboa filmar anúncios que nem sequer passam em Portugal mas que utilizam a beleza da nossa luz como factor qualificador do spot”, explica, contando que a publicidade terá o seu próprio espaço na exposição, onde poderão não só ser vistos os vários anúncios, “alguns inéditos”, como também diversos cartazes, de marcas e das próprias estruturas portuguesas para promover o turismo na cidade, como por exemplo um poster dos Caminhos de Ferro Portugueses. “Temos cartazes desde os anos 1940”, diz a directora do Museu de Lisboa, que quer pôr todos os visitantes a repensarem a luz. “Depois disto, quando se volta a olhar, quando se foca, vê-se diferente”, garante e Acácio de Almeida, ao seu lado, confirma.

“Sempre trabalhei com a luz, a minha relação com a luz existe há vários anos com os filmes que ia fazendo mas nunca tinha pensado sobre o que é a luz. De facto, o que é”, questiona-se o director de fotografia de filmes como O Passado e o Presente (1972), de Manoel de Oliveira, A Cidade Branca (1983), de Alain Tanner, ou Aquele Dia (2003), de Raoul Ruiz. “Hoje estou a trabalhar num novo filme mas estou com uma grande preocupação, qual é a minha abordagem agora em relação à luz? Mudou muito, já não me pergunto só qual é o contraste da luz e da sombra, há outro diálogo”, conta Acácio de Almeida, que seleccionou para esta mostra alguns excertos de filmes onde a luz de Lisboa está presente: Verdes Anos, de Paulo Rocha, Berlamino, de Fernando Lopes, ou o Filme do Desassossego, de João Botelho.

Acácio de Almeida preparou ainda um inédito para a exposição, assim como a Videoteca de Lisboa realizou o documentário As Artes da Luz de Lisboa que pode ser visto ao lado de obras de Carlos Botelho, Eduardo Viana, Rui Calçada Bastos, Nuno Cera, Luís Pavão, Sena da Silva ou Daniel Blaufuks. As peças pertencem na sua maioria ao Museu de Lisboa, mas há também empréstimos do Arquivo Fotográfico de Lisboa, do Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado, da Fundação EDP e de coleccionadores privados. Para aqueles que vão com tempo, há ainda lugares onde se podem sentar a ouvir leituras de poemas inteiros com passagens sobre a luz, pois claro. Para a directora do museu, “é muito engraçado ver como há perspectivas muito diferentes sobre o mesmo tema. “Desde a luz que encanta e é poética e maravilhosa à mesma luz que pode ser quase trágica e apaixonante no sentido negro das palavras.”