Vara saiu da cadeia e regressou a casa onde fica em prisão domiciliária
O ex-ministro estava na prisão desde sexta-feira e aguardava relatório dos serviços prisionais para a instalação do equipamento de vigilância electrónica em casa. Juiz Carlos Alexandre deu ordem para a sua saída.
O ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) chegou pelas 15h50 ao prédio onde vive, levado numa carrinha dos serviços prisionais que entrou pela garagem do edifício.
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O ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) chegou pelas 15h50 ao prédio onde vive, levado numa carrinha dos serviços prisionais que entrou pela garagem do edifício.
Estava nesta cadeia desde quinta-feira, altura em que foi detido numa acção do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) juntamente com inspectores da Autoridade Tributária e agentes da PSP. O juiz Carlos Alexandre decidiu na sexta-feira a medida de coacção após algumas horas de interrogatório no Tribunal Central de Instrução Criminal.
O magistrado concordou com a prisão domiciliária do ex-ministro socialista proposta pelo procurador Rosário Teixeira, mas Vara permanceu entretanto na cadeia, enquanto era elaborado o relatório da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais sobre as condições para instalar o equipamento de vigilância na sua habitação, necessário para o controlo da pulseira electrónica. Os técnicos enviaram terça-feira ao Tribunal Central de Instrução Criminal o relatório onde consta ainda informação sobre a “situação pessoal, familiar, laboral ou social do arguido”, como impõe a lei de vigilância electrónica.
Durante o desenvolvimento do inquérito, o juiz decidiu que Armando Vara fica ainda impedido de contactar com os restantes arguidos no processo. O antigo governante foi detido no contexto de buscas domiciliárias a duas casas, em Lisboa e Cascais, e a um escritório, tendo passado a noite de quinta-feira numa cela do Comando da PSP de Lisboa e transitado depois para o estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária de Lisboa.
A detenção de Vara estará relacionada com contrapartidas de milhões que o ex-primeiro-ministro, José Sócrates, que se encontra em prisão preventiva no âmbito deste processo, terá recebido por ter alegadamente favorecido o empreendimento turístico de Vale do Lobo, no Algarve, através do Plano Regional de Ordenamento do Território Algarve. O Ministério Público acredita que Armando Vara terá também ficado com parte dessas comissões.
A alegada intervenção do ex-ministro socialista surge em 2006 no âmbito da sua então condição de administrador da CGD, instituição bancária que terá persuadido a financiar um negócio de 200 milhões necessário à troca de propriedade daquele complexo. O banco, que comprou 24% do empreendimento, acabou por ficar em mãos com um negócio ruinoso, com perdas da ordem dos 100 milhões de euros.
A decisão de manter Armando Vara em prisão domiciliária voltará a ser revista em Setembro, já que a lei impõe a reavalição das medidas de coacção de três em três meses. Nessa altura, reanalisado o desenvolvimento do inquérito e os indícios entretanto recolhidos o Ministério Público defenderá a continuação da pulseira electrónica ou a atenuação da medida de coacção se considerar que alguns critérios como, neste caso, o perigo de perturbação do inquérito já não estão em causa. O advogado de Vara, Tiago Rodriges Bastos, tomará também posição e o juiz Carlos Alexandre voltará a ter a palavra final.
O PÚBLICO contactou, sem sucesso, Tiago Rodrigues Bastos que na sexta-feira, logo após o interrogatório, anunciou que vai recorrer e considerou que a medida da coacção "não se justifica", já que no processo Face Oculta sempre cumpriu com as suas obrigações processuais.
Na processo relativo à Operação Marquês, José Sócrates é actualmente o único arguido que continua em prisão preventiva. Preso desde Novembro do ano passado, está indiciado por crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção. Entre os restantes sete arguidos no processo estão o ex-motorista de Sócrates, João Perna, o empresário e amigo de Sócrates, Carlos Santos Silva, o administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca Rodrigues, suspeito de ser um dos principais corruptores do ex-primeiro-ministro, o advogado Gonçalo Ferreira, o administrador da Octapharma Paulo Lalanda Castro, a mulher de Carlos Santos Silva, Inês Pontes do Rosário e o presidente da empresa que gere o empreendimento da Vale do Lobo, Diogo Gaspar Ferreira.
"Mancha muito, a política. Suja muito a gente”
Faltavam poucos minutos para as 16h quando a carrinha azul dos serviços prisionais transportando Armando Vara entrou no prédio de Entrecampos onde o antigo ministro mora há cerca de década e meia, inicialmente com a primeira mulher e agora só com os dois filhos. O espaçoso apartamento tem entrada para a Feira Popular mas vista para o Campo Grande, bairro em que habita também a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz.
Do alto dos seus 87 anos, Vasco Cabral vê com alguma naturalidade tudo o que se tem passado nos últimos tempos com o seu vizinho de patamar. Armando Vara vive no quinto esquerdo, ele mora no quinto direito e ainda se lembra do dia em que foi para ali residir, já o então secretário de Estado de Guterres aqui morava. Tocou-lhe à campainha e ofereceu os seus préstimos, simpatia que nenhum outro morador teve: “Se precisar de alguma coisa estou às suas ordens”.
A boa impressão ainda se mantém: a vizinhança, que há uns bons anos via Augusto Santos Silva visitá-lo de quando em vez, nunca teve razões de queixa do antigo governante. “Sempre foi uma pessoa cordial”, corrobora o dono da banca de jornais defronte do supermercado onde o antigo deputado socialista costuma ir às compras e também o empregado do snack-bar umas portas adiante da casa de Vara, habituado a servir-lhe bitoques à noite. Nos últimos tempos tem-no visto menos à hora de jantar, mas a bica ainda é certa. “É uma pessoa afável, se o encontramos na rua cumprimenta-nos. Claro que naqueles assuntos nunca tocamos…”.
Os desentendimentos do vizinho com a justiça já deixaram de ser novidade. Esta quarta-feira foi mais um dia em que a porteira teve de verificar se a porta que dá para a rua ficava bem fechada, não fosse algum jornalista entrar-lhe prédio adentro para tentar entrevistar Armando Vara logo após a sua saída da cadeia: “Coitado do homem, não o largam. Chegou a emprestar-me o lugar da garagem, diz que o carro dele não cabe lá por ser grande demais”.
O vizinho do quinto direito assegura que o filho, advogado de profissão, há-de passar em casa de Vara para lhe dar um abraço, agora que ele regressou a casa. “Não estou em condições de avaliar o processo em que é suspeito”, justifica-se. “Agora todos os políticos têm tendência para se envolver em coisas complicadas, para cair em tentação”. E repete do alto dos seus 87 anos, como que para si próprio: “Mancha muito, a política. Suja muito a gente”.
Problemas com a justiça vêm de longe
Os problemas de Armando Vara com a justiça vêm de longe. O escândalo ligado à Fundação para a Prevenção e Segurança, instituição privada que criou para fazer campanhas de prevenção rodoviária, obrigou-o a demitir-se de ministro da Juventude e do Desporto em 2001, depois de o Tribunal de Contas ter detectado irregularidades nas transferências que o Estado fazia para esta instituição. O processo foi porém arquivado pelo Ministério Público, por falta de provas.
Antes de ser condenado em Setembro passado, no processo Face Oculta, por tráfico de influência a cinco anos de prisão – ficou provado que recebeu 25 mil euros do sucateiro Manuel Godinho, o principal arguido no caso, para beneficiar as suas empresas, mas o antigo ministro recorreu da decisão do Tribunal de Aveiro -, o socialista viu ainda ser-lhe aplicada pelo Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão uma coima de 40 mil euros, mais tarde anulada, porém, pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
Nesse caso estavam em causa estão financiamentos a um cliente da Caixa Geral de Depósitos que criou centenas de contas-fantasma, no valor de mais de 800 mil euros, para aquisição irregular de acções durante as ofertas públicas de venda da Galp e da REN e a oferta pública de subscrição da Martifer. Multado por violação negligente do dever de defesa do mercado, Vara acabou por não ter de pagar, uma vez que os desembargadores da Relação entenderam absolvê-lo.