A cabeça rapada de Laura
Mandaria o pudor e o bom-senso não arriscar uma interpretação cínica, malvada e asquerosa de um gesto que pode ser apenas profundamente meritório e digno.
A novidade era esta: Laura Ferreira, que tem vindo, como se sabe, a travar uma luta contra o cancro, surgia nas fotos de cabeça rapada. Isso chegou e sobrou para serem produzidas algumas declarações de abismar por parte de gente que detesta de tal forma Passos Coelho que o ódio passou a ocupar quase toda a caixa craniana, deixando muito pouco espaço para a inteligência, para a sensibilidade e para a empatia.
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A novidade era esta: Laura Ferreira, que tem vindo, como se sabe, a travar uma luta contra o cancro, surgia nas fotos de cabeça rapada. Isso chegou e sobrou para serem produzidas algumas declarações de abismar por parte de gente que detesta de tal forma Passos Coelho que o ódio passou a ocupar quase toda a caixa craniana, deixando muito pouco espaço para a inteligência, para a sensibilidade e para a empatia.
João Quadros, subtil como só ele, destacou-se em grande. Primeiro tweet: “Se usa a careca da mulher para tentar ganhar eleições, o que não fará connosco.” Segundo tweet: “O primeiro-ministro que rebentou com os tratamentos ao cancro serve-se dele para se tornar popular. Só falta mandar a Laura para a fila do centro de emprego.” Sérgio Lavos, blogger e militante do Livre: “Quando olhei para as fotografias confesso que senti algum constrangimento ao ver alguém assumir de modo tão despudorado uma doença tão dramática (…) [Mas] o que eu critico é outra coisa: Passos aparentemente não fez qualquer esforço para evitar que as fotos saíssem no Correio da Manhã.” Estrela Serrano, adoptando um tom professoral: “A mediatização da doença de Laura Ferreira (…) presta-se a uma leitura política, sobretudo em época pré-eleitoral (…) Quanto ao jornalismo, é eticamente reprovável, embora seja cada vez mais corrente, a instrumentalização da doença de uma figura pública.”
Estas declarações falam por si, e não vale a pena estar para aqui a indignar-me – Ana Sá Lopes já o fez admiravelmente num editorial do jornal i. O que eu gostava é de chamar a atenção para a forma como certa esquerda se apressa a atirar pela janela valores que lhe são caros desde que isso dê jeito para atacar a jugular do odioso primeiro-ministro. Amor ao povo? Esqueçam: o povo é um bando de imbecis que troca a oposição pela coligação mal vislumbra Passos Coelho ao lado da mulher careca. Quatro anos de austeridade e sofrimento? Sim, e do mais terrível – só que adoça escandalosamente quando confrontado com a alopecia. Independência da comunicação social? Porreiro, pá, só não se percebe por que o primeiro-ministro não impediu que as fotos saíssem no Correio da Manhã. Emancipação da mulher? Sem dúvida, mas é constrangedor que “Laura Passos Coelho” (assim chama Sérgio Lavos a Laura Ferreira) assuma “de modo tão despudorado uma doença tão dramática”. A careca é um exclusivo masculino – e mulher casada é para usar o apelido do marido.
A sempre tão liberal esquerda, mal fisga uma oportunidade para atacar Passos Coelho, adopta uma postura digna do mais misógino marialva. Nenhuma destas insignes personagens sequer coloca a hipótese de Laura poder ser alguma coisa que não uma extensão do primeiro-ministro. E muito menos ela estar simplesmente a querer enfrentar o estigma da “doença prolongada”, a assumir orgulhosamente o combate ao cancro ou, até, a ajudar outras pessoas com o seu exemplo. É pena que gente como Estrela Serrano, que já mostrou ter tanta paixão pela presunção de inocência, se dispense de a aplicar neste caso. Existindo sempre a hipótese, por mais ínfima que ela a considere, de aquelas fotos não terem sido uma encenação, mandaria o pudor e o bom-senso não arriscar uma interpretação cínica, malvada e asquerosa de um gesto que pode ser apenas profundamente meritório e digno.