Em Teerão “já se começou a respirar melhor”
Medicamentos, tecnologia, novas oportunidades para estudar e mais empregos, tudo isto os iranianos esperam ver chegar com o fim das sanções. Também festejam poder deixar de viver num “Estado pária”.
“Estou muito feliz, é uma grande vitória para os iranianos”, disse Nessa, funcionária de uma loja em Teerão, que a AFP encontrou a acompanhar o anúncio do acordo sobre o programa nuclear no ecrã do computador. “É o nosso 14 de Julho também”, afirmou pouco depois, a sorrir, Abdolfazad, dono de uma empresa onde todos continuaram no seu posto mas já ninguém trabalhava realmente.
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“Estou muito feliz, é uma grande vitória para os iranianos”, disse Nessa, funcionária de uma loja em Teerão, que a AFP encontrou a acompanhar o anúncio do acordo sobre o programa nuclear no ecrã do computador. “É o nosso 14 de Julho também”, afirmou pouco depois, a sorrir, Abdolfazad, dono de uma empresa onde todos continuaram no seu posto mas já ninguém trabalhava realmente.
“Com este acordo, já se começa a respirar melhor. A nossa visão sobre o mundo vai mudar, mas sobretudo vai-se modificar o olhar do mundo em relação a nós”, antecipa Abdolfazad. “O Irão já não é um Estado pária.”
As consequências ainda vão demorar a sentir-se na vida quotidiana. Mas são de alcance tão grande que muitos analistas iranianos consideram que o único dia comparável desde a Revolução Islâmica de 1979 foi aquele em que se assinou o acordo que pôs fim à mortífera guerra com o Iraque (1980-1988).
“A trégua que acabou com a guerra tinha a ver com um assunto regional. Este acordo tem uma importância estratégica maior, é um novo capítulo nas relações do Irão com o mundo e terá um impacto de longo prazo”, disse ao Guardian Gholamhossein Karbaschi, ex-presidente da câmara de Teerão, um reformista que tem grande parte seus aliados políticos presos, incluindo os líderes da oposição Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karrobi, candidatos às presidenciais de 2009 que continuam em prisão domiciliária.
Alguns temem que depois desta vitória o pragmático Rohani, eleito há dois anos, tenha de ceder aos membros da linha dura em questões de política interna, mas Karbaschi está optimista. “Espero que o Governo siga este padrão de diálogo internamente. Se conseguirmos algum tipo de entendimento em casa, questões como as detenções dos opositores também podem ser resolvidas.”
O levantamento das sanções só deverá entrar em vigor no início de 2016, mas há fábricas que já negociaram com os antigos parceiros europeus para voltarem a produzir motores de carros, por exemplo, ou pessoas à espera de ver os preços baixar para comprar um computador ou um telemóvel. Há gente que não pode tratar as doenças que tem e estudantes à espera de poderem candidatar-se a cursos no estrangeiro que até agora lhes estavam vedados.
Inferno e paraíso
“Sejamos realistas. O dólar estava a subir a pique face ao real e o país estava a caminho de uma guerra. Este acordo pode não chegar para tornar o Irão num paraíso, mas pelo menos impede que se transforme num inferno”, comentou no site da BBC farsi o iraniano Azar. “Má gestão e as sanções contra o Irão puseram a inflação nos 40%. Por favor, sejam justos e não digam que este acordo não vai fazer diferença nas nossas vidas.”
Os iranianos sabem que as dificuldades económicas que enfrentam não se devem apenas às sanções internacionais. Mas também sabem que estas beneficiaram a corrupção de uma pequena elite, prejudicando os mais pobres e a classe média. E agora as sanções já não poderão servir como desculpa.
Morteza, um farmacêutico que o Guardian encontrou na véspera da assinatura do acordo, contou que há anos tem pesadelos. “Sonho com clientes que vêm comprar medicamentos que eu não tenho e me amaldiçoam”, descreveu. “Nem consigo contar quantos clientes meus e dos meus colegas morreram de cancro por não termos os medicamentos que eles precisavam.”
Sim, o levantamento das sanções vai ter um impacto da vida dos 77 milhões de iranianos. Para a gestora de projectos Shahrzad Afrashteh, de 45 anos, a perspectiva de um acordo e do fim do bloqueio internacional foi suficiente para motivar o regresso ao país onde nasceu mas de onde a família fugiu com a chegada ao poder do regime dos ayatollahs. Shahrzad viveu quase toda a vida no Reino Unido; agora quer ajudar a “reconstruir o país”.
Apostando que “a noite vai ser de festa”, disse à NBC que só esperava pelo quebrar do jejum para sair à rua. Com as negociações em Viena a arrastarem-se desde 27 de Junho, parecia “que toda a gente estava a suster a respiração”. Agora, descreve Shahrzad, “há um sentimento de alívio enorme, podemos respirar fundo e deixar sair o ar”.
Pouco depois do fim do jejum do Ramadão, a AFP já contava centenas de pessoas a percorrer a maior avenida da capital, a Vali Asr, enquanto quem passava de carro buzinava. “Vejam as ruas esta noite, estamos todos felizes”, disse Giti, uma iraniana de 62 anos que, como Shahrzad, já viveu fora, no Canadá e nos EUA. Giti planeava voltar a sair, agora já não tem certezas. “Pensava partir mas vou esperar para ver o que acontece.”